DINHEIRO – Por que o sr. costuma dizer que a sustentabilidade é subversiva?
FERNANDO ALMEIDA
– Porque precisamos subverter a ordem dos atuais modelos de negócios para provocarmos as mudanças radicais, pacíficas e urgentes de que a humanidade necessita para continuar a viver neste planeta. Grande parte da comunidade científica já concluiu que o atual modelo de crescimento econômico global é insustentável, está provocando a falência dos serviços ambientais e o esgarçamento do tecido social, com o aumento da pobreza, da violência, do terrorismo.

DINHEIRO – E como mudar esse cenário?
ALMEIDA
Tem que ser por meio de uma ruptura urgente e planejada. Cabe às lideranças da sociedade tentar evitar que esse rompimento com o atual status quo não ocorra de maneira incontrolável, na forma de cataclismos ambientais, como a escassez global de água e a elevação do nível dos oceanos, e/ou graves crises sociais, como a migração de milhões de famintos.

DINHEIRO – Com o que devemos romper?
ALMEIDA
Para sobrevivermos fisicamente, economicamente e como sociedade, temos de entender que a ruptura está nos relacionamentos, no modo de operar, de pensar, nos modelos de negócios, e não apenas em uma revolução tecnológica. Aceitar que os recursos naturais têm que ser perenizados, porque a falência dos ecossistemas planetários é a falência dos negócios. Fazer negócios com os pobres e miseráveis do mundo, saindo da zona de conforto de só produzir para quem já está no mercado. Entender que comportamentos éticos trazem ganho econômico, e não prejuízo.

DINHEIRO – O que nos garante realmente que o atual modelo de crescimento econômico é insustentável?
ALMEIDA
O trabalho mais denso e sério realizado até hoje foi a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (AEM), encomendada pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e da qual eu participei. O estudo envolveu 1.360 especialistas de 95 países e esses dados foram revisados por outros 800 cientistas. Foram listados os 24 serviços ambientais considerados essenciais para a nossa vida, entre eles a água e o ar limpos, a regulação do clima e a produção de alimentos, fibras e energia. Desses 24 serviços ambientais vitais, 15 estão desaparecendo ou perdendo gradativamente a função. Revela-se, assim, que está se esgotando a capacidade do planeta de continuar a prover os recursos básicos, tanto para o setor privado, produtor de bens e serviços, quanto para a sociedade. A atividade pesqueira, por exemplo, no modelo atual se inviabiliza em 2040.

DINHEIRO – Em resumo, vai faltar água, comida, energia?
ALMEIDA
Na verdade, já falta. Em muitas regiões do planeta há carência de diversos recursos naturais e o que se projeta é que esse desequilíbrio vai se acentuar. Mesmo no Brasil, que possui 12% da água doce do planeta, há um colapso de muitas bacias, a ponto de já vivenciarmos secas nos Estados do Sul. A distribuição dos recursos é desigual no planeta e vai afetar inclusive aqueles que hoje se julgam livres de qualquer ameaça.

DINHEIRO – A crise ambiental ganhou a mídia com os furacões no Golfo do México e o aquecimento global.
ALMEIDA –
Mas a questão não se resume aos fenômenos ambientais. Os sinais da crise social são claros. Estão visíveis nas tensões provocadas pela imigração na Europa, que resultaram em distúrbios e destruição nas ruas de Paris e de outras cidades francesas; no terror que contrapõe os países desenvolvidos e o mundo islâmico; e no terror que volta e meia sitia nossas metrópoles, como São Paulo e Rio.

DINHEIRO – Mas esse não é um alerta recorrente dos cientistas? Qual a diferença dos anteriores?
ALMEIDA
É o senso de urgência e o grau de certeza. Antes, falava na herança que iríamos deixar para os nossos netos, hoje tenho certeza de que vou estar aqui para ver os desdobramentos desse colapso. Realmente, essas questões são tratadas há mais de 20 anos. O Relatório Brundtland, publicado em 1987, conceituou e disseminou o conceito de desenvolvimento sustentável. A Rio 92, há 15 anos, apontou para a necessidade de mudanças. Mas avançamos muito pouco ou mais devagar do que os efeitos nocivos do atual modelo de desenvolvimento. O Conselho Diretor da Avaliação Ecossistêmica do Milênio indicou, por exemplo, que não vamos alcançar em 2015 os Objetivos do Milênio traçados pela ONU. Ou seja, continuaremos a conviver com altos índices de mortalidade infantil, com desigualdade social, com a fome e a miséria, com a falta de educação básica de qualidade, etc.

DINHEIRO – E por que esses indicadores não mudam, se cada vez mais as empresas investem em projetos sociais e ambientais?
ALMEIDA
Por dez anos eu acreditei que a adoção de práticas de melhoria contínua, como a ecoeficiência e a responsabilidade social corporativa, estabeleceria bases sólidas para sairmos desse impasse. Hoje sei que essas ferramentas são importantes, mas não bastam. São remédios de ação lenta em comparação com a velocidade da degradação ambiental e social. Se os demais países adotarem o padrão de consumo dos Estados Unidos, precisaremos de dois planetas e meio para suprir os recursos naturais necessários. E não dispomos de outro planeta Terra para explorar.

