17/10/2014 - 20:00
No filme O jardineiro fiel, dirigido pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles, o ator Ralph Fiennes interpreta um diplomata britânico, lotado em Nairóbi, no Quênia, que empreende uma jornada pelo país para entender as razões do assassinato de sua esposa, Teresa (Rachel Weisz), uma ativista de direitos humanos. A investigação joga luz sobre uma conspiração internacional que une governos e multinacionais do setor farmacêutico, que diziam distribuir remédios contra a Aids. Na verdade, elas testavam um novo medicamento contra a tuberculose, usando os pobres africanos como cobaias humanas.
A ficção hollywoodiana exagera nas tintas para mostrar uma verdade inconveniente. A indústria farmacêutica, de uma forma geral, ignora as moléstias tropicais de países pobres. O ebola é apenas um dos diversos exemplos desse descaso. Um relatório da World Health Organization (WHO) lista 17 doenças tropicais negligenciadas pela indústria, como tuberculose, dengue, malária, doença do sono e oncocercose (cegueira dos rios). Elas afetam 1,4 bilhão de habitantes na África, Ásia e América Latina. Uma em cada três pessoas no mundo corre o risco de pegar malária.
Pelo menos 20 mil pessoas morrem a cada ano de dengue, a maioria crianças. A despeito disso, há pouco interesse em encontrar formas de tratar essas enfermidades. Um estudo do jornal especializado em medicina Lancet mostrou que 336 novas drogas foram desenvolvidas entre 2000 e 2011. Dessas, apenas quatro eram para doenças tropicais (três para malária e uma para diarreia). Dos 150 mil medicamentos em testes registrados em 2011, apenas 1% contemplava as moléstias negligenciadas. A explicação para esse “esquecimento”, vamos dizer assim, são econômicas.
Desenvolver uma droga nova custa bilhões de dólares. Alguns estudos chegam a estimar o valor em US$ 5 bilhões. São anos e anos de testes. No final, há sempre o risco de o medicamento falhar, segundo o jargão do setor. Além disso, a lógica do mercado, que busca mais lucro, norteia as pesquisas. É por essa razão que “doenças de países ricos” ganham a preferência das “big pharmas”, como são chamados os grandes conglomerados farmacêuticos globais. A rápida propagação do ebola pode ser uma chance para mudar essa lógica. O Banco Mundial estima que o impacto econômico do vírus fatal pode chegar a US$ 32 bilhões até o fim do ano que vem, se a epidemia que atinge Guiné, Libéria e Serra Leoa se espalhar para os países vizinhos.
Desde 1976, conhece-se a doença, que teve surtos em diversos momentos, mas ficando sempre restrito à África. Só agora que ameaça os Estados Unidos e a Europa as empresas da área mobilizam-se para encontrar sua cura. A britânica GlaxoSmithKluine, por exemplo, começou a produzir dez mil doses de uma vacina. Outras vacinas desenvolvidas pela Johnson & Johnson e a NewLink Genetics estão perto de entrar nos laboratórios. E o ZMapp, um remédio experimental, foi aprovado às pressas. É um sinal de que esse horror pode transformar não só a indústria como também a batalha contra as doenças negligenciadas.