Quem convive com o discreto empresário baiano Marcelo Odebrecht, presidente da maior construtora do País, garante que ele foi bom de bola na adolescência, quando sonhava em vestir a camisa do Vitória, o time do seu coração. Hoje, longe das quatro linhas e à frente de um grupo de R$ 40 bilhões, ele pode ostentar o título de “rei da Copa de 2014”. 

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Na arquibancada: Marcelo Odebrecht, bom de bola na adolescência, virou o rei dos estádios 

Dos sete estádios que já abriram concorrência, quatro serão construídos ou reformados pela Odebrecht, em obras que superam a cifra de R$ 1,5 bilhão. Na Bahia, a empresa fará o novo Fonte Nova. Em Pernambuco, a Arena do Capiberibe. No Rio de Janeiro, a reforma do Maracanã. 

Mas nada disso foi tão surpreendente como a anúncio de que a empreiteira fará também o novo estádio do Corinthians, em Itaquera, na zona leste de São Paulo, que poderá até ser o palco da abertura do Mundial. 

Isso porque, em vez de atuar apenas como construtora, a empresa capitaneada por Marcelo Odebrecht será também investidora do projeto, colocando R$ 350 milhões na obra. É um novo modelo de negócios, em que a empreiteira banca o custo do empreendimento e, em seguida, comercializa o direito de uso de uma marca no estádio.

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Lula, o chanceler corintiano: Andrés Sanchez, presidente do Corinthians,
recorreu a Lula para garantir o negócio com a Odebrecht 

Marcelo Odebrecht está ciente de que, nesse novo modelo, a empresa correrá mais riscos. Para obter o retorno do investimento, a construtora terá que encontrar um patrocinador disposto a pagar R$ 30 milhões por ano pelo direito de batizar a arena. 

Além disso, o custo do estádio do Corinthians é bastante inferior ao dos outros projetos que vêm sendo tocados pela Odebrecht – em Itaquera, o custo médio de cada um dos 48 mil assentos, será de R$ 7,2 mil, enquanto, na Fonte Nova, já está em mais de R$ 10 mil. 

Finalmente, há riscos inerentes à própria obra, como o de construir um estádio sobre dois dutos da Petrobras que passam abaixo do terreno do Corinthians. “Todos esses problemas podem ser equacionados”, garantiu à DINHEIRO Carlos Armando Paschoal, superintendente da empresa em São Paulo.

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O ponto mais delicado do projeto Itaquera, e que também representa um risco para a empreiteira, é a exploração política do caso. Durante mais de um ano, o projeto foi discutido por duas pessoas: Carlos Armando Paschoal, pelo lado da Odebrecht, e o economista Luis Paulo Rosenberg, pelo Corinthians. 

A intenção inicial era reformar o Pacaembu, mas o projeto não decolou porque o estádio, além de tombado, teria que contar com recursos públicos. Duas semanas atrás, Rosenberg demonstrava a amigos próximos estar impaciente com a Odebrecht. 

Na sexta-feira 27, no entanto, ele próprio se disse surpreendido com a reviravolta do caso e disse a um amigo que, de uma hora para outra, a construtora aceitara todas as condições do Corinthians. 

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Entre esses dois momentos, houve um fator crucial: a ligação de Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula, por sua vez, recorreu ao presidente do conselho da empreiteira, Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, fazendo um apelo para que o anúncio do estádio do Timão fosse feito às vésperas do centenário do clube – uma festa em que Lula foi o grande protagonista.

Para uma empresa que é sócia da Petrobras na petroquímica e responsável por algumas das maiores obras do País, como as usinas do rio Madeira e de Belo Monte, na Amazônia, o bom relacionamento político faz parte do negócio. 

Além do mais, as obras da Copa de 2014 vão muito além dos estádios. As estimativas oficiais indicam que o País terá de investir R$ 17 bilhões, numa projeção modesta, em obras de infraestrutura e mobilidade urbana. A reforma e ampliação de 13 aeroportos estão orçadas em R$ 5,15 bilhões. 

Apenas a expansão do metrô de São Paulo custará R$ 766 milhões. E a Odebrecht está ou estará na maioria desses canteiros de obra. “O estádio talvez não seja um bom negócio para a Odebrecht. Eu diria que é um negócio apenas razoável”, disse à DINHEIRO Luis Paulo Rosenberg. “Há várias obras de infraestrutura no entorno do novo estádio que terão de ser tocadas. E como a Odebrecht já estará lá, melhor para ela”, complementa.

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O ganho direto da construtora com o projeto do Corinthians não é tão claro. A venda de naming rights, o direito de uso da marca na arena, funciona bem nos Estados Unidos e na Europa, mas não muito bem no Brasil. 

O estádio do Bayern de Munique, com sua forma de pneu, ficou mundialmente conhecido por sediar jogos da Copa da Alemanha. E é chamado por todo o mundo de Allianz Arena, pois a seguradora alemã paga 6 milhões de euros anuais pelo direito de estampar seu nome no estádio por 30 anos. 

O Arsenal, da Inglaterra, receberá US$ 400 milhões da companhia aérea Emirates, que comprou o direito de estampar a marca no seu estádio por 15 anos. No Brasil, porém, a história é outra. O único exemplo de naming rights por aqui foi o da empresa de eletroeletrônicos Kyocera que, em 2005 batizou o estádio do Atlético Paranaense de Arena Kyocera. 

O nome nunca pegou porque as emissoras de rádio e tevê que detêm os direitos de transmissão não citam nomes de empresas privadas – além disso, a empresa cometeu o erro estratégico de concentrar a maior parte de suas verbas de marketing no futebol. Há ainda um fator cultural. 

O brasileiro gosta de apelidar os estádios nacionais. Na Bahia, terra da família Odebrecht, ninguém sai de casa para ir ao Estádio Manoel Barradas. Todo mundo vai ao “Barradão”. O mesmo acontece no Rio, onde a torcida diz que vai ao Maraca, e não ao estádio Mario Filho. 

Daí a imaginar que a torcida corintiana vai batizar seu tão sonhado estádio de Fielzão – ou “Lulão”, como já defendem alguns diretores do Corinthians, que concederam a Lula o título de presidente de honra do Timão – é um pulo. É por isso que já se comenta, nos arredores do Parque São Jorge, que uma empresa estatal poderia vir a batizar a arena, que também contará com financiamento integral do BNDES e isenção fiscal.

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O empreendimento também resolveu um dos principais problemas em torno da Copa de 2014. Antes da entrada da Odebrecht no projeto Itaquera, São Paulo, a maior metrópole do País, corria o risco de ficar de fora do Mundial. E como não há interesse político nem econômico para que isso ocorra, diversas autoridades, além do presidente Lula, abraçaram o projeto. 

O governador paulista Alberto Goldman, assim como o prefeito Gilberto Kassab, prometeram acelerar os investimentos do trecho leste do Rodoanel, que passaria a dois quilômetros do estádio, bem como as obras de expansão do metrô. “Não deixaremos passar essas oportunidades”, diz Paschoal, o superintendente da construtora. 

Além disso, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, poderá convencer a Fifa a bancar parte das obras – como fez em estádios da África do Sul. Ao fim e ao cabo, haverá sim um risco para a Odebrecht, mas as circunstâncias podem conspirar a seu favor.

Colaboraram Rosenildo Gomes Ferreira e Rodolfo Borges