DINHEIRO – E por que esses indicadores não mudam, se cada vez mais as empresas investem em projetos sociais e ambientais?
ALMEIDAPor dez anos eu acreditei que a adoção de práticas de melhoria contínua, como a ecoeficiência e a responsabilidade social corporativa, estabeleceria bases sólidas para sairmos desse impasse. Hoje sei que essas ferramentas são importantes, mas não bastam. São remédios de ação lenta em comparação com a velocidade da degradação ambiental e social. Se os demais países adotarem o padrão de consumo dos Estados Unidos, precisaremos de dois planetas e meio para suprir os recursos naturais necessários. E não dispomos de outro planeta Terra para explorar.

DINHEIRO – Se os cientistas já concordam e a mídia tem dado espaço para o tema, o que falta mudar?
ALMEIDAVivemos em um mundo tripolar, que exige a participação integrada dos setores público, privado e da sociedade civil. É essa combinação de esforços diante de um projeto comum que vai transformar nossa realidade. E não acredito que tenhamos a visão básica nem o entendimento necessário entre essas partes para iniciar a mudança. Governos, empresas e organizações civis muitas vezes concordam na essência, mas não conseguem falar a mesma língua. Nosso trabalho à frente do CEBDS é justamente articular o entendimento entre esses três atores.

DINHEIRO – Faltam lideranças esclarecidas?
ALMEIDAÉ claro que temos algumas boas cabeças, mas não vejo hoje, na minha geração, massa crítica de líderes atuantes no setor público ou privado, no Brasil ou no Exterior, que possam formular e implementar políticas governamentais ou modelos de negócio e ao mesmo tempo aglutinar forças para a revisão e alteração dos padrões de desenvolvimento. Por isso, considero que o tema liderança para um desenvolvimento sustentável é, de longe, o mais urgente.

DINHEIRO – O ex-vice-presidente Al Gore não seria hoje essa liderança?
ALMEIDAEle contribuiu para dar visibilidade à questão do aquecimento global. Mas essa contribuição teria sido mais efetiva se tivesse acontecido no período em que esteve no governo. Na verdade, não temos hoje no mundo um líder que seja referência para a sustentabilidade, como foram Mahatma Gandhi para a não-violência e Martin Luther King para os direitos civis dos negros. Não temos um estadista, de influência e credibilidade global, para o drama da sobrevivência no século XXI.

DINHEIRO – Essas lideranças têm de ser políticas?
ALMEIDANão apenas, mas também. Afinal, muitas das discussões se darão em fóruns globais nos quais os políticos, como parte integrante desse mundo tripolar, terão um papel importante. Mas defendo o surgimento do estadista corporativo. É estadista porque é a figura com a visão e a capacidade para operar as mudanças profundas. E é corporativo no sentido amplo que atribuo à palavra corporação: conjunto de pessoas com afinidade profissional ou de idéias, que se reúnem para atingir um objetivo comum. Os estadistas corporativos poderão estar atuando no setor privado, no setor público ou em organizações da sociedade civil.

DINHEIRO – Que peso pode ser dado às empresas nesse processo?
ALMEIDAAcredito que só o setor privado tem a disciplina e os recursos para liderar a transformação com a urgência necessária. Por isso, optei por discutir em meu livro a formação de líderes e futuros estadistas para atuação nas empresas. Temos grandes exemplos de executivos no Brasil que têm conseguido integrar a visão de sustentabilidade à estratégia dos negócios e começam a quebrar os paradigmas de atuação em seus segmentos. Influenciam concorrentes, a cadeia de fornecedores e estabelecem novos padrões de relacionamento com clientes e consumidores.

DINHEIRO – Quais executivos brasileiros exemplificam esse estadista corporativo?
ALMEIDANa minha posição de presidente de um conselho empresarial é difícil destacar nomes, mas é importante ressaltar que esses estadistas têm de estar nas três frentes desse mundo tripolar. Por isso, o livro possui três prefácios, assinados por José Armando de Campos, ex-chairman do CEBDS e atual presidente da Arcelor Brasil, Jonathan Lash, presidente do World Resources Institute, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. São líderes que promovem a visão de sustentabilidade no setor privado, entre organizações civis e no governo.

DINHEIRO – Como o sr. definiria esse padrão de negócios sustentáveis?
ALMEIDAA rede do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável criou a expressão “sobrevivência sustentável”. Significa “negócios com inclusão econômica e social na base da pirâmide, de forma a beneficiar simultaneamente a comunidade pobre e a empresa envolvida, gerindo de forma sustentável os recursos naturais”. Trata-se, na verdade, de um conjunto de propostas para lidar de forma articulada e integrada com as questões da sobrevivência dos negócios, das sociedades humanas e, por extensão, do próprio planeta. Esse novo padrão de atuação, já adotado por corporações com presença no Brasil, exige foco na inovação, não apenas tecnológica, mas também das relações, prestação de contas, diálogo com as múltiplas partes envolvidas e, portanto, transparência.

DINHEIRO – Mas como pensar no futuro, se a cobrança dos investidores é sobre os resultados do trimestre?
ALMEIDAEsse é um padrão que realmente coloca os gestores contra a parede, mas que começa a mudar. As Bolsas de Valores de Nova York, Londres e São Paulo já criaram, por exemplo, índices de sustentabilidade, que selecionam as empresas com melhores condições estruturais de ter uma atuação equilibrada. E a valorização dos papéis das empresas que fazem parte desses índices já revela aos acionistas que a sustentabilidade dá resultado financeiro. Além do mais, acredito que já começamos a agir para termos o próximo trimestre, semestre, ano, década e milênio .