Edson Rossi

Na metade do mês, precisamente na quarta-feira 15 de novembro, o mundo viverá uma daquelas datas emblemáticas. Mais até do que foi a chamada Virada do Milênio. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), será o dia em que a população do planeta chegará a exatos 8.000.000.000 de pessoas. Um feito para a humanidade. E, na mesma proporção, um desafio para a humanidade. Alimentar, educar e dar saúde a esse contingente exigirá governantes de uma grandeza que não temos (não apenas no Brasil). Falar em bilhões pede contextos que não costumamos adotar no dia a dia. Perdemos a dimensão – e a urgência – do problema quando não enxergamos sua magnitude. Numa conta simples, a diferença de 1 milhão de segundos para 1 bilhão de segundos é a mesma de um bebê com 11 dias de vida (1 milhão de segundos) para um adulto com quase 32 anos (1 bilhão de segundos). Esse tipo de comparação ajuda a colocar a encrenca em seu devido tamanho.

“É uma ocasião para celebrar nossa diversidade, reconhecer nossa humanidade comum e se maravilhar com os avanços na saúde que prolongaram a vida e reduziram drasticamente as taxas de mortalidade materna e infantil”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, no documento que trata do Dia dos 8 Bilhões. “Ao mesmo tempo, é um lembrete de nossa responsabilidade compartilhada de cuidar do planeta e refletir sobre ainda estarmos aquém em nossos compromissos um com o outro.” Na mesma balança, a alegria e o drama.

Se por um lado o ritmo de crescimento populacional cai desde o fim da Segunda Guerra Mundial, por outro lado o avanço da saúde faz com que se viva muito mais. A população global com 65 anos ou mais deverá aumentar de 10% do total este ano para 16% em 2050. Hoje, são 800 milhões de pessoas nessa faixa. Pelas projeções da ONU, serão 1,5 bilhão. Em menos de três décadas, a população idosa será mais que o dobro da de crianças com até 5 anos e terá o mesmo tamanho daquela de crianças com até 12 anos. Não precisa de muito empirismo para concluir que esse tipo de cenário é muito mais grave em países pobres e desiguais – por aqui, apenas 49 milhões dos 215 milhões de brasileiros têm cobertura médica com planos privados, por exemplo. E os pacotes explodem de valor com o avanço etário.

O World Population Prospects 2022 é um documento fascinante, pela marca bilionária alcançada, mas paradoxalmente traz dilemas poderosos. A expectativa de vida global ao nascer atingiu 72,8 anos em 2019, salto de quase 9 anos desde 1990. Em 2050, deve bater nos 77,2 anos. Mas isso é a média. Aqui tem país rico e país pobre. Nestes, a expectativa de vida em 2021 estava 7 anos atrás da média global. A ONU afirma que “países com populações envelhecidas devem tomar medidas para adaptar os programas públicos ao número crescente de idosos”. Sim, teremos de olhar para o SUS como um sistema fantástico, mas que precisa de avanços igualmente gigantescos e que não dependam apenas de receber mais dinheiro. É preciso combinar avanços tecnológicos e imersões digitais que derrubem custos e transformem o sistema culturalmente, para uma agenda mais preventiva universalizada. Da mesma forma, a ONU diz que o aumento populacional e da quantidade de anos vividos pedirá “melhorias da sustentabilidade de segurança social e dos sistemas de pensões”. Traduzindo, será preciso discutir reformas da Previdência ad aeternum caso as distorções dos sistemas público e privado se mantenham.

Tudo isso sem falar na necessidade de reconstrução do sistema educacional. Um que seja inclusivo e eficaz, equação que o Brasil nunca resolverá comprando kit de robótica superfaturado ou toda sorte de falcatrua com dinheiro da Fundeb. Porque a questão demográfica é nosso desafio como Nação. Por ela passa o tripé sagrado da Saúde, da Educação e da Sustentabilidade. Liu Zhenmin, subsecretário-geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais, afirmou no mesmo documento sobre o Dia dos 8 Bilhões que “o rápido crescimento populacional torna mais difícil erradicar a pobreza, combater a fome e a desnutrição e aumentar a cobertura dos sistemas de saúde e educação”. Esse é o tamanho do verdadeiro desafio do Dia 15 de Novembro. E ele não será vencido pelo nível de conhecimento atualmente alocado e pelo perfil de lideranças públicas do Brasil de hoje. Vai ser decidivo para o que viermos a chamar de Brasil e de brasileiros um novo modelo de governança pública. Gente de outro patamar.