DINHEIRO ? O que mudou no mercado financeiro depois da primeira condenação por informação privilegiada no País?
Rodrigo de Grandis ? Essa condenação foi um marco, uma sentença por um crime que jamais havia motivado uma ação penal. É um crime relativamente novo, introduzido no Brasil em 2001. Além disso, a sentença condenatória é muito boa, está bem alicerçada em provas no processo. Ela passou uma mensagem ao mercado de que efetivamente a prática da informação privilegiada, além de ser uma infração para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), é um crime que enseja uma ação penal e uma condenação criminal. Aquela ideia de que pode ser praticada e nada vai acontecer ficou afastada diante do caso Sadia-Perdigão. Foi um caso emblemático no mercado de capitais, envolvendo as duas maiores empresas de um setor e dois manifestos insiders: o diretor de relações com investidores da Sadia, Luiz Murat, e o conselheiro Romano Ancelmo Fontana Filho. Também foi importante determinar que a competência, nesses casos, é da Justiça Federal.

 

 

DINHEIRO ? No caso da Sadia, foi a Securities and Exchange Commission (SEC) americana que identificou as compras de ações e buscou provas. A CVM tem condições de conduzir processos tão contundentes quanto esse no Brasil? 

De Grandis ? A intervenção da SEC foi fundamental, porque foi a comunicação rápida entre a SEC e a CVM que permitiu descobrir quem estava comprando os ADRs da Perdigão, nos Estados Unidos. Toda a documentação das contas bancárias e das movimentações de compra veio aos autos por intermédio da SEC. Não dá para comparar o trabalho da CVM com o da SEC. A SEC é muito maior, tem muito mais gente, etc. Mas eu vejo uma evolução palpável, muito clara, da CVM  em matéria de atividade preventiva e de auxílio na repressão. A CVM tem tido uma conversa muito fluida com o Ministério Público Federal e com a Polícia Federal, o que é fundamental para a investigação e punição.

 

 

 

DINHEIRO ? A qualidade dos processos administrativos melhorou? 

De Grandis ? Melhorou muito. No passado, víamos, não só na CVM, mas também no Banco Central e na Receita Federal, uma preocupação apenas com a punição administrativa. O auditor fiscal não pensava que aquela autuação poderia gerar uma ação por crime de sonegação fiscal, por exemplo. Hoje, me parece que esses órgãos de fiscalização, BC, Receita e CVM, já têm essa percepção de que a investigação de um fato potencialmente criminoso pode chegar às mãos do Ministério Público.

 

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Luiz Murat, ex-diretor da Sadia, condenado à prisão por uso de informação privilegiada

 

DINHEIRO ? Como está a segunda ação penal por informação privilegiada, ligada à compra de ações da Randon por executivos do grupo gaúcho antes do anúncio de um acordo com uma multinacional? 

De Grandis ? Para dois dos acusados, que têm mais de 70 anos, o benefício do tempo de prescrição pela metade extinguiu a punibilidade. Para os outros quatro, Alexandre Randon, Astor Schmitt, Erino Tonon e Daniel Randon, o Ministério Público está oferecendo a suspensão condicional do processo, obedecendo a exigências legais. Esse é um benefício que a lei estabelece para crimes cuja pena mínima seja igual ou inferior a um ano. Eles poderão cumprir algumas condições, como comparecer a cada dois meses em juízo e prestar serviços à comunidade, ou fazer uma prestação pecuniária à CVM em valores diferentes para cada acusado, que vão de R$ 1 mil a R$ 25 mil, dependendo da quantidade de ações negociadas.

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. espera mais punições a insiders no mercado brasileiro? 

De Grandis ? Estamos num viés de alta das investigações sobre casos de informação privilegiada. Eu noto isso, o número de investigações tem aumentado. Se vão ou não ensejar ações penais, é outra história. Só comigo há quatro procedimentos que tratam de informação privilegiada e manipulação de mercado.

 

 

 

DINHEIRO ? Por que é tão diferente a punição para crimes financeiros no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo? 

De Grandis ? É uma questão de sistema legal. Nos Estados Unidos, presume-se que o réu seja culpado a partir de uma sentença condenatória de um juiz de primeira instância. Aqui é o contrário, a Constituição diz que nenhum réu é culpado até que se esgotem os recursos. Por isso, o médico de Michael Jackson, sentenciado a quatro anos por homicídio culposo, saiu algemado do tribunal. Já começaram a cumprir pena o insider Raj Rajaratnam, da Galleon, condenado a 11 anos, e Bernard Madoff, que recebeu uma condenação gigantesca.

