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Rolim: acidente no auge do sucesso empresarial /// Martin: “Vamos continuar os projetos de Rolim”

Senhores passageiros, aqui começa um vôo que foi obrigado a mudar de rota em pleno ar. O céu claro de um azul anil que recebera aquele avião com um largo sorriso, de repente se fechou. A mais violenta das tempestades desabou sobre o aparelho. Agora, passado o primeiro impacto, volta a ganhar altitude e se prepara para seguir viagem. Ainda meio atordoada, a aeronave em questão atende pelo nome de TAM, a companhia aérea que perdeu, na semana passada, o seu criador, aquele que a fez à sua imagem e semelhança, o comandante Rolim Adolfo Amaro, 58 anos. Ele mal teve tempo de comemorar os dois maiores feitos da história da empresa. Além de entrar para o seleto time de companhias brasileiras com faturamento acima de US$ 1 bilhão, a TAM ainda fez uma ultrapassagem histórica sobre a Varig. Ficou em primeiro lugar no mercado de aviação doméstica no semestre, com 31% do total de passageiros contra 29% da concorrente.

E agora, como fica a TAM de Rolim sem o Rolim? Essa era a pergunta, quase automática, que se seguia aos comentários estupefatos sobre a trágica morte do fundador, na manhã do domingo, 8, quando seu helicóptero caiu numa fazenda perto da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero (além dele, morreu Patrícia dos Santos Silva, gerente da empresa, que também estava no aparelho). A agilidade de resposta da TAM foi no melhor estilo Rolim. Dois dias após sua morte, o conselho de administração se reuniu e escolheu Daniel Mandelli Martin, 48 anos, então vice-presidente corporativo e estratégico, para o lugar do comandante. Martin, casado com Lesy Amaro Martin, irmã de Rolim, era o braço direito do presidente. ?Ele revolucionou a aviação brasileira e vamos manter essa trajetória?, afirmou Martin à DINHEIRO, dois dias após sua indicação (leia entrevista na pág. 55).

Além de ser responsável pelo planejamento estratégico, Martin negociava a compra dos aviões. Discreto e simpático, o novo presidente da TAM tem um perfil oposto ao de Rolim. Enquanto o comandante ganhava terreno na frente de batalha do mercado de aviação com o seu marketing agressivo, Martin atuava na trincheira, traçando planos estratégicos e cuidando da operação interna da companhia. Pode se dizer que nas mais importantes negociações, Rolim era o piloto e Martin o seu co-piloto. Juntos, contabilizaram milhares de horas de vôo. O executivo entrou na TAM como estagiário em 1973. Ao longo dos anos, assumiu novas posições até chegar a vice-presidência em meados da década passada.

O atual presidente da TAM acompanhou todo o movimento de profissionalização da companhia, liderado pelo próprio Rolim, a partir de 1992, após vencer um câncer na garganta. A proximidade com a morte o fez repensar a vida. Decidiu que era hora de preparar a empresa para voar com suas próprias asas. O processo culminou no organograma atual, definido em abril deste ano, onde seis vice-presidências surgiram para cuidar das distintas áreas da companhia. Piadista incorrigível, o comandante batizou de ?desrolinização? a descentralização na gestão da empresa. ?Ele dizia que queria andar mais de moto a partir dos 60 anos?, conta Marco Bologna, vice-presidente administrativo e financeiro. ?Ou seja, Rolim já se preparava para deixar o dia a dia da TAM em algum momento?, diz Bologna. Esse momento, na opinião de Martin, não iria chegar nunca. ?Ele sempre estaria por aqui, seja como presidente, piloto ou no serviço de bordo?, garante Martin.

De fato, era quase impossível imaginar o comandante por muito tempo longe da sua cria. Ele comprou a TAM em 1972. Antes disso, passou anos voando Brasil afora num táxi-aéreo. O intrépido piloto transportava mulas de uma fazenda a outra, em plena Amazônia, desde que rendesse um bom dinheiro. Na época, ele distribuiu rádios-transmissores aos fazendeiros e montou uma central de pedidos na sua casa, que era atendida pela mulher, Noemy. Herdeira de Rolim, ela e os filhos detêm hoje 91% da TAM.

O comandante Rolim imprimiu um novo padrão de atendimento ao cliente no País. Mimava como ninguém seus passageiros. Música clássica no salão de embarque, canapés, balas. A criatividade dele rendeu vários elogios, prêmios e, principalmente, passageiros. Mas nem todos os momentos foram felizes. Em outubro de 1996 ocorreu a pior tragédia da aviação brasileira com a queda do Fokker 100, da TAM, que matou 99 pessoas em São Paulo. Naquele momento, muitos apostaram na fuga dos passageiros. Isso não ocorreu. Rolim redobrou os esforços para encantar seus clientes. Fazia questão de manter o ritual de recebê-los no embarque. Para ele, o pior tipo de cliente é o silencioso. ?Este não é fiel a ninguém?, dizia. Na porta do avião, Rolim já sabia quem era assim. ?É o que nem olha na minha cara.? O comandante não se fazia de rogado. Pegava no braço dele e dizia: ? Boa viagem?. Geralmente, recebia um sorriso de volta.

