13/08/2003 - 7:00
Começou na semana passada a temporada de balanços dos bancos. Com ela, mais uma vez, constatou-se que nesses tempos difíceis existe um setor feliz na economia brasileira. Divulgadas as contas semestrais de seis instituições, emergiram ganhos maiúsculos ? acima de um bilhão de reais, no caso de Bradesco e Itaú ?, crescimento de lucros que chegam a superar 40% e rentabilidade média de 25,4% sobre o patrimônio. São números magníficos, incomparáveis com o que se passa na indústria, mas que exibem um problema. Ele se encontra no item do balanço que registra operações de crédito. Descontada a inflação e a compra de outras casas bancárias, revela-se que houve encolhimento da carteira de crédito dos bancos. O Bradesco, maior dos brasileiros, emprestou no último semestre os mesmos R$ 53 bilhões que havia emprestado no primeiro semestre de 2002 .Como o resto da banca não fez diferente, resulta que o crédito encolheu. Sumiu no momento em que o País vasculha o horizonte em busca dos primeiros sinais de crescimento. Por que isso?
?Faltam tomadores de crédito qualificados?, resume o economista Joaquim Elói de Toledo, diretor de Crédito da Nossa Caixa, de São Paulo. As taxas de juros estão tão elevadas (paga-se 28 % ao ano pelo capital de giro) que as empresas que precisam recorrer aos bancos são as que têm menos condições de honrar seus compromissos. Isso leva ao aumento da inadimplência (que está em 2,5% nas carteiras de empréstimos) e à retração dos bancos, que temem fazer maus negócios. Mas isso é apenas parte da explicação para a escassez de dinheiro na praça. A outra, mais grave e mais antiga, expressa-se em uma estatística divulgada dias atrás pelo economista Marcio Pochmann, secretário de Trabalho do município de São Paulo. Em um trabalho sobre o ?ciclo de financeirização? da vida econômica brasileira, que já leva 20 anos, ele mostra que a parcela dos empréstimos no produto nacional vem caindo dramaticamente, e encontra-se agora em 24,7% do PIB ? contra 86% no Chile, 64% nos Estados Unidos e 164% na Alemanha. ?Nos últimos anos o volume de crédito para o setor privado encolheu, já que as aplicações financeiras se mostraram mais rentáveis e têm risco próximo do zero?, escreve Pochmann.
Uma outra forma de narrar essa situação é a partir do crescimento do Estado na economia bancária. Com o crescimento brutal da dívida pública nos anos 90, acompanhada da elevação exponencial das taxas de juros reais, os bancos passaram a concentrar suas atividades em financiar o governo. 66% dos seus ativos estão em títulos públicos e apenas 29% em operações de crédito. Essa divisão fez milagres pela rentabilidade da banca, que saiu de 10,6% em 1994 para os atuais 24,5%, contra 7% de rentabilidade das 60 maiores empresas de capital aberto. Ao mesmo tempo, essa opção preferencial pelo Estado inflacionou o preço do crédito para o setor privado, sufocando-o. No primeiro semestre desde ano, por exemplo, o governo pagou R$ 74 bilhões em juros e as projeções indicam que a conta no final do ano chegará a R$ 150 bilhões, equivalente a 8% do PIB. Como se não bastasse agir como concorrente, oferecendo uma rentabilidade imbatível e segura, o governo atua contra a liquidez também como regulador. Hoje, há R$ 120 bilhões guardados no Banco Central a título de depósito compulsório, que tem a finalidade de combater a inflação retirando dinheiro de circulação. O compulsório era de 45% dos depósitos no começo do ano e está em 68%. ?Se o compulsório voltar a 45% haverá uma redução imediata das taxas de juros?, afirma Marcio Cypriano, presidente do Bradesco.
Talvez não seja assim tão simples. A associação dos executivos de finanças calcula que cada 10 pontos porcentuais de redução do compulsório equivalem a R$ 20 bilhões a mais na economia. ?Isso se os bancos destinaram todo o dinheiro ao crédito, o que é muito difícil?, pondera Miguel de Oliveira, presidente da associação. ?A tendência dos bancos é alocar o dinheiro em mais títulos do governo.? Logo, há um consenso no mercado de que a queda do compulsório tem de ser acompanhada pela redução da Selic. Isso estimularia os bancos a voltar-se ao setor privado em busca de melhor remuneração. Oliveira calcula que uma vez que a Selic caia abaixo de 15% começa a ser mais vantajoso correr risco no crédito privado do que ficar na papelada do governo. Eis aí uma outra razão ? mais uma ? para que o Copom reduza acentuadamente a taxa básica de juros. O País precisa volta a crescer e não conseguirá fazê-lo sem que os bancos voltem a cumprir sua função econômica ? emprestar dinheiro para os empreendedores privados.