20/12/2013 - 21:00
Nos últimos dez anos, o empresário Renato Meirelles, presidente da Data Popular, empresa de consultoria e pesquisa especializada no consumo da baixa renda, baseada em São Paulo, se tornou uma espécie de oráculo de políticos e gestores de empresas que desejam conhecer a mente dos integrantes das classes C e D. A lista de clientes inclui potências como Casas Bahia, P&G e Honda. Em entrevista à DINHEIRO, Meirelles fala sobre esse universo e afirma que o apetite da classe média está longe de ter sido saciado. “Muitos confundem consumismo com a aquisição de bens que representam investimento na melhoria da qualidade de vida das pessoas”. Confira a entrevista:
DINHEIRO – Muitos criticam o governo federal por sua política de estímulo de consumo. Qual o impacto que a aquisição de um bem, como eletrodoméstico, causa na vida de uma família de baixa renda?
RENATO MEIRELLES – O senso comum confunde consumo com consumismo. É difícil dizer a uma dona de casa que lava roupa no tanque que ela está sendo consumista ao comprar uma máquina de lavar. Consumo muitas vezes é um investimento na qualidade de vida na família e na educação dos filhos. Não existe um consumo desenfreado. Em um país no qual 55 milhões de adultos não têm conta bancária, não dá para se falar em bolha de endividamento por conta do consumo.
DINHEIRO – Nessa nova sociedade, é possível imaginar que a mulher ocupe mais o poder na política e nas empresas?
MEIRELLES – A classe C só existe graças à ida das mulheres para o mercado de trabalho. Em 20 anos, o número de mulheres cresceu 36%, enquanto as empregadas com carteira assinada avançaram 162%. As mulheres passaram a dispor de mais recursos, o que aumentou sua independência e seu nível de escolaridade. Isso vale para todas as classes sociais. Hoje, 38% dos lares são comandados por mulheres. Apesar disso, problemas antigos como remuneração diferente entre homens e mulheres e a violência doméstica continuam presentes em todas as classes sociais.
DINHEIRO – Nesse contexto, é possível falar que o voto feminino pode ser decisivo nas eleições de 2014?
MEIRELLES – Ainda não se pode falar no voto feminino de forma mais unificada, como já tivemos na Europa ou nos Estados Unidos. Contudo, não tenho dúvidas de que a pauta das eleições será mais relacionada às questões da família e aos problemas sociais, temas mais caros às mulheres.
DINHEIRO – O grupo político que souber levar adiante essa mensagem terá mais chance de se dar bem?
MEIRELLES – Nossas pesquisas mostram que os brasileiros estão mais preocupados em relação a como será sua vida no futuro do que com os benefícios conseguidos até aqui. A pauta eleitoral não deverá tratar do legado, mas sim do futuro, no qual o Estado, e em particular o governo federal, será cobrado a criar novas ferramentas que possibilitem que os integrantes das classes C e D continuem melhorando de vida. São eles que vão decidir as eleições de 2014. É por isso que essas preocupações já estão presentes no discurso dos três principais candidatos (Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos). Eles terão de desenvolver propostas capazes de incentivar ações na área do protagonismo financeiro dos brasileiros de classe média, a partir do empreendedorismo. Também será cobrado o papel do Bolsa Família, não mais como uma política de distribuição de renda, mas como indutor da educação.
DINHEIRO – O Bolsa Família é visto por muitos críticos como uma espécie de curral eleitoral do PT. O sr. concorda?
MEIRELLES – Essa questão ainda é dúbia. Muitos brasileiros enxergam o benefício como uma política de Estado, mas quem recebe os recursos, em especial as mulheres, se mostra grato a quem o concede. Não o vejo como um curral eleitoral, pois os eleitores cadastrados no Bolsa Família estão mais preocupados com o próximo passo do governo nessa área.
Manifestantes ocuparam a avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, em junho
DINHEIRO – Levando-se em conta os índices de aprovação da presidenta Dilma, dá para dizer que a eleição já está definida?
MEIRELLES – De jeito nenhum. O cenário econômico e político é de estabilidade, a aprovação da presidenta voltou a crescer e ela lidera as intenções de voto. Mesmo assim, existe um número considerável de brasileiros que dizem que o País não está no rumo certo. O debate principal na campanha de 2014 não será a aprovação ou não do governo Dilma, mas sim uma discussão sobre o futuro que queremos. O debate eleitoral propriamente dito ainda não começou. E ele não terá mais como foco saber quem está certo e quem está errado, nem uma disputa centrada apenas em PT ou PSDB. O eixo será direcionado para aquele que puder apontar os caminhos para melhorar a vida da classe média.
DINHEIRO – A discussão sobre a qualidade dos serviços públicos emergiu das manifestações de junho. Elas podem voltar a acontecer de forma intensa em 2014?
