30/05/2012 - 21:00
Duas notícias movimentaram o mercado cambial na quinta-feira 24. A primeira é que o déficit em conta-corrente em abril foi o pior desde 1947. A cifra que mede como está o saldo das transações comerciais e financeiras do Brasil com os demais países do mundo mostrou um déficit de US$ 5,4 bilhões, acima do previsto para os economistas, segundo Fernando Rocha, chefe-adjunto do Departamento Econô-mico do Banco Central (BC). Como diria João Guimarães Rosa, em português de dia de semana esse número indica que a quantidade de dólares que saiu do Brasil em abril foi superior à quantidade que chegou. De acordo com Rocha, esse resultado foi influenciado pelo desempenho da balança comercial em abril, que ficou, pelas palavras do técnico, “ligeiramente abaixo do que foi registrado nos meses anteriores”.
Apesar da turbulência na Grécia, os estrangeiros que investem na produção
continuam cacifando suas apostas no Brasil.
Outra causa para a fuga das verdinhas foi a mudança de humor no mercado acionário nas últimas semanas. Assustados com a perspectiva da saída da Grécia do euro, os investidores resolveram buscar os portos mais seguros do oceano financeiro, e isso quer dizer vender ações e títulos de renda fixa considerados arriscados, brasileiros incluídos. Até o dia 21 de maio a bolsa perdeu US$ 3 bilhões, e a saída maciça dos investidores derrubou o índice Bovespa em 12,5% no acumulado do mês. Perder dólares é ruim? Tendo em vista a história recente, sim. São as moedas fortes como o dólar que permitem ao Brasil pagar por suas importações e honrar os juros dos empréstimos que toma no Exterior – compradores e credores nunca aceitaram cruzeiros, cruzados, ou mesmo reais. Até poucos anos, a falta de reservas em moeda forte era uma das principais travas a um crescimento econômico vigoroso.
Basta lembrar as crises da dívida dos anos 1970 e 1980, que levaram às traumáticas renegociações com os credores e cujo ajuste estancou o desenvolvimento por vários anos. A situação só mudou nos últimos tempos, quando o País passou a ser credor internacional e acumulou reservas de US$ 370 bilhões. No entanto, outra notícia oriunda da mesma fonte passou mais despercebida. Em abril entraram, líquidos, quase US$ 4,7 bilhões em investimentos estrangeiros diretos. Foi uma cifra menor do que os US$ 5,2 bilhões de abril do ano passado, mas mesmo assim é um número a comemorar. Ele indica que, apesar da turbulência na Grécia, do mau humor na Itália e da corrida não de bancos, mas de touros, na Espanha, os estrangeiros que investem na produção continuam cacifando suas apostas por aqui, ou se preparando para abrir novas lojinhas.
Qual a conclusão de todos esses números? A comparação mais didática é com o colesterol. Na década de 1970, os pesquisadores médicos descobriram que havia vários tipos de gorduras no sangue. Alguns deles são nocivos à saúde e outros, ao contrário, são essenciais ao bom funcionamento do organismo. Da mesma forma, há dólares bons e ruins. Os dólares bons vêm financiar a produção e o crescimento brasileiros, de olho nas perspectivas de crescimento da economia. Os ruins só querem aproveitar as altas taxas de juros, especialmente os da dívida pública, e acabam sendo um ônus para o Tesouro, que tem de usar dinheiro de impostos para remunerar capital especulativo de outros países. Nada ilegal nem irregular: durante muito tempo, esse foi o único dinheiro que o Brasil conseguia atrair. Hoje, com uma economia razoavelmente arrumada, é hora de adotar uma dieta cambial mais saudável, trocando a gordura especulativa pelas proteínas produtivas.