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ESTOJOS CANIBAIS Kits promocionais prejudicaram os produtos de linha. As vendas caíram e os investidores fugiram

 

Dar presentes não é tarefa fácil. Quem, mesmo com as melhores intenções, nunca presenteou algo que não agradou? No caso da Natura ? a maior marca de cosméticos brasileira ? o erro foi feio. No Natal passado, a empresa lançou uma série de estojos promocionais. Não que os kits não tenham caído no gosto dos consumidores. O presente agradou, sim, mas acabou fazendo mal para as contas da própria empresa, que teve que amargar uma queda de 15,7% no lucro líquido no quarto trimestre de 2006 ? os meses de maior concentração de venda em todo ano. Graças ao fiasco dos estojos, as vendas natalinas ? que deveriam corresponder a 40% do lucro anual ? representaram apenas 25%, com modestos R$ 116,8 milhões em resultados, R$ 27 milhões a menos que os R$ 138,5 milhões do Natal de 2005. Há dez dias, quando a empresa divulgou seu balanço, o deslize ? que apesar de não ter afetado o resultado anual (subiu de R$ 396,9 milhões para R$ 460,8 milhões) – continuou trazendo prejuízos, desta vez para as ações da companhia. Nos primeiros pregões de março, os papéis chegaram a recuar 13,73% em um só dia.

O que havia de errado com os kits? Segundo a empresa, eles canibalizaram a venda dos produtos de série. A consultora da Natura, Neusa Tita Papa, que há 15 anos vende os produtos da marca em Campinas, SP, confirma. ?Não foi para menos. O preço dos kits era bem melhor que os dos produtos normais.? Ela conta, por exemplo, o caso do conjunto de sabonetes Todo Dia. A caixa normal, com cinco unidades iguais custava R$ 15,80 ? o mesmo valor do pacote promocional, também com cinco itens ? mas cada um numa fragrância diferente. ?Se tivessem me entregado 100 estojos, eu teria vendido todos. Mas vieram só quatro?, conta. Mas houve casos piores, como o do óleo corporal Seve. O produto normal, com 180 ml, custava R$ 45,90. O conjunto com três miniaturas, em aromas diferentes, com 80 ml cada, saia por R$ 43,30 ? R$ 2,60 a menos e 60 ml a mais. ?Claro que todo mundo preferia o mais barato, com mais conteúdo?, lembra a consultora. Mas mesmo com clientes interessados, Neusa Tita não conseguiu vender tudo o que queria: os estojos esgotaram.

?Não dá para errar no Natal?, diz Daniela Bretthauer, analista do banco Santander. ?É como a Lacta errar na Páscoa, o principal evento no calendário?, conclui. Conforme números da companhia, o custo dos produtos vendidos representou 35,7% da receita líquida de outubro a dezembro, mais que os 31,9% dos mesmos meses do ano anterior. Além dos custos mais altos, o problema da falta de produtos relatado pela vendedora, também pesou. Sem ter o que entregar, as 561 mil consultoras perderam negócios. ?A baixa taxa de produtividade das consultoras surpreendeu?, diz Daniela. A produtividade média para cada representante em 2006 foi de R$ 12,5 mil, 1,9% a mais que em 2005. ?Mas ao longo do ano, essa taxa variou muito, com quedas grandes, seguidas de altas modestas?, explica a analista.

Diante do escorregão, a Natura promete investimentos em marketing para recuperar mercado, sem mudar preços ou alterar posicionamento para atingir as classes mais baixas. Segundo Daniel Toll Lemos, chefe do departamento de análise da corretora Socopa, vai ser preciso mais atenção aos custos e à concorrência, principalmente da rival americana. ?A Avon passou a ter uma postura mais agressiva no mercado?, lembra ele. A empresa, que tem 1 milhão de revendedoras no País, comemorou aumento de vendas de 30% no Natal passado e pretende sofisticar seu estilo, sem encarecer os preços.

R$ 116 milhões foi o lucro com as vendas do final do ano, resultado 15% menor que o do Natal de 2005

13% de queda nas ações da companhia após a divulgação do balanço