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“Estou envergonhada. Como todos, me sinto traída e confusa”
RUTH MADOFF, esposa de BERNARD MADOFF

Até dezembro de 2008, Ruth tinha a vida que qualquer senhora de meia-idade poderia sonhar. Aos 68 anos, vivia rodeada pela família: marido, filhos e netos, todos saudáveis. Tinha amigos de longa data, quase todos pertencentes à alta sociedade judia de Nova York. Ruth vivia uma rotina tão estável e equilibrada que era digna de tédio.

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Único culpado: Madoff empregou os filhos durante 20 anos e insiste que ambos são inocentes

Nascida no bairro do Queens, no seio de uma família judia de classe média, ela fez tudo como deveria. Casou-se cedo com um amigo de infância, também judeu, e construiu com ele uma vida de êxitos financeiros e pessoais. Teve dois filhos, que, por sua vez, também se casaram com garotas judias de boa família e lhe deram netos.

E, além de tudo, Ruth era rica, muito rica. Vivia entre sua cobertura no número 133 da 64th Street, em pleno Upper East Side de Nova York, e a casa de veraneio de US$ 9,4 milhões da família em Palm Beach, na Flórida. Gozava de um jato particular, um motorista, um guarda-roupa de dar inveja a Lilly Safra e muitas joias.

Mas, como em um passe de mágica feito por uma bruxa danada, a vida de Ruth mudou. Seu marido de toda vida é Bernard Madoff, 71, o autor da maior fraude financeira das últimas décadas, estimada em US$ 65 bilhões, e que foi recentemente condenado a 150 anos de cadeia. Mas Ruth e seus dois filhos, Andrew e Mark, não.

Estão livres, teoricamente quebrados e sem a mínima perspectiva de ter de volta a vida extravagante à qual estavam acostumados. Muitos questionam o envolvimento da família Madoff com toda a pirâmide financeira feita ao longo de mais de 20 anos. E o peso maior da dúvida recai sobre Mark, 45, e Andrew, 43.

Ambos são formados em administração em duas prestigiosas universidades americanas (Michigan e Wharton) e trabalharam na empresa do pai, a Bernard L. Madoff Investment Securities LLC desde que obtiveram seus diplomas. Estavam diariamente no escritório, o que torna pouco crível a afirmação de Madoff de que os filhos nada sabiam.

Recentemente, a secretária que trabalhou por mais de 20 anos na gestora gravou um vídeo contando tudo o que conhecia sobre o escândalo. Eleanor Squillari, 59, descreveu as minúcias do comportamento de seu chefe, deixando claro que ele era o cerne de todo o esquema e que seus filhos e seu irmão, Peter Madoff, 63, foram pegos de surpresa. “Ele sempre tinha que estar no controle de tudo. Ele planejou exatamente como queria ser descoberto.

E o FBI agiu da maneira que ele havia planejado”, disse a ex-secretária. Mesmo que duvidosa, a teoria da inocência da família toma forma mais consistente quando se procura o paradeiro dos irmãos Madoff. Se, após a descoberta da fraude, eles tentaram manter a mesma vida, foi por pouco tempo. Mark se recolheu com sua segunda esposa e seus filhos no distrito de Roslyn, ao norte de Long Island, lugar onde passou a infância, e pouco se sabe sobre sua rotina.

Segundo a revista norte-americana Vanity Fair, que mensalmente publica uma matéria sobre o tema, ele é o que mais dificuldade teve em aceitar o ocorrido. Segundo a publicação, Mark passa horas na internet checando as notícias sobre o escândalo. Conhece cada blog e site feitos por vítimas de seu pai e, eventualmente, até manifesta sua opinião em alguns deles.

Encarregado da área comercial da empresa do pai, Mark era o típico playboy perdulário e, assim como seu irmão Andrew, mantinha praticamente todas as suas aplicações no fundo “inexistente” do pai. Na lista de mais de dez mil vitimas, lá está o nome de Mark Madoff. Já o irmão mais velho, Andrew, permanece em seu apartamento de Manhattan, onde vive com a noiva, Caroline Hooper. Ao fazerem reservas em restaurantes, utilizam o nome de Hooper para evitar situações desagradáveis.

