Ao assumir a Presidência como primeiro indígena a governar a Bolívia, Evo Morales não tardou em pôr em prática seu discurso nacionalista. Com 108 dias de mandato, nacionalizou o setor petrolífero do país, estatizando as instalações da Petrobras. Com a anuência do governo brasileiro, coube à estatal se conformar com uma indenização de US$ 112 milhões, pouco mais da metade do valor pedido e um décimo dos investimentos feitos na operação no país vizinho. O prejuízo da Petrobras entra numa conta que tem sido debitada à política externa brasileira com os países da América do Sul. 

 

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Em nome da boa vizinhança: Lula e Morales mantêm uma relação amistosa, apesar de rompimento de contratos na Bolívia

 

Um relatório do Instituto Acende Brasil mostra que, somente no setor de energia, o custo do descumprimento de acordos e mudanças nos contratos por governos vizinhos chegou a R$ 6,7 bilhões nos últimos oito anos. Nos próximos anos, essas medidas terão um impacto ainda maior, calculado entre R$ 9,5 bilhões e R$ 14,8 bilhões.

 

O Acende Brasil analisou grandes projetos de integração energética bilateral do Brasil com a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e a Venezuela. Esses projetos tinham como objetivo aumentar a segurança energética e reduzir o custo de produção de energia. Mas intervenções dos vizinhos, segundo o instituto, têm anulado os benefícios dessas parcerias.

 

“Todo projeto de integração deve ser lastreado por contratos e normas absolutamente sólidos. Mas tratados e acordos têm sido rompidos, gerando consequências e custos sempre do lado brasileiro, com a anuência do governo”, disse à DINHEIRO o presidente do Acende Brasil, Cláudio Sales. 

 

Além da Bolívia, vários casos referem-se ao Tratado de Itaipu, firmado com o Paraguai em 1973. Desde 2003, foram promovidas três alterações no acordo, com impacto direto no valor pago pela energia. 

 

O instituto estima que só o valor referente à correção monetária da dívida paraguaia assumida pelo Brasil custe entre R$ 1 bilhão e R$ 6,3 bilhões até 2023. “O governo tem cedido para os países vizinhos, mas quem paga a conta é o consumidor brasileiro”, critica Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

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A justificativa do governo brasileiro se insere nos preceitos da política externa de boa vizinhança adotada com a América do Sul. Questionada no setor elétrico, ela não é unanimidade nem mesmo entre estudiosos da diplomacia do Itamaraty. 

 

Para José Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília, não há razão para aceitar rupturas de países como Argentina e Venezuela, cujo apagão recente levou à suspensão do fornecimento de energia para Roraima. “No caso do país que tem renda per capita similar, o cumprimento do contrato deveria ser rigoroso”, diz ele. ‘