DINHEIRO ? O mundo está mais perigoso ou essa crise é igual às anteriores?
ALBERTO FISHLOW ? O que ocorreu foi uma reação imediata à situação financeira nos Estados Unidos. Todo mundo já sabia das dificuldades da área imobiliária. As vendas de casas e apartamentos têm caído há muitos meses. Ao mesmo tempo, houve o aumento do preço do petróleo. A base dessa grande preocupação são as perdas financeiras dos grandes bancos e o medo de que o sistema financeiro americano não possa dar o crédito necessário para a economia funcionar.

DINHEIRO ? É mais uma preocupação com o futuro da economia real do que com os prejuízos dos bancos?
FISHLOW ? Exatamente. Ao baixar a taxa de juros, o Federal Reserve (banco central) tentou, e continua tentando, transmitir a idéia de que irá dar apoio para garantir a disponibilidade de crédito.

DINHEIRO ? O Fed não apertou o sinal do pânico ao reduzir os juros para 3%?
FISHLOW ? Sempre há críticas ao Fed. Antes, era criticado por não fazer o que deveria. O problema maior é saber qual será a reação do consumo nos Estados Unidos. A continuação do crescimento econômico depende, como na última década, do consumo crescente. Daí a decisão rápida da Câmara de dar um incentivo para todos os consumidores a partir de maio.

DINHEIRO ? O pacote de ajuda do presidente Bush vai funcionar? FISHLOW ? Foi muito fácil conseguir um acordo entre democratas e republicanos. Ambos os partidos ganham. Os democratas dão incentivos para as classes média e baixa. Os republicanos, para as empresas. Isso poderá ajudar a melhorar a situação, dando um estímulo para a economia mesmo antes da eleição.

DINHEIRO ? O sr. está otimista com a situação econômica?
FISHLOW ? Não se deve exagerar as dificuldades dos EUA. É fácil imaginar que a redução de 1,25 ponto percentual da taxa de juros e o programa de incentivo fiscal para os consumidores e empresas evitarão um declínio sério da economia. O problema maior da economia americana, que não entra na discussão, é o fato de ter um grande déficit em conta corrente, mais de 6% do PIB.

A redução da taxa de juros diminui o rendimento dos investidores estrangeiros em títulos do governo e eles poderiam, com isso, levar seu dinheiro embora. Mas isso cria a necessidade de aumentar os juros para atrair o financiamento, reduzindo a recuperação.

DINHEIRO ? E as conseqüências?
FISHLOW ? A suscetibilidade dos EUA às influências econômicas globais é importante. Com a dívida pública grande e crescente, há implicações futuras. Estamos muito mais sujeitos às decisões do Japão, da China, dos outros asiáticos, da Rússia, da União Européia e mesmo do Brasil ? que, por sinal, dobrou as reservas em 2007.

DINHEIRO ? Não é irônico que os países asiáticos estejam investindo pesado nos bancos e empresas americanas?
FISHLOW ? Não é irônico, é uma necessidade. Com o aumento dos preços do petróleo, eles têm dinheiro e aproveitam o momento para investir. Mas a incapacidade de haver um equilíbrio global está por trás do problema que os Estados Unidos vivem atualmente.

DINHEIRO ? O equilíbrio global não é mais fácil hoje do que foi no passado?
FISHLOW ? Não, é mais difícil. O preço de petróleo está muito alto, o que é bom para os países produtores e mau para os consumidores. A China está crescendo, mas o Japão está com grandes problemas para manter o crescimento.

Os Estados Unidos não gostam de poupar. A redução dos juros poderia ajudar no curto prazo, mas não resolve o problema maior no médio prazo.

DINHEIRO ? Como o sr. vê a situação do Brasil nesse terremoto financeiro? FISHLOW ? A economia deve continuar crescendo como antes. O alto nível das reservas é uma barreira contra o impacto da crise. Há também outro elemento importante: a expectativa geral de que a economia global continuará a crescer este ano, embora os Estados Unidos, a Europa e o Japão cresçam menos. O FMI reduziu as estimativas de crescimento, mas ainda continuam altas [4,1% de aumento do PIB mundial em 2008]. Essa expectativa está baseada em um crescimento muito grande na Ásia e bastante razoável na América Latina. Com exceção do México, que deve sentir com a redução das vendas aos EUA, a América Latina deve manter o ritmo de crescimento do ano passado. O problema maior para a região, e o mundo, é a inflação.

Os preços de alimentos, que têm uma ponderação muito grande nos índices, estão crescendo muito rápido.

