18/02/2004 - 7:00
“Antes de assinar o embargo, John Kennedy encomendou mil charutos”
O Cohiba foi criado para o comandante Fidel presentear os chefes de Estado
DINHEIRO ? Por que os charutos cubanos são tão desejados?
MANUEL GARCIA ? Por nossa sorte e para a desgraça de nossos competidores, nosso microclima é único. Há uma região específica onde o tabaco é cultivado. Chama-se Vuelta Abajo, na parte ocidental de Cuba, uma área de aproximadamente mil hectares. Ali temos um solo, uma temperatura e um ar diferenciados que ajudam no cultivo de um tabaco especial. É como acontece com os vinhos franceses. Você pode até plantar as uvas em outro país, mas o sabor nunca será igual. É algo que não se pode duplicar. Aliado a isso, temos uma experiência centenária de produção. Os antigos ensinaram para os filhos e assim por diante.
DINHEIRO ? Como se diferencia um charuto cubano dos fabricados em outros países?
GARCIA ? A mescla de folhas de tabaco, que chamamos de liga, é diferente. Ela proporciona um sabor mais forte ou mais fraco e influencia na combustão, no aroma e nos demais fatores. Cada charuto passa por processos de fermentação. Todos os charutos cubanos são fermentados duas vezes. O Cohiba, entretanto, é o único que passa por três fermentações. Cada charuto possui uma fórmula diferente e secreta, como acontece com a Coca-Cola. Só a fábrica sabe como fazer.
DINHEIRO ? Esses segredos são guardados a sete chaves?
GARCIA ? Estão nos livros das empresas. Mas eles são passados apenas para o responsável pela fabricação do charuto. Nem eu sei as fórmulas. No máximo há 50 pessoas que conhecem essas fórmulas.
DINHEIRO ? O processo de fabricação também ajuda na qualidade do charuto cubano?
GARCIA ? O processo é muito importante, mas não é o principal. Muitos cubanos foram para outros países e levaram esse tipo de conhecimento. Na República Dominicana, eles fazem do mesmo modo como nós. Porém, o que falta aos dominicanos e a outros países produtores é uma excelente matéria-prima como a nossa.
DINHEIRO ? Qual é o momento ideal para se apreciar um bom charuto?
GARCIA ? Isso depende. A escolha de um charuto é algo individual, particular. Você pode ser um aficionado e gostar de um charuto mais fino. Outro prefere um mais robusto. O mesmo ocorre com o acompanhamento. Há gente que prefere apreciar charutos com vinho e outros gostam mais de conhaque ou uísque. Tudo isso é muito pessoal. O que sabemos é que há um casamento entre uma boa bebida com um bom charuto. Os europeus preferem as bebidas quentes porque lá o clima é frio. Já em Cuba, a temperatura é alta e nem todos que fumam charuto bebem conhaque.
DINHEIRO ? O senhor já experimentou o charuto brasileiro?
GARCIA ? Já provei mas, para mim, eles não dizem nada. Não gosto de nenhum charuto que não seja cubano. Isso não quer dizer que eles sejam ruins. Mas nossos representantes aqui dizem que o charuto local está evoluindo bastante e é de boa qualidade, sobretudo os fabricados na Bahia.
DINHEIRO ? Por que criou-se a mística em torno do Cohiba?
GARCIA ? A marca surgiu em 1967 e não era comercializada. O uso era de exclusividade da República de Cuba. O governo presenteava os chefes de Estado e as personalidades mais importantes que visitavam o País. Era o charuto preferido do comandante Fidel Castro. Dos anos 60 até 1982, ele não era vendido. Como essa exclusividade tornava o Cohiba notório em todo o mundo, decidiu-se lançar uma gama de bitolas de formato maior para o mercado internacional. Depois, em 1992, nas comemorações de 500 anos do descobrimento da América, a Cohiba lançou as linhas Siglo I, II, III, IV e V. Cada uma representava os séculos de vida de Cuba e tinha tamanhos diferentes. No ano passado, surgiu a Siglo VI porque entramos no sexto século de nossa história.
DINHEIRO ? Quais são os charutos cubanos mais famosos no mundo?
GARCIA ? O Monte Cristo e o Cohiba. O primeiro é o mais vendido no mundo. O segundo possui a mística que vocês destacaram.
DINHEIRO ? Por que não há um sentimento antitabagista em relação ao charuto, como ocorre com os cigarros?
GARCIA ? É um engano. A legislação que regulamenta os cigarros também atinge os charutos. A restrição é para todos.
DINHEIRO ? Mas há uma diferença de percepção. O charuto é visto como um produto charmoso e sofisticado. Já o cigarro tem uma imagem negativa.
GARCIA ? Não digo que o charuto não faz mal à saúde. Porém, é natural e não tem química, como o cigarro. O fumador de charuto não traga a fumaça como ocorre com o cigarro. Eu, por exemplo, fumo seis por dia. O timoneiro Gregório, timoneiro e dono do barco no qual o escritor Ernest Hemingway saía para pescar, morreu muito velho e fumava bastante.
DINHEIRO ? O que criou a imagem de sofisticação do charuto?
