25/03/2015 - 18:00
Na virada do ano, o cearense Francisco Deusmar de Queirós, fundador da rede de farmácias Pague Menos, teve de enfrentar a resistência dos seus executivos baseados em São Paulo, enquanto tentava definir um plano de expansão mais ousado para sua empresa. A Pague Menos, atualmente a terceira maior do País em número de lojas e faturamento, abriu 90 unidades em 2014. Deusmar almejava incorporar neste ano, no mínimo, mais 100 endereços à sua rede. Mas o temor dos executivos paulistas em acelerar os negócios, num momento em que a expectativa geral é de uma economia fraca, forçou o empresário a repetir a dose dos últimos 12 meses.
“A meta de fazer o mesmo que no ano passado ficou fácil demais”, alegou Deusmar, que projeta crescimento de 18% neste ano e faturamento de R$ 5,2 bilhões. Realmente, tem parecido fácil. Antes mesmo de terminar o primeiro trimestre, a Pague Menos inaugurou 17 lojas e já iniciou a construção de outras 44, a maioria delas no Nordeste. “A crise ainda não chegou até aqui”, diz o empresário de 67 anos. “Ela está vindo de jegue.” O bom-humor, como manda a cartilha cearense, contrasta com o pessimismo generalizado em outras partes do País, onde as estratégias se baseiam em cortes de custos, demissões e pé no freio.
“Na Pague Menos a ordem é crescer”, afirma. Com a expectativa de superar o número de mil lojas até 2017, a empresa, que nasceu em 1981 na periferia de Fortaleza, se tornou, em 2009, a primeira varejista brasileira a chegar a todos os Estados do País. O feito de Deusmar foi repetido por outro nordestino. Em novembro último, o grupo potiguar Guararapes, dono das lojas de vestuário Riachuelo, fincou bandeira em sua última fronteira, Roraima. O fato de terem sido dois grupos de origem nordestina os primeiros varejistas a conseguirem essa façanha ilustra bem a evolução econômica do Nordeste, que permitiu um avanço das condições de vida da população e o fortalecimento dos negócios de grandes empreendedores locais.
Com isso, uma nova geração de empresários atingiu a casa do bilhão de reais de faturamento e tornou mais ampla e diversificada a lista de fortunas da região (conheça as histórias de alguns deles ao final da reportagem, que incluem representantes dos setores de varejo, educação e construção). Esses empresários se tornaram protagonistas da ascensão do novo Nordeste, leões de uma economia pujante e com gigantesco potencial de expansão. Em comum, eles também fazem parte da primeira ou, no máximo, segunda geração de suas famílias no comando das empresas.
Quem acompanha o noticiário de negócios na última década se acostumou a ler cada vez mais sobre as farmácias da Pague Menos, as massas e biscoitos da M. Dias Branco, as lojas de eletrodomésticos da Máquina de Vendas, os planos de saúde da Hapvida e as faculdades da Ser Educacional. E existe ainda uma outra leva de grandes companhias que construíram impérios voando abaixo dos radares do Sul e Sudeste, como o grupo varejista Mateus, as construtoras Moura Dubeux e Rio Ave, e o grupo Veneza, de concessionárias e venda de máquinas agrícolas e de construção.
“É difícil competir com as multinacionais”, afirma Ilson Mateus, fundador do maranhense Mateus, que possui 56 mercados em quatro estados. “Mas conseguimos fazer isso, graças ao nosso conhecimento do consumidor local.” Afinal, como cantou o poeta, repentista e cordelista cearense Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, um dos maiores expoentes da cultura popular nordestina, “Pra gente cantá o sertão, / Precisa nele morá, / Tê almoço de feijão / E a janta de mugunzá, / Vivê pobre, sem dinheiro, / Trabalhando o dia inteiro, / Socado dentro do mato, / De aprecata currelepe, / Pisando em riba do estrepe, / Brocando a unha-de-gato.” Essa tendência, é claro, não surgiu de forma independente da influência estatal.