DINHEIRO ? Antes da crise nas bolsas da semana passada, havia uma expectativa de o Brasil ser promovido em poucos meses a investment grade (selo de bom pagador) pelas agências de risco de crédito. Isso atrairia recursos de investidores institucionais para cá. Essa expectativa morreu?
FISHLOW ? Não sei se morreu, mas vai ser um pouco mais difícil. As agências de rating, com todos os problemas da avaliação dos CDOs [títulos de dívida securitizada] e outros instrumentos financeiros, poderiam ficar mais relutantes em dar esse aumento para o Brasil. O País não necessita atrair tanto dinheiro hoje em dia. E os recursos que viriam por conta do investment grade não são o investimento que o Brasil precisa.

O País necessita de maiores investimentos na infra-estrutura e na educação. Isso não se resolve com a entrada dos recursos dos fundos de pensão americanos e de outros recursos estrangeiros.

DINHEIRO ? O momento atual do Brasil é mágico, como quer o presidente Lula, ou é mais uma tentativa frustrada de alcançar o crescimento sustentado?
FISHLOW ? Os sinais indicam que o País está fazendo uma política certa. Hoje em dia sua taxa de comércio internacional é muito maior, o que é uma coisa boa. Com a redução dos juros, o déficit do setor público está caindo em relação ao PIB. O Brasil, portanto, tem avançado muito nas áreas de macroeconomia e comércio. O que falta é avançar muito mais em educação, e na qualidade dela. E melhorar os gastos na saúde e em outras áreas sociais. Embora o investimento tenha aumentado, o Brasil necessita de investimentos internos maiores na infra- estrutura. Talvez seja da maior importância reduzir o consumo (do sesetor) público. De todo modo, a situação tem melhorado muito nos últimos anos. A taxa de juros tem caído, as reservas têm subido e a taxa de desemprego está diminuindo. Tudo isso é positivo e indica a possibilidade de continuação no futuro.

DINHEIRO ? Preocupa a perspectiva de haver um déficit em conta corrente?
FISHLOW ? É importante que o déficit em conta corrente seja limitado. Não há razão para que o Brasil deixe de aproveitar os investimentos estrangeiros que trazem progresso tecnológico.

DINHEIRO ? O Brasil tem um ministro só para pensar o futuro. O que acha das propostas de Roberto Mangabeira Unger?
FISHLOW ? Ele está aprendendo mais sobre a situação atual do País. Vai levar algum tempo antes de poder oferecer idéias concretas sobre o futuro do Brasil para o ano 2020.

DINHEIRO ? Algumas de suas propostas têm sido muito criticadas. Será que está enxergando algo que os críticos não vêem ou ele é que não está enxergando bem?
FISHLOW ? Ele está no começo da carreira no gabinete. Algumas vezes, em vez de estudar tudo o que já foi escrito sobre o tema, oferece o que parecem ser conclusões, e não possibilidades. No futuro, estou certo de que irá pensar bem, pesquisar e escrever memorandos antes de divulgar suas idéias.

DINHEIRO ? O Brasil teve um ciclo de 21 anos de ditadura e 21 de democracia. Como o sr. vê o Brasil nos próximos 20 anos?
FISHLOW ? Os próximos 20 anos serão diferentes do passado. No mundo, vai haver o crescimento da China como um poder. E haverá o problema do envelhecimento da população no Japão, na Europa e mesmo nos Estados Unidos, onde as taxas de mortalidade dos mais velhos têm caído. Como no passado, o mundo também vai depender dos avanços tecnológicos. São eles que explicam a experiência dos 60 anos seguintes à Segunda Guerra Mundial.

Entre as décadas de 70 e 90, houve pouco progresso tecnológico mundial. Depois, com a ajuda dos computadores, a taxa cresceu e permitiu um crescimento maior não só nos Estados Unidos como em países como a China, a Índia e os outros países asiáticos. Para o futuro, é necessário ver de onde virá o progresso tecnológico que poderá permitir a continuação do crescimento e do aumento da renda dos países em desenvolvimento e do Brasil.

DINHEIRO ? O Brasil avançou em muitos setores, como a biotecnologia, a aviação e a exploração de petróleo em águas profundas. No entanto, a economia é muito dependente das commodities.
FISHLOW ? O País avançou muito no comércio mundial, mas não foi só na exportação de commodities, como também de produtos industrializados. A taxa de crescimento real das manufaturas tem sido mais ou menos igual à das commodities, mas estas últimas tiveram aumento de preços. O Brasil está fazendo maiores investimentos em tecnologia e em setores mais modernos. Afinal, o progresso tecnológico é básico. Mas é necessário investir mais. O Brasil precisa aumentar a taxa de investimentos para algo em torno de 25% [do PIB] para permitir uma taxa contínua de crescimento da economia de 5% a 6% ao ano. Nesse processo, um sistema educacional melhor é fundamental.