DINHEIRO ? Um trabalhador que hoje está desempregado pode ter esperanças de conseguir uma nova colocação em curto prazo, como sugerem os candidatos à Presidência?
Dionísio Dias Carneiro ? No prazo curto, não. Eu sou pessimista em relação a essa onda de desemprego industrial que está aí há anos. Acho que no ano que vem, eu estarei mais otimista. Uma consolidação do emprego envolve mais do que simplesmente uma recuperação cíclica da economia. A solução para o desemprego exige mudanças estruturais que não estão sendo colocadas pelos candidatos.

DINHEIRO ? Mas os candidatos à Presidência estão colocando a questão do emprego como ponto central na campanha eleitoral. Fala-se até na criação de 10 milhões de empregos. Como o sr. avalia essas propostas?
Carneiro ? São números de campanha, não acredito que tenham origem em estudos mais sérios. O que o próximo presidente terá de fazer é aumentar o nível de formalização do emprego. Isso envolve duas coisas. Uma é baixar o custo de emprego, o que significa atacar os problemas que levam à taxação da folha de salários. O outro é atacar efetivamente o problema da Previdência Social. Tudo isso está interligado e não é possível resolver um dos assuntos sem tocar no outro. Por isso, no nível em que as propostas estão sendo apresentadas, francamente acho muito difícil vincular diretamente o realismo delas com uma postura macroeconômica mais geral.

DINHEIRO ? Por que os candidatos não falam claramente nesses problemas que devem ser enfrentados para a geração de empregos?
Carneiro ? Porque essas coisas são polêmicas. Você sabe que quando se fala em Previdência, imediatamente as pessoas pensam: ?Ah, vai tirar direito de alguém?. Então, os candidatos preferem não falar. Se eles efetivamente estão preocupados com emprego, não são só as medidas genéricas (que qualquer um pode prometer) que resolverão o problema. Eles não atacam a questão da reforma da Previdência. Ou dos impostos que incidem sobre contratação de mão-de-obra. Daí vem o recurso da informalidade, que inclusive tem implicação em toda a economia. Então a solução da questão do emprego é fundamental até para você poder acionar os sistemas de financiamento privado, sobretudo para a construção civil, que é grande geradora de mão-de-obra e movimenta uma enorme cadeia econômica.

DINHEIRO ? O principal desafio do próximo presidente é essa questão de emprego?
Carneiro ? Eu acho. O custo de empregar é realmente inviável. Converse com qualquer empresário e ele vai falar sobre isso. Observe o setor de serviços, um dos que mais emprega e que vai crescer mais nos próximos anos. É um setor que contrata pessoas com muito pouca qualificação e no qual prevalece a informalidade. Por quê? Porque o custo é muito alto. Não é que o mercado seja inflexível, é o mercado legal que é inflexível. Então, o mercado se flexibiliza através da ilegalidade. Isso gera um círculo vicioso. O sujeito sem carteira assinada também é um marginal do ponto de vista do setor financeiro. E eu não vi nenhum candidato mostrar disposição de atacar um programa desse tipo. Fica mais fácil falar do número total de empregos a serem criados do que discutir profundamente como gerá-los. É uma coisa muito superficial e que foge de algumas das questões fundamentais.

DINHEIRO ? O grande custo do emprego hoje é formado por contribuições, impostos, taxas etc. Só que o País está com metas de superávit enormes amarradas com o FMI. Mesmo assim é viável criar uma reforma trabalhista, reduzindo custos do emprego sem prejudicar esse outro lado do equilíbrio fiscal?
Carneiro ? Nós herdamos do período de inflação alta a prática de cobrar impostos daquilo que é mais visível, mais fácil de controlar. Então, folha de salários é uma coisa visível, faturamento de empresa é coisa visível, mas são formas completamente estúpidas, extorsivas, de se cobrar imposto. Agora, não estamos mais lidando com economia inflacionária, mas há um sistema tributário que ficou assim. Precisamos de um sistema tributário montado para uma situação de estabilidade monetária e, por tabela, voltado para a geração de emprego, para o estímulo a empreendimento individual, coisas desse tipo.

DINHEIRO ? Como seria compensada essa queda na arrecadação num primeiro momento?
Carneiro ? Isso eu não preciso inventar, pois as propostas de reforma de pelo menos duas comissões que trabalharam nos últimos seis anos, oito anos contemplaram exatamente isso. A proposta de reforma da Previdência, apresentada pelo André Lara Rezende no final do primeiro mandato do Fernando Henrique, previa formas de compensação, com as contas feitas e tudo. O problema é que, como sempre acontece, são reformas estruturais que dependem de muito empenho, muito desgaste na negociação com o Congresso. E sempre houve outras prioridades para o governo, como as crises internacionais, a crise cambial de 1999, e os assuntos mais estruturais foram sendo adiados. Agora, numa campanha para a Presidência, todos os candidatos são obrigados a olhar para a frente, olhar para um período mais extenso do que simplesmente o fim do ano ou os próximos dois meses ou a crise da Bolsa de Nova York, certo?