Nos últimos 15 anos, a economia local recebeu fortes investimentos governamentais endossados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um filho do sertão pernambucano. Os quatro Estados mais ricos do Nordeste – Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão – estimam que, até 2016, serão investidos US$ 108 bilhões em grandes obras na região. É impossível falar do desenvolvimento local sem mencionar a renovação dos portos de Suape, em Pernambuco; Itaqui, no Maranhão; e Pecém, no Ceará. Somam-se a isso o projeto de transposição do Rio São Francisco, as obras viárias como a Transnordestina – que ligará Pecém a Suape –, e os aeroportos construídos em Fortaleza e Natal, para a Copa do Mundo.
Mesmo que muitos projetos enfrentem denúncias de desvios e a interrupção de obras, como é o caso da Refinaria Abreu e Lima, no litoral sul de Pernambuco, seus efeitos na economia nordestina são inegáveis. “Um projeto como o do Porto de Suape é menor que o do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), mas o impacto que causa na região é muito maior”, diz Alexandre Rands, CEO da consultoria Datamétrica, de Recife. Os investimentos não devem parar. O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) estima que colocará à disposição do mercado R$ 30,8 bilhões em crédito para 2015, um crescimento de 10% sobre o projetado para o ano passado.
Muito da evolução local também deve ser creditada a investimentos privados de companhias forasteiras, como provam a instalação recente na região de fábricas das empresas Fiat, Nestlé, Ambev, Itaipava, Basf, entre tantas outras. Ou mesmo dos parques eólicos no Rio Grande do Norte e Ceará. Isso explica porque, nos cinco anos entre 2009 e 2013, a média de crescimento real do PIB nordestino foi de 3,44%, contra 2,68% do PIB brasileiro. Trata-se de um ritmo que garantiu ao Nordeste a alcunha de “China brasileira”, dada a importância da região na inclusão de novos consumidores e ao seu papel como locomotiva do crescimento do PIB brasileiro.
Atualmente, os nove estados nordestinos contribuem com uma massa de renda de R$ 844 bilhões, dos R$ 4,4 trilhões totais disponíveis nas contas e bolsos dos brasileiros. “O pouco que o Brasil ainda cresce vem de lá”, diz Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto de pesquisas Data Popular. “A demanda reprimida por muitas décadas e o consumo das famílias contempladas por programas como o Bolsa Família, dos quais as pessoas não poderão ser demitidas, permitirão que a região continue crescendo acima da média do Brasil.”
EMPREGOS A região também foi fundamental para o saldo positivo de criação de empregos no ano passado. Em 2014, o País criou 397 mil empregos, o que representou uma alta de 0,98% frente ao ano anterior. Na Bahia, houve alta de 1,23%, com saldo de 22 mil vagas. E o Ceará registrou 47 mil empregos, com expansão de 3,98%. O sinal de alerta, no entanto, acendeu: nos 12 meses terminados em fevereiro, o Nordeste acumulou saldo de 27,5 mil vagas fechadas do total de 47 mil do Brasil. Mas, na toada dos últimos anos, a renda local subiu. O destaque ficou para Recife, a capital do Estado mais beneficiado pela explosão de negócios recentes.
Desde 2004, o rendimento médio do recifense subiu 50%, descontada a inflação, contra 39% da média brasileira. Como se não bastasse, Pernambuco ainda conseguiu remar contra a corrente de uma das grandes preocupações econômicas nacionais: a desindustrialização. A participação da indústria nos negócios do Estado subiu de 22%, em 2010, para 28%, no ano passado. O crescimento da produção física conseguiu até mesmo o feito de crescer 0,1%, no ano passado, quando a queda no Brasil foi de 3,2%. Nenhum setor colaborou mais para isso do que a indústria de alimentação, a mais importante para a economia local.
Ela puxou o crescimento produtivo, com expansão de 7,2% em relação a 2013. E já existem até empresários seriais nesse negócio. O pernambucano Gerson Lucena, que havia vendido, em 2008, a empresa de biscoitos e massas Vitarella para a M. Dias Branco, do cearense Francisco Ivens Dias Branco – por R$ 600 milhões –, cumpriu o tempo do acordo de não competição e já voltou à carga. Em setembro do ano passado, inaugurou a empresa de biscoitos Capricche. O investimento na fábrica, instalada em Moreno, na região metropolitana de Recife, foi de R$ 140 milhões.
