A vida do editor Geraldo Jordão Pereira, de 67 anos, daria um romance de suspense nos moldes de O Código Da Vinci. O livro teria pitadas de História, dramas pessoais, lances picarescos e desfecho inesperado. História: filho do lendário José Olympio, um dos mais respeitados editores do Brasil, quando criança tomava café da manhã com Drummond, Guimarães Rosa e Manuel Bandeira. Drama: há cinco anos, submeteu-se a um transplante de fígado. Aparecia no primeiro lugar da lista de espera quando o médico lhe informou que uma senhora estava para morrer. Cedeu seu lugar. O picaresco: no auge da ditadura, encampada pelo BNDES, a José Olympio passou a receber a visita de um interventor que se sentava próximo a Geraldo. Um dia caiu às mãos deste representante dos militares um volume de memórias. Era o auge da repressão. ?Seu Geraldo, isto aqui não é daquele autor comunista chileno? Não podemos publicar, ofereça a outra editora?. Era Confesso que Vivi, de Pablo Neruda. O livro foi publicado pela Civilização Brasileira de Ênio Silveira. O inesperado, e é ele que transforma a trajetória de Geraldo num fenômeno de economia, ocorreu em maio de 2003: ele folheava as páginas de uma revista literária americana quando seus olhos pousaram numa pequena nota. Ela anunciava, em pouco mais de 10 linhas, que um até então obscuro autor, Dan Brown, finalizava um volume inspirado em Leonardo da Vinci, Maria Madalena e Jesus Cristo. ?Liguei para os americanos, propus negócio e paguei por ele US$ 12 mil.? Nascia, naquele instante, um dos mais espetaculares sucessos do mercado editorial no Brasil. E a Sextante, a editora que Geraldo comanda com dois filhos, descobriu um Santo Graal.

Os US$ 12 mil explodiram. No Brasil, O Código da Vinci já vendeu 500 mil exemplares (no mundo foram 14 milhões). Com preço de capa original de R$ 39,90, numa conversão para dólares, já faturou algo como US$ 7,1 milhões. Descontados custos de produção, ganhos dos distribuidores e das livrarias, a Sextante pôs no caixa 10% desse total ? é um feito, sabendo-se que brotou de um único título. Não é o primeiro estouro da editora, que há cinco anos lançou a coleção Um Dia Daqueles, aquela com fotos de bichos e frases rápidas de ensinamentos para a vida. Mas é a primeira vez que um romance levará a Sextante a outro patamar econômico. Das 510 editoras brasileiras, segundo levantamento da Câmara Brasileira do Livro, 420 são micros ou pequenas, com faturamento anual de até R$ 1 milhão.

Apenas 13 editoras no País faturam mais de R$ 50 milhões. A Sextante está no meio deste caminho ? com O Código da Vinci, pode subir ao primeiro time. Foi o que aconteceu com a Rocco, ao descobrir Paulo Coelho e, posteriormente, Harry Potter. ?Vendas desse porte podem, sim, fazer crescer uma editora?, diz Marino Lobello, vice-presidente de comunicação e marketing da CBL. ?Mas o mercado é muito mais complexo do que isso, e cabe alimentá-lo para permitir o nascimento de outros grandes vendedores?. Cabe, em resumo, entender o que O Código da Vinci da Sextante significa num País que, lamentavelmente, lê muito pouco (acompanhe no quadro abaixo). Logo de partida, lembre-se que, acima de tudo, foi um extraordinário lance de oportunismo editorial. É o primeiro romance da Sextante, e a rigor o volume de Dan Brown não caberia no catálogo da editora. Mas Geraldo apostou, como já apostara no início dos anos 70, ao abrir capital da José Olympio na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A editora do pai faliu, atravessou momentos estúpidos como o do sujeito que barrou Neruda, e seu espólio está agora nas mãos de um gigante, a Record. Mas tudo isso passou com o efeito Da Vinci.

?Sucessos como O Código Da Vinci ajudam a pagar livros que giram pouco nas lojas?, diz Pedro Herz, da Livraria Cultura, que cresceu 7% no ano passado, com faturamento de R$ 92 milhões. Mas a Cultura, instalada em shoppings, ressalte-se, não é o mercado ? é uma bem administrada rede que uniu formação de funcionários e estoque veloz para gerar uma ilha de excelência num triste mar de números ruins. Nesse aspecto, o livro de Dan Brown é uma gota no oceano. De 1995 até hoje, o faturamento do mercado livreiro no Brasil ruiu 48%. Era de R$ 4,5 bilhões e caiu para R$ 2,4 bilhões. Há menos títulos (38.253 diante de 35.590). Nos gastos per capita com livros, o Brasil aparece ao lado de China, Rússia, México e Argentina com valores que não chegam a US$ 7. Nos Estados Unidos, Bélgica, Alemanha e Suíça vão de US$ 90 a US$ 130. Um único grupo editorial alemão, o Bertelsmann, faturou em 2003 dez vezes mais que todas as editoras do Brasil (US$ 910 milhões).

Há um dilema, tão enigmático como as telas de Da Vinci: como pode sobreviver um setor que minguou quase à metade? ?É difícil explicar, mas talvez a longa cadeia de ganhos, que nasce nas editoras, passa pelos distribuidores e chega à livrarias, é que pode explicar o fenômeno?, diz Fábio Sá Earp, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do mais completo estudo a respeito do negócio da leitura no Brasil.

Carnaval. Tenta-se, agora, virar a página da crise. Tudo para que a tacada da Sextante deixe de ser exceção. No final do ano passado, quando os brasileiros debruçavam-se maciçamente na praia com O Código Da Vinci, cena que se repetirá no Carnaval, o governo anunciou a isenção do PIS e do Confins para livros. Quando as editoras fizerem sua parte, e estabelecerem o corte de 5% na ponta final, estima-se que o mercado possa crescer. ?Mas preços de capa mais baixos não significam tudo?, diz Lobello, da CBL. O Santo Graal está numa outra decisão, esta sim capaz de jogar um pouco de luz num País sem bibliotecas, em que páginas de papel viraram objeto quase tão elitista quanto um pote de caviar. Determinou-se a criação de um fundo destinado a reverter o dinheiro para a divulgação do livro e à construção de casas de leitura, além da compra de encalhes por escolas. Funcionará assim: 1% de tudo que for faturado com a venda de livros será recolhido numa agência governamental.
Estima-se que, em seis meses, R$ 35 milhões anuais sejam colocados no campo da literatura. É, ainda, mera esperança ? mas aí sim a Monalisa brasileira poderá sorrir.