04/02/2010 - 10:49
DINHEIRO ? Por que a sua perspectiva é mais cautelosa em relação ao desempenho dos mercados financeiros neste ano?
ROBERTO PADOVANI ? Embora para a economia global, inclusive a brasileira, o cenário seja muito positivo, esse ambiente não poderá ser traduzido em tranquilidade nos mercados financeiros. Vamos ter turbulência durante a maior parte de 2010 no Brasil e no Exterior. Primeiro porque, ainda que haja um crescimento global, essa expansão ? principalmente nos Estados Unidos, na Europa e no Japão ? vai ser menor que a prevista, gerando frustração.
DINHEIRO ? O maior problema no Exterior, principalmente nos Estados Unidos, é o desemprego?
PADOVANI ? A retomada do emprego nos Estados Unidos não vai acontecer com a força necessária para fazer com que a renda se recupere. Além disso, a capacidade de concessão de empréstimos dos bancos ainda é muito pequena. Sem renda e sem crédito, a economia segue muito dependente de políticas públicas e aí vem o terceiro problema. A situação fiscal na Europa, nos Estados Unidos e no Japão sugere cautela em relação aos incentivos econômicos. Eles terão que ser retirados, em particular o monetário. O juro básico americano está próximo de zero e terá que ser elevado em meados do ano, mais um motivo de pressão nos mercados.
DINHEIRO ? Haveria alta de juros mesmo com a economia americana ainda enfraquecida?
PADOVANI ? Essa alta não seria reflexo de uma economia forte. Pelo contrário. Ben Bernanke (presidente do banco central americano) já demonstrou a preocupação de que o excesso de liquidez por juros tão baixos gere bolhas nos mercados financeiros ? nos preços das commodities e outros ativos. Seria, portanto, uma atuação preventiva da autoridade monetária. A expectativa é de que, com um aumento de juros nos Estados Unidos ? que devem sair de zero para algo perto de 1,5% ao ano ?, os investidores reduzam aplicações nos ativos de mais risco, principalmente de países emergentes, e voltem para títulos do Tesouro americano.
DINHEIRO ? Um crescimento mais expressivo da economia global deve começar a ser observado quando?
PADOVANI ? Devemos alcançar o PIB potencial no mundo no final de 2011 e em 2012, o que significa que o mundo estará crescendo ao maior ritmo possível.
DINHEIRO ? E essa taxa de crescimento potencial seria de quanto?
PADOVANI ? Para o PIB global, ao redor de 3% ao ano. De qualquer forma, a percepção positiva é que a economia deixou a recessão para trás e está numa trajetória sustentável de crescimento.
DINHEIRO ? A provável retomada do interesse dos investidores pelos títulos americanos impulsiona o dólar no curto prazo em relação a outras moedas?
PADOVANI ? Esse reposicionamento global dos investimentos novamente em direção aos Estados Unidos vai fazer com que o dólar, que vinha se enfraquecendo no mercado internacional, ganhe força temporariamente. Isso resulta numa mudança de valor de moeda no mundo todo, inclusive no Brasil.
DINHEIRO ? E internamente? O fato de 2010 ser ano eleitoral é um ponto de pressão no mercado brasileiro?
PADOVANI ? Sim. Acho que não teremos descontinuidade da política econômica no Brasil em 2011; o regime que temos no País há dez anos ? com câmbio flexível, superávit primário e metas de inflação ? deve ser mantido, independentemente de quem seja o vencedor da eleição, porque está socialmente consolidado. Mas, mesmo assim, os investidores do mercado financeiro local sempre vão considerar alguma probabilidade de mudança. As incertezas locais são somadas às variáveis externas, gerando oscilações maiores na bolsa brasileira e na taxa de câmbio.
DINHEIRO ? Nesse cenário, o dólar pode chegar a quanto?
PADOVANI ? Nos próximos meses, a oscilação do dólar no Brasil vai ser muito intensa, com a moeda americana variando entre R$ 1,65 e R$ 1,95. Mas, num prazo mais longo, de um a dois anos, a trajetória global do dólar ainda é para baixo, enquanto a do real é de fortalecimento. O dólar pode, inclusive, fechar 2010 abaixo de R$ 1,75. O segredo para compreender o mercado financeiro este ano vai ser a noção de que não haverá uma tendência predominante, seja boa, seja ruim. As fortes oscilações serão constantes, o que vai exigir atenção e paciência dos investidores.