“Há duas décadas, quando havia uma crise em São Paulo, era um desastre para o Nordeste e, rapidamente, as pessoas ficavam desempregadas”, afirma Thobias Silva, economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco. O experiente empresário sergipano João Carlos Paes Mendonça, dono do grupo JCPM, é mais cauteloso na euforia. “Foi sempre assim”, diz. “O Sudeste se desacelera antes que o Nordeste, mas, depois a recuperação é mais rápida lá.” Mesmo com os dois pés firmes no chão, Mendonça tem importantes investimentos em curso, que somarão R$ 640 milhões nos próximos dois anos.
Ele, que nos anos 1990 foi dono da terceira maior rede varejista de alimentos do Brasil, o Supermercado Bom Preço, constrói, desde 2007, shopping centers no Nordeste e possui ainda negócios no setor de comunicação. A JCPM mantém um ritmo de lançamento de um empreendimento a cada dois anos. Atualmente, possui 13 shopping centers em carteira. O último foi lançado em outubro, em Fortaleza, mas já há planejado outro para a mesma cidade, para o fim de 2016. Os últimos empreendimentos de Mendonça tiveram importância especial: ajudaram a valorizar regiões de Salvador e Fortaleza, que se transformaram em espaços nobres para lançamentos imobiliários da construtora recifense Moura Dubeux e até mesmo do rei dos biscoitos Dias Branco.
“Ainda dá para contar nos dedos os grandes grupos nordestinos”, diz Paes Mendonça. “Mas o pessoal está estudando e temos muitos empresários bons por aí.” A própria fronteira da educação já criou, pelo menos, um grupo bilionário na região, que soube explorar exatamente essa que é uma das maiores deficiências locais: o nível de escolaridade da população. Trata-se da recifense Ser Educacional, grupo com apenas 12 anos de existência. Criado pelo paraibano Janguiê Diniz, com a ajuda de seu irmão Janyo, o CEO do grupo, ele já está presente em 11 Estados.
“A média de nordestinos da faixa etária entre 18 e 24 anos que cursam o ensino superior ainda está 40% abaixo da média nacional”, afirma Janyo Diniz. “Temos possibilidade de melhorar muito, e com isso aprimorar a formação do trabalhador da região.” Este é, de fato, um grande gargalo, que, se for resolvido, trará benefícios imensos. Segundo um estudo da consultoria Datamétrica, desde 1939, o PIB per capta nordestino variou entre 46% e 50% da média nacional. Agora, nos próximos 10 anos, ele deve se aproximar de 55%. “Mas ainda existe um teto estrutural, de 66% do PIB per capta nacional, que não conseguiremos ultrapassar por pelo menos uma geração”, diz Rands, CEO da consultoria.
“Este é o equilíbrio, dadas as condições atuais. Vamos precisar de uma ou duas gerações melhor educadas para superar esse teto.” Só assim a região que responde por 27,7% da população brasileira, mas por 13,4% do PIB, poderá reparar as suas distorções históricas. E, com isso, também poderá criar mais alguns grandes grupos empresariais bilionários no percurso. É como diz o cordel “Nos Caminhos da Educação”, de Moreira de Acopiara: “E nós agora vivemos / Num mundo globalizado / Onde todo ser humano / Deve ser bem informado. / Mas antes disso é preciso / Que seja alfabetizado.”
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Pague Menos:
Em 2009, a rede de farmácias Pague Menos se tornou a primeira empresa do varejo brasileiro a abrir lojas em todos os estados do País. Mas, logo, essa não será a única marca histórica alcançada pela rede que surgiu em 1981, com uma farmácia inaugurada no bairro de Éllery, no subúrbio de Fortaleza, e que pretende faturar R$ 5,2 bilhões, neste ano. O fundador, Francisco Deusmar de Queirós, que angariou fundos por uma década no mercado financeiro antes de abrir a rede, tem planos de superar a marca de mil lojas até 2017. Atualmente, são 755 unidades em operação. O ousado empresário já estuda até a chegada da Pague Menos ao mercado dos EUA. “Mas isso vai ficar para depois do IPO”, afirma.