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. ficou frustrado com a anulação das provas da Operação Satiagraha pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) devido à participação da Agência Brasileira de Inteligência  (Abin)? 

De Grandis ? É frustrante. Acho que foram tomadas nesse caso decisões superficiais, o STJ se deixou levar pelo calor do debate e não pela discussão jurídica que existia. Sobre a participação da Abin na operação, na própria jurisprudência do STJ alguns dos ministros que votaram a favor da nulidade já haviam demonstrado que a participação de outros órgãos numa investigação não é algo que acarreta perplexidade. A Abin já participou de outras investigações. Lembro quando furtaram os notebooks da Petrobras. A primeira providência adotada foi chamar a Polícia Federal e a Abin. E a Abin teve uma participação secundária. Ela auxiliou na seleção dos áudios; quem presidia o inquérito era um delegado de polícia. E o STJ passou por cima disso tudo, preferiu analisar a questão sob o ponto de vista de nulidade. Os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz foram vencidos. O ministro Dipp, que é o maior especialista em lavagem de dinheiro no Poder Judiciário brasileiro, foi vencido. 

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. vai recorrer do arquivamento do processo pela 6a Vara Federal depois da decisão do STJ? 

De Grandis ? Houve uma determinação de arquivamento, porque o juiz interpretou que a decisão do STJ acabava com tudo. Na visão do Ministério Público, esta interpretação está equivocada. Eu entrei com um pedido para que o juiz esclareça o alcance da decisão (embargo de declaração), e estou esperando. Se a decisão for mesmo pelo arquivamento, certamente irei recorrer. A decisão do STJ atinge alguns procedimentos: a ação de corrupção contra o empresário Daniel Dantas inegavelmente foi fulminada. Mas existem dentro da ação penal várias acusações de crime financeiro, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas, que não são vinculadas ao que o STJ entendeu como prova nula, que era o monitoramento telefônico e a interceptação de e-mails. Claro que eu vou sustentar que existe uma parte que está preservada e que deve ser processada, e os advogados vão sustentar que tudo foi demolido.

 

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Bernard Madoff já começou a cumprir a pena de prisão

 

DINHEIRO ? No Brasil existe a impressão de que ninguém com dinheiro vai para a cadeia. Isso é verdade? 

De Grandis ? Eu acho que sim. Quem tem poder econômico no Brasil, obviamente, tem uma boa defesa. E ela se vale de um sistema jurídico insólito, que parece ser feito para não dar certo. Permite-se uma quantidade incomensurável de recursos. O sistema de recursos judiciais no Brasil é uma fonte de impunidade. Sem falar na prescrição penal, que, mais que uma fonte, é uma usina de impunidade. Há, ainda, a questão cultural do crime do colarinho-branco. O cara às vezes até é respeitado como sendo uma pessoa inteligente, que deu um grande golpe. E tem-se a percepção equivocada de que esses crimes não são graves porque não há violência, são crimes sem sangue. O que é uma visão muito equivocada, porque o crime de colarinho-branco é muito mais grave do que um crime de roubo, um crime de furto, um crime de estelionato. Porque esses atingem uma pessoa determinada. O crime de gestão fraudulenta, que o Edemar Cid Ferreira, dono do banco Santos, praticou, atingiu um monte de pessoas, não só os correntistas do banco. Toda a sociedade é violada. No caso do Banco PanAmericano também, o sistema financeiro nacional foi colocado em risco. O problema é que lá no Fórum da Barra Funda, quando o juiz vai fazer a inquirição de alguém por crime de roubo, furto ou estupro, ele vê a vítima, ele olha nos olhos dela. Aqui na Justiça Federal, na vara especializada, salvo em casos raríssimos, o juiz não tem essa percepção, e isso acaba modificando também na hora de sentenciar. Você tem a falsa compreensão de que o crime não é grave. Eu acho que tentar diminuir a impunidade passa também por uma mudança de cultura e de paradigma, em matéria de Judiciário.

 

 

 

DINHEIRO ? Os juízes não reconhecem a gravidade dos crimes? 

De Grandis ? Quando reconhecem, são tachados de justiceiros. Você já cola nesse tipo de magistrado, que é especialista, uma etiqueta de que na verdade ele é diferente. Não estou me referindo ao juiz da 6ª Vara Criminal, doutor Fausto de Sanctis, mas esse tipo de alegação é feito constantemente contra um grande juiz federal que é o Sérgio Moro, da 2ª Vara Criminal de Curitiba. A minha esperança é que esse tipo de cultura chegue à suprema corte, chegue ao STJ.