GARCIA ? O boom dos tabacos premium surgiu na década de 90 quando apareceram as revistas especializadas mostrando personalidades que apreciaram e apreciam um bom tabaco. São pessoas importantes em todos os âmbitos, como esporte, cultura, política e outras áreas. É gente como Fidel Castro, Che Guevara, Winston Churchill, o próprio Hemingway, atores de Hollywood e esportistas como Michael Jordan.
DINHEIRO ? E o ex-presidente americano Bill Clinton? Ajudou ou prejudicou as vendas de charuto?
GARCIA ? Não estou seguro se ajudou ou não (risos). Mas dizem que era um charuto cubano.
DINHEIRO ? Tempos atrás, a atriz Demi Moore se deixou fotografar fumando um charuto. O charuto está conquistando as mulheres?
GARCIA ? Antigamente o charuto era consumido por homens mais velhos. Hoje, os jovens e as mulheres também estão consumindo. É uma prova de que está mudando e isso aumenta o número de clientes.
DINHEIRO ? O que o senhor prefere?
GARCIA ? Durante a refeição prefiro com um bom vinho. Depois, aprecio com uísque.
DINHEIRO ? E os brasileiros, como se comportam?
GARCIA ? Os brasileiros fumam em momentos de relaxamento. É um ritual, um passatempo. Já na Europa, as pessoas fumam no dia-a-dia a qualquer hora, enquanto caminham pelas ruas ou enquanto trabalham.
DINHEIRO ? No Brasil, as pessoas sabem fumar charuto?
GARCIA ? Sabem, o problema é que o tabaco cubano é caro e nem todos têm acesso ao produto. Os brasileiros fumam os produzidos na Bahia porque são mais baratos.
DINHEIRO ? Qual é o charuto mais acessível da Habanos?
GARCIA ? Estamos em todos os segmentos de mercado, do muito caro ao mais barato. O Cohiba, nosso top de linha, pode custar US$ 100 a unidade. O Guantanamera, o mais acessível, sai por R$ 12.
DINHEIRO ? Como é o desempenho do grupo no Brasil?
GARCIA ? Nós vendemos 1 milhão de charutos por ano. Ainda acho este número pequeno porque o potencial do mercado brasileiro é enorme. Agora, estamos reforçando nossa presença em eventos gastronômicos, restaurantes e hotéis de luxo. Até mesmo em postos de gasolina temos charutos à venda. Com isso, ganhamos novos clientes a cada ano. O mercado brasileiro cresce 15% ao ano.
DINHEIRO ? O que falta para o consumo crescer no Brasil?
GARCIA ? Combater o contrabando e a falsificação. Entram no País cerca de US$ 20 milhões sem pagar impostos.
DINHEIRO ? Como distinguir o puro cubano de um falso?
GARCIA ? Primeiro, deve-se verificar o selo de importador exclusivo. Há também um selo de Cuba na caixa. Outra dica é a forma de colocação dos charutos nas caixas. Devem ser do mesmo tamanho e as folhas de tabaco que o envolvem devem ter a mesma cor. Além disso, as anillas (os pequenos selos que identificam o fabricante em cada unidade) devem estar inteiramente voltadas para a frente.
DINHEIRO ? E se o consumidor comprar apenas uma unidade, como ele distingue o verdadeiro cubano?
GARCIA ? É bem difícil, pois os falsificadores se aprimoram cada vez mais. Nesse caso, só o conhecedor de charuto sabe identificar o verdadeiro cubano.
DINHEIRO ? Quantos charutos são produzidos por ano?
GARCIA ? São 300 milhões de unidades. Metade desse total é premium, que tem como destino as exportações e a venda interna para turistas e estrangeiros. A outra metade é para consumo dos cubanos. Eles fumam marcas inferiores, produzidas com tabaco de outras regiões. Para um país de 11 milhões de habitantes, o consumo é alto.
DINHEIRO ? Qual é a participação de mercado da empresa?
GARCIA ? Se incluirmos os EUA, o maior do mundo, temos uma participação de 30% no mercado premium. Se os excluirmos, porque não podemos vender devido ao embargo, aí nós temos 70% de participação.
DINHEIRO ? Apesar do embargo, os charutos cubanos entram nos Estados Unidos por meio de contrabando. O senhor tem idéia de quantas unidades são vendidas?
GARCIA ? Não conhecemos porque não vendemos, mas estima-se que entre 6 e 7 milhões de unidades entram nos EUA com marca cubana, tanto genuínos como falsificados. Os americanos gostam dos nossos charutos. Para se ter uma idéia, antes do ex-presidente John Kennedy assinar o embargo contra Cuba, ele mandou um assessor comprar mil unidades. Só depois que recebeu os charutos, ele assinou o embargo.
DINHEIRO ? Quando o embargo cair a aceitação será enorme.
GARCIA ? Lógico. O consumo anual de tabaco premium nos EUA é de 250 milhões de unidades por ano. Se este mercado abrir teremos uma fatia de, no mínimo, 50 milhões de unidades. O único problema é que há mais de 40 anos as pessoas fumam charutos de outros países, sobretudo da República Dominicana. Não é de uma hora para outra que elas mudarão.
DINHEIRO ? Os dominicanos incomodam no mercado?
GARCIA ? São nossos maiores concorrentes, principalmente a Davidoff.