MEIRELLES – O que mudou no Brasil, junto com a melhora da economia, foi a régua de qualidade. Durante muito tempo, os brasileiros foram acostumados a não reclamar. Quando as pessoas passaram a vincular os benefícios a direitos e aos tributos pagos, isso mudou. Parte das manifestações teve relação com a cobrança maior de qualidade, mas também se destinou a tentar acabar com o distanciamento entre o mundo político e o Brasil real.
DINHEIRO – O movimento foi liderado por jovens que vivem na internet. Dá para dizer que o mundo virtual já influencia nas decisões dos brasileiros?
MEIRELLES – Os analistas da velha geração insistem em dizer que a internet repercute o que saiu na grande mídia. Isso é verdade. Só que eles usam isso para tentar desqualificar o papel que a internet tem. Eles não enxergam que a revolução da internet foi sua capacidade de mudar a comunicação de unidirecional para bidirecional. O velho boca a boca foi amplificado a um nível jamais imaginado. O fato de muitas vezes a rede reproduzir o que a grande mídia diz não significa que as pessoas não estejam adicionando sua opinião.
Família observa vitrine na Casas Bahia, em São Paulo
DINHEIRO – Como assim?
MEIRELLES – A notícia é a razão para o debate, mas já não é mais encarada como uma verdade absoluta. Hoje, a edição do debate entre Collor e Lula, em 1989, não seria possível graças à internet. A bolinha de papel atirada contra a cabeça de um candidato à Presidência da República não pode virar uma pedra porque a grande mídia entendeu dessa forma. A internet criou um canal de diálogo direto, franco e aberto entre as pessoas. Se a televisão era uma janela para o mundo, a internet se tornou uma vitrine na qual, especialmente os jovens, não querem apenas saber o que está acontecendo e sim dar sua opinião, falar e ser ouvido. A internet amplia a rede de relacionamento, a influência e o capital social das pessoas e, na prática, obriga os políticos a um padrão de conduta irretocável.
DINHEIRO – Nas últimas eleições creditaram à internet a expressiva votação obtida por Marina Silva. Em 2014, as redes sociais podem ser decisivas?
MEIRELLES – Para compreender o fenômeno Marina é preciso entender que seu mérito foi colocar a rede como uma protagonista da própria história. A força dos “marineiros” é fruto do fato de eles se sentirem protagonistas de uma visão de País que acreditam ser a melhor. A internet é importante porque fala com um jovem que estudou mais que os pais, que tem um salário maior e contribui mais para a renda familiar e que, portanto, será o novo formador de opinião, em especial da nova classe média. Esse jovem representa um terço do eleitorado e é quem faz o debate circular dentro de casa.
DINHEIRO – Apesar disso, Marina fracassou em criar seu partido, a Rede. Isso não mostra que existe uma grande dificuldade em conciliar o universo digital e o real?
MEIRELLES – Esse cenário é fruto da dificuldade para fazer as coisas acontecerem. O mundo da formação da opinião pública é digital, mas a política continua sendo analógica. É isso que explica partidos com muito menos representação política terem conseguido as assinaturas suficientes na mesma época do fracasso de Marina. Porém, não tenha dúvida de que os internautas estão assumindo uma força cada vez maior na sociedade.
DINHEIRO – O que os partidos deveriam fazer para capturar esse eleitor?
MEIRELLES – O grande desafio do universo político e empresarial é encontrar o que engaja o brasileiro, em geral, e o jovem, em particular. Hoje, eles costumam se aglutinar muito mais em torno de causas do que de organizações. As pessoas seguem mais bandeiras que sindicatos, partidos ou associações. A bandeira tem como mérito juntar pessoas diferentes e isso fica claro quando falamos no combate à corrupção e na melhoria da qualidade da educação. São bandeiras que mobilizam as pessoas independentemente de sua visão de mundo. Por conta disso, as empresas e os partidos que quiserem conquistar essa nova geração de brasileiros têm de estar em sintonia com temas que dialoguem com nosso dia a dia.
DINHEIRO – Como isso pode ser feito, na prática?
MEIRELLES – As grifes não podem se colocar mais em um pedestal esperando que os consumidores corram atrás delas. A fidelidade do consumidor e do eleitor está mais relacionada à identidade e à inspiração que à aspiração. Por muito tempo as marcas diziam que quem quisesse evoluir deveria usar seus produtos. Hoje, quem quiser conquistar mercado tem de propor um movimento de parceria baseada nas causas que falam com seus consumidores. As empresas têm de reaprender a falar com os consumidores.
DINHEIRO – Qual o efeito desse fenômeno na estratégia das empresas?
MEIRELLES – Isso obriga à redução das margens, ao desenvolvimento de inovações e ao lançamento contínuo de produtos que justifiquem a cobrança de preços mais elevados que, consequentemente, sejam capazes de remunerar adequadamente a inovação.