DINHEIRO ? Qual a maior dificuldade para levar essas
mudanças adiante?
Carneiro ? São duas dificuldades básicas. Primeiro, é necessário um conjunto de propostas (reforma da Previdência, reforma tributária) e isso está feito, conforme já mencionei. Segundo, o presidente precisa convencer a maioria da população e dos parlamentares para a importância disso. Precisa fazer uma coalizão em torno dessas questões, inclusive explicando que há perdedores nessas reformas, mas que a médio e longo prazos o País como um todo sai ganhando.

DINHEIRO ? Como fazer com que todos aceitem se há possibilidade de perdedores?
Carneiro ? Sem querer ser polêmico, gostaria de lembrar o exemplo de Margaret Thatcher. Uma das coisas mais criticadas durante o governo de Thatcher foi seu enfrentamento do problema do custo de mão-de-obra, que era altíssimo. Ela teve coragem de mexer nisso. Na época, o Partido Trabalhista queria a cabeça dela. Mas, hoje, o barateamento do emprego e do custo de instalação de empresas na Inglaterra foi responsável pela recuperação da economia e da pujança inglesa. Nem sempre você enfrenta essas questões e ganha popularidade imediatamente. Depois que você desata aquele nó, os efeitos são muito positivos.

DINHEIRO ? O sr. recentemente fez um estudo sobre financiamento habitacional no Brasil. Não é possível equacionar os dois problemas ao mesmo tempo: diminuir o déficit habitacional e gerar mais empregos?
Carneiro ? O estudo tratou da questão de financiamento, que é uma parte importante para a reativação do setor de construção, setor que gera emprego. O crédito imobiliário tem a ver com a reorganização do sistema de poupança e crédito no País. Uma das frustrações da estabilização é que não houve uma recomposição do mercado de empréstimos. O setor financeiro foi saneado e deixou de depender da inflação, mas não foi estabelecida a outra ponta do sistema, que é a provisão de crédito para o setor privado. O sistema tornou-se dependente da dívida pública, e o que deveria ter substituído a inflação é o crédito. Acho que a reforma do sistema financeiro ficou incompleta nesse sentido.

DINHEIRO ? O sr. fala de créditos de um modo geral, não
só habitacional?
Carneiro ? Ah não, crédito imobiliário só! Hoje é possível financiar automóveis, eletrodomésticos a prazos muito mais curtos, o que não é desejável mas é o possível. Mas no financiamento imobiliário, são obrigatórios prazos de trinta, quarenta anos, de vinte anos para frente. Hoje o total de empréstimos, em termos reais, é o mais baixo dos últimos vinte anos. Isso realmente quer dizer alguma coisa: o sistema de financiamento imobiliário deve ser redesenhado.

DINHEIRO ? Por que isso acontece?
Carneiro ? Se fosse só um problema de renda, o problema da casa própria da classe média nos centros urbanos já teria sido resolvido, não é? O problema é de crédito, pois mesmo para a classe média,
a comprovação de renda, o histórico de crédito maximizam o problema de risco imobiliário, o risco associado ao financiamento imobiliário. Daí vem as taxas de juros muito elevadas, mesmo
depois da estabilização.

DINHEIRO ? O Estado não deveria investir mais no setor imobiliário como forma de criar empregos rapidamente?
Carneiro ? A experiência do Fundo de Compensação de Variações Salariais, o instrumento que provocou o rombo no Sistema Habitacional Financeiro, ainda está muito recente e vivo. Era um tipo de seguro que gera simplesmente mais déficit público. Então é preciso buscar novas formas de atuação. Quais são os obstáculos para financiamento? É o risco de inadimplência. E, na hora da falta de dinheiro, as pessoas preferem ficar inadimplentes naquilo que não prejudica imediatamente. É mais complicado ficar inadimplente no telefone celular porque é cortado, no gás de cozinha. Aí ele resolve não pagar a prestação da casa e nunca mais consegue colocá-la em dia. A intervenção do Estado deve ser no sentido de evitar a inadimplência. Então, uma de nossas idéias é criar um subsídio que o mutuário recebe caso ele permaneça adimplente. Seria uma espécie de prêmio para que ele pague em dia. O dinheiro seria depositado diretamente na conta do sujeito, pois os mutuários têm conta em banco. O interessante desse mecanismo é que não é um mecanismo a posteriori, pois incentiva a adimplência. As formas de compensação tradicional tentam resolver a questão da inadimplência; depois que o risco aumentou, os empréstimos diminuíram, os recursos para o financiamento imobiliário secaram e todo o mecanismo recessivo de diminuição da atividade de construção já está em movimento.