06/06/2014 - 20:00
Um fantasma aterrorizou os bancos desde setembro passado: a indenização aos poupadores lesados pelos planos econômicos. Rememorando, entre o Plano Cruzado (1986) e o Plano Real (1994), o governo disparou sete tiros para tentar matar o dragão da inflação, atingindo vítimas civis. A maioria dos poupadores amargou o prejuízo e seguiu com a vida. No entanto, uma minoria menos conformada questionou a decisão na Justiça. Sem poder processar diretamente o governo, os poupadores interpelaram os bancos.
Com recursos inesgotáveis para contratar advogados, os banqueiros adotaram todas as medidas legais para protelar os pagamentos. Essa estratégia deu certo até setembro passado, quando o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), simpático aos poupadores, resolveu espanar a poeira das ações e colocou o assunto em pauta. A iniciativa de Barbosa disparou uma bem orquestrada campanha dos bancos para mostrar que a decisão do STF poderia ser mais danosa do que um furacão de gafanhotos sobre o sistema bancário.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entidade que representa o setor, encomendou um estudo à consultoria paulista LCA. Nele, a estimativa das indenizações chegou a R$ 341 bilhões, cifra capaz de assustar até um recém-nascido. Em uma entrevista à DINHEIRO em fevereiro, o economista carioca Murilo Portugal, presidente da Febraban, calculou que a indenização real poderia ser de R$ 150 bilhões, mas ainda assim preocupante. Esse dinheiro representaria 25% do patrimônio de referência dos bancos.
Sem esse capital para lastrear empréstimos, o sistema financeiro poderia ser obrigado a reduzir em até R$ 750 bilhões o total de créditos concedidos, um quarto do total. Para evitar esse drama, o sistema financeiro em peso entrou em campanha. Os bancos chegaram ao requinte de contratar o economista americano Eric Maskin, professor em Harvard e Prêmio Nobel de Economia, para demonstrar, em bom inglês, que não se beneficiaram dos planos econômicos. Nos bastidores, como é de seu feitio, as furtivas lideranças bancárias – ao lado de técnicos do Banco Central e de um batalhão de lobistas – cortejaram deputados, procuradores e ministros.
As visitas eram capitaneadas por Portugal, em pessoa. Ex-vice-diretor-geral do Fundo Monetário Inter-nacional, ex-secretário do Tesouro e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, ele usou seu bom trânsito em Brasília para tentar convencer os três Poderes de que, se aprovada, a medida levaria o País ao caos. O temor dos bancos foi aliviado no dia 28 de maio. Em votação unânime e relâmpago, o plenário do Supremo concordou em adiar a avaliação do processo para uma data já sobrecarregada: o Dia de São Nunca.
Passado o susto e garantido o sono tranquilo dos banqueiros, na quarta-feira 4, durante a abertura do Congresso de Automação Bancária, em São Paulo, Portugal candidamente calculou em R$ 10 bilhões a indenização que poderia caber aos bancos. O presidente da Febraban não explicou, porém, como seu cálculo mais recente fez o prejuízo encolher R$ 140 bilhões (ou R$ 331 bilhões, se fosse considerada a estimativa inicial da LCA) e aproximou bastante o número da estimativa das entidades de defesa do consumidor. O diabo, afinal, não era tão feio quanto o pintavam os consultores – e seus clientes.
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Resposta de Murilo Portugal ao artigo:
O artigo “O diabo, afinal, não era tão feio” sobre as ações judiciais relativas aos planos econômicos dos anos 1980 e 1990 atribui-me ter estimado em “R$ 10 bilhões a indenização que poderia caber aos bancos” nesses processos, possivelmente baseado em matéria errônea distribuída pela agência Reuters.
Em entrevista que dei a vários meios de comunicação em São Paulo no último dia 4 de junho, abordei o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) que procurou identificar a receita bruta que as instituições financeiras supostamente teriam auferido ao aplicar fora dos empréstimos imobiliários, a chamada faixa livre de 20% dos recursos da caderneta.
Expliquei que o valor de R$ 441 bilhões de receita bruta estimado pela PGR contém erros de múltipla contagem, sobreposição de períodos.
Informei que, pelos nossos cálculos, eliminados os erros de múltipla contagem, tal receita bruta variaria entre R$ 17 e 20 bilhões. Se descontados os 40% de tributos e outros custos, a receita líquida seria de R$ 8 a 10 bilhões.
O montante de R$ 10 bilhões não se referia ao valor de indenização, mas sim à receita líquida hipoteticamente obtida pelas instituições financeiras com a aplicação dos recursos da faixa livre da poupança durante a implantação dos planos econômicos.
Entretanto a agência Reuters se confundiu ao reportar a entrevista e publicou o valor de R$ 10 bilhões como sendo minha estimativa do valor das indenizações a serem pagas aos poupadores.
Em atenção à tradição da IstoÉ Dinheiro e em respeito aos seus leitores, solicito que sejam publicados estes esclarecimentos.
Atenciosamente,
Murilo Portugal
Presidente da Febraban