DINHEIRO ? Na sua opinião, haverá instabilidade também na bolsa doméstica. Mas as ações seguem como bom negócio?
PADOVANI ? A perspectiva para a bolsa é positiva no fim das contas. O Ibovespa pode chegar ao fim do ano em 85 mil pontos. Tanto o comportamento do mercado consumidor local quanto a demanda internacional por commodities, puxada pela China, devem ser favoráveis ao desempenho do mercado acionário brasileiro. E esses são os fatores que mais pesam. Mas o que também deve acontecer com as ações é uma oscilação forte de preços durante esse processo de valorização.
DINHEIRO ? Ainda no cenário doméstico, o sr. espera aumento de juro este ano? A partir de quando?
PADOVANI ? Acredito que começaremos um processo de aperto monetário em abril. Aliás, o termo correto não seria aperto: trata-se da retirada do impulso monetário dado pelo Banco Central durante a crise, o que levaria a Selic para algo como 10,25% ao ano no fim de 2010. A taxa atual de 8,75% ao ano reflete uma economia doméstica absolutamente fraca e, portanto, o juro deve ser realinhado diante da volta da economia ao seu potencial. A indústria deve crescer 12% este ano, depois de ter encolhido 9% em 2009. O PIB deve ter expansão perto de 6% em 2010, a maior da América Latina.
DINHEIRO ? A inflação ainda não volta a preocupar?
PADOVANI ? Não há uma pressão inflacionária aberta. A inflação no Brasil, diferentemente da de outros países, oscila de modo mais suave. Cerca de um terço dela vem do passado e se arrasta para o futuro e, em 2009, a inflação foi baixa, o que deve ter impacto favorável sobre os preços em 2010. No longo prazo, vejo queda contínua da Selic, diante do aumento da produtividade no País.
DINHEIRO ? A taxa de juros em um dígito é sustentável?
PADOVANI ? Olhando os fatores de longo prazo, todos indicam taxa de um dígito: aumento de produtividade, investimentos maiores, grandes fluxos de recursos externos para o mercado doméstico, o que mantém a taxa de câmbio favorável do ponto de vista da inflação.
DINHEIRO ? O sr. aponta algum entrave nesse cenário?
PADOVANI ? Um deles é a política fiscal, que poderia contribuir mais para cortes mais rápidos dos juros. Além disso, as despesas do setor público são muito elevadas, o que exige que o Banco Central seja mais cauteloso. E o entrave maior ao desenvolvimento econômico é a falta de marco regulatório em setores importantes ? como logística, infraestrutura e educação ? , o que limita o interesse dos investidores privados.
DINHEIRO ? A realização da Copa e da Olimpíada no Brasil pode incentivar a melhora dessa regulação?
PADOVANI ? A avaliação que eu vinha fazendo era de que esses eventos, principalmente a Copa do Mundo, por serem muito populares, acabariam deixando mais explícitos os problemas de infraestrutura do País e contaminando a agenda política. Mas, nos últimos meses, tenho estado mais preocupado porque, apesar de esses eventos já estarem próximos, a postura em relação à atração de investimentos é muito ruim. O caso mais claro se refere aos aeroportos. Os projetos de concessão foram abandonados e a ideia é de que apenas o governo siga investindo, ainda que seja notório que isso não é suficiente para resolver o problema.
DINHEIRO ? O sr. acredita que as eleições de 2010 possam trazer mudanças nesse sentido?
PADOVANI ? Creio que sim, porque, até agora, o modelo que tem sido desenhado é aquele em que o Estado é o principal investidor para desenvolver o País e não há recursos suficientes para eliminar todos os gargalos. A visão estatizante preocupa. O Brasil precisa do investimento privado e, portanto, precisa de um ambiente regulatório adequado.
DINHEIRO ? Mas existe tempo hábil para que os gargalos no transporte, por exemplo, sejam eliminados para esses grandes eventos esportivos?
PADOVANI ? Quanto mais tempo se perde, mais a situação se agrava. O trem-bala, por exemplo, não vai mais ficar pronto para a Copa do Mundo. A falta de regras claras restringe o investimento privado, limitando o crescimento potencial do Brasil. Por isso a trajetória de queda do juro básico aqui não é tão rápida. Poderíamos ter taxas mais próximas às de outros países da América Latina, mas, considerando o cenário atual, não teremos. O Brasil deveria estar desenhando uma agenda política focada em infraestrutura e no crescimento de longo prazo.