Obra indispensável e, certamente a mais bem escrita e amigável para os leitores, entre todos os textos já publicados sobre os anos de chumbo, a série assinada pelo jornalista Elio Gaspari, chega ao fim, com o lançamento, do quinto volume, intitulado “A Ditadura Acabada”. Em suas 447 páginas, traz um conjunto de informações e análises indispensáveis para quem pretenda entender a história recente do País, com as profundas transformações políticas, econômicas e sociais, ocorridas no período que vai de primeiro de abril de 1964 a 15 de março de 1985.

Centrado na fase final do regime, sobretudo nos cinco anos de mandato do último presidente fardado, o general João Baptista Figueiredo, o  livro avalia, entre outros, o comportamento do empresariado brasileiro à época. “Mudara também o empresariado. Órfãos de Delfim Netto havia quatro anos, os empresários continuavam a se queixar da falta de um interlocutor capaz de falar, sozinho, em nome do governo. A desaceleração do crescimento de 10,6%  em 1976 para 4,9% em 1977, a concentração do crédito e dos grandes investimentos nas mãos do governo e o naufrágio das ambições do II Plano Nacional de Desenvolvimento indicavam que o Milagre Brasileiro acabara”, afirma Gaspari. Segundo ele, tratava-se de um patronato cartorial e retrógrado. 

Entre outros exemplos dessa postura atrasada, o autor aponta a campanha da indústria de bens de capital contra a instalação de uma fábrica de tubos da alemã Mannesmann e a defesa, pelo setor eletroeletrônico, então protegido pela reserva de mercado na informática, da proibição, pelo governo, da importação de 300 microcomputadores pela IBM.

Um terceiro exemplo chama também a atenção do leitor, pelo inusitado. No fim de julho de 1978, meses antes da posse de Figueiredo, a Associação dos Supermercados do Rio de Janeiro (Asserj),  presidida à época pelo empresário carioca Arthur Sendas, dono da rede Sendas, resolveu expulsar de seus quadros uma certa Trevo Indústria e Comércio. Na verdade, Trevo era o nome na Junta Comercial do grupo francês Carrefour, que havia se estabelecido no Brasil três anos antes e cometera o deslize de permitir que seus clientes pagassem as compras com cartões de crédito.

Como a vida se encarregou de mostrar, a cegueira e a falta de visão, traduzidas na recusa em adotar um instrumento moderno e facilitador das transações comerciais como o cartão de crédito, acabou custando caro ao presidente da Asserj e a muitos de seus pares. Sua empresa, que era a quinta maior supermercadista do País, foi vendida, em 2004, ao Pão de Açúcar, que acabara de associar-se ao grupo Casino, principal rival do Carrefour, na França. 

Como o Sendas, dezenas de outras companhias do setor, foram passadas adiante, incorporadas por rivais mais poderosos, num processo de concentração acelerada. Prova disso é o ranking de 2016 da Associação Brasileira de Supermercados: cinco grupos respondem por 80,7% dos R$ 201,7 bilhões faturados pelas 20 maiores empresas do setor, no ano passado. No pelotão de frente, à exceção do quinto colocado, o gaúcho Zaffari, todas as empresas são controladas por estrangeiro – a CBA, do Casino, o Carrefour, o americano Walmart e o chileno Cencosud.