“O melhor em tudo é a moderação”. Eis como na Odisseia de Homero, por meio das palavras de Menelau, rei de Esparta, aparece formulada, pela primeira vez, uma das noções mais essenciais e importantes da história da humanidade: a da justa medida. Desde então, ao longo dos séculos, essa verdade fundamental vem sendo postulada como referência e meta do ideal de excelência humana, critério de toda virtude e norma da própria justiça. Entretanto, é curioso observar como quanto mais a humanidade, por meio de seus mestres, filósofos e sábios, a propalam e reforçam, mais parecemos esquecer e desprezar essa verdade tão elementar. E assim, a todo momento, nos vemos obrigados a relembrá-la e resgatá-la para enfrentar de forma mais eficaz os desequilíbrios que vivemos em todas as dimensões da existência.

Já faz algum tempo que, a partir da proposição e incorporação dos conceitos de responsabilidade social e sustentabilidade, a noção do papel das empresas na sociedade passou por uma notável transformação, repercutindo naturalmente na concepção de governança dos líderes e gestores dos novos tempos. A visão eminentemente financista e lucrativista de empresa, se ainda não foi totalmente superada, é vista hoje como algo retrógado e até inaceitável, não apenas pela maioria dos acadêmicos, mas por uma boa parte do mercado. No contexto atual, a ideia de que as empresas desempenham uma função que extrapola em muito o simples objetivo do lucro se firmou como algo consensual, impactando inclusive no desempenho financeiro que essas mesmas organizações apresentam, em função da imagem que passam para seus stakeholders e para o mercado de maneira geral. Empresa séria e confiável passou a ser empresa que demonstra não só um bom balanço financeiro, mas também, e principalmente, um sólido comprometimento com os grandes temas sociais e ambientais.

Tal posicionamento, cujo impacto positivo já pode ser constatado em vários âmbitos da nossa realidade, é algo virtuoso e desejável. Entretanto, já não se pode deixar de observar também alguns indícios de uma certa desmedida nas pretensões desse ideal sustentável do universo empresarial. Seguindo a lógica pendular, tão característica dos fenômenos humanos na dinâmica histórica, percebe-se aqui a tendência de uma radicalização na redefinição de objetivos: a empresa, antes simples produto e instrumento da sociedade capitalista, agora se propõe como meio privilegiado e talvez único de reforma e salvação desta mesma sociedade. E assim, começamos a assistir o despontar de uma concepção “messiânica” e “salvacionista” da empresa no contexto da nossa sociedade hipermoderna. O papel que antes era atribuído ao Estado ou às instituições da sociedade civil organizada está sendo, cada vez mais, associado ao mundo corporativo. De repente, as empresas se tornaram as principais responsáveis por sanar e corrigir os graves problemas ambientais, sociais e culturais do planeta: o aquecimento global, as injustiças sociais, raciais e os preconceitos de toda espécie.

É claro que seria um contrassenso absurdo afirmar que tais temas e questões não deveriam constar da pauta de governança das empresas e estar presente em seus objetivos e metas. Porém, não deixa de ser saudável aplicar aqui o critério ancestral da “justa medida”. Será justo afirmar e esperar que a construção de um mundo mais justo e sustentável está, essencialmente, sob responsabilidade das empresas e do mundo corporativo? E, neste contexto, diante dos novos desafios atribuídos à gestão e à governança, seria justo depositar nos líderes e gestores papeis tão amplos e pretensiosos como estes que agora se relacionam às novas responsabilidades corporativas? Será justo esperar do gestor funções de psicólogo, mentor, filósofo, juiz e reformador social? É certo que já não se pode aceitar do novo gestor os atributos do “gerentão” do passado, mas não é igualmente injusto esperar que ele se apresente como super-herói humanista, salvador do mundo, da pátria e da cada liderado em particular? Torna-se urgente trazer o critério da “justa medida” para universo da governança empresarial.