Arrojado, carismático e autor de uma história de sucesso, Rolim era o candidato natural para liderar uma possível (e inevitável) virada capaz de tirar o setor aéreo nacional da crise financeira na qual está mergulhado há anos. Já fazia movimentos nesse sentido. Em 2000, tentou um acordo com a Transbrasil. Para a empresa, era a chance de superar a crise financeira. A parceria durou só dois meses e a partir daí os problemas da Transbrasil se acentuaram. Na sexta-feira, 13, a Bovespa suspendeu as negociações com os papéis da companhia em função de rumores de uma possível falência. Ultimamente, o alvo de Rolim era a Varig. A criação da ?AmBev do ar? foi tema de vários encontros de Rolim com o presidente da rival, Ozires Silva. ?Tenho certeza de que a nova direção da TAM dará continuidade ao assunto?, diz Silva.

Eis aí mais um desafio para Martin. Embora a TAM, sob seu comando, continue a ser uma referência de modernidade e eficiência no setor, só o tempo pode lhe trazer a força política necessária para levar essa tarefa adiante. Se vai ser difícil para o setor assimilar a ausência do comandante, imagine para a TAM, onde Rolim era mais onipresente ainda. Durante um bom tempo, as gargalhadas e os pitos de Rolim serão ouvidos nos corredores da empresa. A simpática figura do comandante ao lado da porta do avião recebendo os passageiros também não vai ser facilmente esquecida. E a história da TAM será dividida em dois períodos: C.R (com Rolim) e D.R (depois de Rolim). A primeira conta a fantástica trajetória do jovem que deixou de comer para pagar o curso de pilotagem e construiu um império. A segunda parte começa a ser escrita a partir de agora.

O NOVO COMANDANTE

Daniel Martin é aquele tipo de pessoa capaz de deixar o seu interlocutor à vontade no primeiro instante. Com um jeito franco e bem-humorado, ele já vai avisando para ser chamado por você. ?Senhor, jamais.? Ainda um pouco abatido, ele falou à DINHEIRO, na manhã da quinta-feira, 12, na sede da TAM, em São Paulo. Em dois momentos, Martin deixou escapar a emoção represada quando assume o papel do executivo com uma grande tarefa a cumprir. Ficou muito comovido ao receber um forte abraço de um dos pilotos veteranos da TAM, que era amigo do Rolim. E seus olhos ficaram marejados novamente ao responder à primeira questão da entrevista que segue abaixo:

DINHEIRO ? O que tem sido mais complicado, o desafio de assumir, de repente, uma companhia de mais de US$ 1 bilhão de faturamento ou lidar com a questão pessoal que envolve essa nova fase da sua vida?
daniel MARTIN ?
O lado pessoal é uma relação de 28 anos. O sentimento de perda é muito forte. Sem qualquer pretensão, devo ter sido a pessoa que mais esteve ao lado de Rolim tanto na vida profissional quanto pessoal durante esse período. Como conhecia muito bem o Rolim, eu sei o quanto ele era forte e decidido. E o quanto ele se empenharia na tarefa de comandar a TAM, se a situação fosse inversa. Isso é que tem me dado forças para continuar o projeto dele.

DINHEIRO ? Qual será o próximo passo da TAM?
MARTIN ?
Dar continuidade ao trabalho do comandante Rolim. Além do legado empresarial, do case de marketing de sucesso, do exemplo de eficiência no atendimento ao cliente, ele deixou uma equipe inteira formada com base nesse espírito. A empresa está totalmente estruturada para manter a sua filosofia viva.

DINHEIRO ? Rolim era uma peça-chave numa possível reestruturação do setor aéreo. Fala-se muito numa provável associação com a Varig. O sr. acredita que a TAM possa continuar encabeçando esse movimento?
MARTIN ?
Não há nenhuma negociação nesse sentido, o que existem são idéias. Eu não poderia responder por 100% dos minutos do comandante, mas tenho certeza de que eu estaria presente se algo de mais concreto estivesse sendo preparado.

DINHEIRO ? Qual é a sua expectativa para o segundo semestre no ramo da aviação?
MARTIN ?
O setor continua com dificuldade de performance de lucros. Para piorar, o momento atual da economia é de total incerteza. Previsibilidade é a palavra-chave para a organização de uma empresa, de um país. E isso não existe mais neste momento. Agora, a TAM está muito bem posicionada, com situação financeira estável, o que nos permite enfrentar as turbulências com mais armas do que o resto do mercado.

DINHEIRO ? O comandante Rolim tinha planos de colocar a TAM na Bolsa de Nova York. Há algum movimento nesse sentido?
MARTIN ?
Existe um projeto que deverá ser posto em prática no momento correto, que não é este, já que o cenário atual é de alta do dólar, crise na Argentina etc. De qualquer modo, Rolim já vinha preparando a TAM para se tornar uma empresa mais atraente para o mercado financeiro. Desde novembro do ano passado, todas as empresas do grupo foram consolidadas numa só, o que permite uma maior transparência.

DINHEIRO ? O comandante falava sobre a sua sucessão?
MARTIN ?
Não era um assunto conversado. Mas, de uma certa forma, ele estabeleceu isso no estatuto atual da empresa. Segundo as normas, na falta do presidente do conselho, o vice-presidente assumiria. No caso, eu.