Rio Ave:
Quando o grupo hoteleiro americano Marriott escolheu o Recife para montar a milésima unidade e a primeira no Brasil de sua marca Courtyard, de hotéis para viajantes de negócios, a parceira selecionada foi a construtora local Rio Ave. Fundada nos anos 1950 pelo imigrante português Alberto Ferreira da Costa – atual gestor do Real Hospital Português de Beneficência –, e agora tocada por seus dois filhos, a empresa cresceu no negócio de imóveis residenciais e nunca havia construído um hotel. “O conhecimento local fez a diferença”, diz Alberto Ferreira da Costa Filho, chamado de Beto, nos círculos empresariais de Recife. A companhia é dona do Rio Ave Corporate Center, o maior complexo de prédios empresariais do Nordeste, que ganhará a sua sexta torre neste ano. O projeto do hotel Courtyard, lançado no início de março, será só o ponto de partida da parceria internacional. A Rio Ave desenvolve mais dois hotéis Marriott na cidade, incluindo um cinco estrelas.
Grupo Veneza:
Em fevereiro, começou a operar a nova sede da Veneza Equipamentos, a meio caminho dos 13 quilômetros que separam o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, de uma das fábricas da empresa americana de máquinas agrícolas e de construção John Deere no País, em Indaiatuba (SP). A dona do prédio não é uma companhia paulista. Trata-se de um dos braços do grupo pernambucano Veneza, do empresário José Marcos Melo. Criado no começo dos anos 1980, o conglomerado tem concessionárias de automóveis de diversas marcas e de ônibus e caminhões Volkswagen. A Veneza Equipamentos faz a distribuição de máquinas da John Deere, no Nordeste e em São Paulo. “Temos potencial de fazer 40% das vendas da John Deere no Brasil”, diz Marcelo Traldi, diretor da Veneza Equipamentos.
Grupo Mateus:
O maranhense Ilson Mateus passou a semana do dia 16 viajando pelo Nordeste para a abertura de duas lojas de seu grupo varejista, o Mateus, que já é uma das maiores redes de mercados do País, com 56 unidades e um faturamento de R$ 4,8 bilhões projetado para este ano. Antes de ser um magnata do varejo, Mateus já cruzava o sertão, tentando o sucesso financeiro. Foi, sem sorte, garimpeiro em Serra Pelada, no Pará, antes de se estabelecer na pequena Balsas, a 833 km de São Luís. Foi lá que abriu em 1986 a primeira unidade de seu grupo. “Peguei carona na onda da soja, dos anos 1980”, diz. Neste ano, investirá R$ 300 milhões para abrir, pelo menos, mais
oito unidades.
Ser Educacional:
O grupo pernambucano Ser Educacional, fundado pelo paraibano José Janguiê Diniz, é o atual detentor do título de Empresa do Ano do prêmio As Melhores do Middle Market da Dinheiro. Criado em 2003 já é um dos sete maiores grupos de ensino superior do Brasil. Depois da captação de R$ 620 milhões com a abertura de capital na Bovespa, em 2013, a empresa já comprou cinco instituições de ensino, donas de 10 faculdades. “Vamos manter o ritmo”, diz Janyo Diniz, CEO do grupo e irmão de Janguiê. Segundo ele, nem a diminuição de recursos prevista pelo governo federal para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que causou a baixa do valor das ações da empresa, preocupa. “Temos uma situação de caixa bem confortável”, afirma.
Moura Dubeux:
Pelos últimos quatro anos, Gustavo Dubeux dividiu seu tempo na construtora Moura Dubeux, fundada por seu pai, com a gestão do clube de futebol Sport Recife, do qual foi presidente. Neste ano, não haverá tempo para distrações. “Agora estou 200% dedicado à empresa”, exagera. Há motivos para isso. A companhia, que surgiu em 1983 como incorporadora de prédios de luxo em Recife, agora atua em cinco estados e possui divisões voltadas a desenvolvimento urbano e até a residências de baixa renda, financiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, em parceria com a mineira MRV. A meta de vendas deste ano é de R$ 935 milhões, uma alta de 16%, em comparação com 2014. “Nos beneficiamos da saída das construtoras do Sudeste que tentaram, nos últimos anos, explorar o mercado nordestino e não tiveram
sucesso”, diz.