Como ainda vive no mesmo local de antes, Andrew está sujeito a reações inesperadas de investidores que conhecem seu endereço. Em janeiro, foi abordado por um deles ao sair de uma loja próxima de sua casa, e foi atingido por um soco. O investidor questionava onde estava seu dinheiro e Andrew apenas respondeu “E eu? E o meu dinheiro? Também estou sem nada!”.

Ainda segundo a Vanity Fair, Andrew mantém-se recluso e vive de negócios paralelos que mantinha ao mesmo tempo em que trabalhava com o pai. Desde que iniciaram a carreira na Madoff Securities, os herdeiros conseguiam ganhar cerca de US$ 6 milhões ao ano, de acordo com o livro contábil da gestora. Pouco antes da descoberta da fraude, pegaram um empréstimo em conjunto de US$ 31 milhões da empresa do pai.

Desta forma, assim como o JP Morgan está sendo investigado por ter feito saques enormes pouco tempo antes da descoberta da fraude, a dúvida que paira no ar é se Andrew e Mark também o fizeram. Segundo a SEC, ambos não tiveram que se desfazer de nenhum bem para viver os últimos oito meses, o que prejudica ainda mais a situação deles diante da polícia americana.

Na riqueza e na pobreza: Ruth, feliz ao lado de Madoff (à esq.), nos tempos de glória da fraude. Após a prisão do marido, ela e seus filhos (Andrew, à esq.) vivem como classe média americana

Ao contrário dos filhos, Ruth Madoff fez um acordo com a SEC para entregar tudo o que possuía e ficar com “apenas” US$ 2,5 milhões. Com esse valor, saiu de sua cobertura de US$ 7 milhões direto para um quarto e sala em Trafalgar House, ainda no luxuoso Upper East Side nova-iorquino. O imóvel está estimado em US$ 465 mil e tem 145 metros quadrados. Agora, Ruth anda de metrô, vai ao supermercado e leva uma vida comum.

Quando é flagrada pela imprensa em alguma atividade de classe média, como fazendo compras em alguma “deli”, Ruth se irrita e grita com os fotógrafos. Não se tem notícia se seus amigos continuam os mesmos e se ela ainda é recebida na alta roda da sociedade judia.

O que se sabe é que a socialite tentou reter para si US$ 62 milhões do patrimônio da família que seria confiscado pela SEC. Não conseguiu. Quando Madoff foi mantido em prisão domiciliar, Ruth ficou ao seu lado, enquanto os filhos, oficialmente, jamais voltaram a falar com os pais. Em junho, após instalar-se em sua nova humilde residência, Ruth enviou um comunicado dizendo-se devastada por tudo o que havia ocorrido. “Estou envergonhada.

Como todos, me sinto traída e confusa”, escreveu. Muitos alegam que seus filhos não lhe visitam ou falam com ela há muito tempo por estarem chateados pela atitude complacente da mãe com o pai fraudador. Ela faz visitas a Madoff na cadeia, constantemente.

Os demais familiares tentam levar uma vida comum, dentro do possível. Peter Madoff teve toda a sua fortuna congelada e, segundo seu advogado Charles Spada, não tem dinheiro nem para comprar “uma xícara de café”. Shana Madoff, filha de Peter e responsável pelo compliance da gestora, está reclusa em sua cobertura na Park Avenue e, recentemente, pediu uma consultoria para a polícia federal para saber quanto tempo ela passaria na cadeia, caso fosse indiciada e condenada.

Outros familiares se juntaram a grupos de vítimas que buscam ressarcimento pelo dinheiro perdido. Líder de um dos grupos, a investidora Ronnie Sue Ambrosino confirma. “Não posso decidir quem entra no grupo. Desde que comprovem que investiram com o Madoff e foram prejudicados, são elegíveis para serem membros.

Acredito que tanto a família quanto os funcionários que aplicaram suas economias no fundo são tão vítimas quanto todos os outros”, disse Ronnie à DINHEIRO. Resta saber quais deles receberão ressarcimento. Se houver algum.