O clima de austeridade que ronda o Velho Continente, sobretudo com a crise econômica deste ano, tem tirado o sono e o apetite até dos europeus mais abastados. A circunstância afetou diretamente o consumo de uma das iguarias mais representativas dos tempos de vacas gordas: a trufa branca. Raríssima e cobiçada no mundo todo, o tubérculo – que nasce espontaneamente em apenas três regiões da Itália – viu seu nome sumir dos menus chiques de restaurantes da França e de Mônaco, por exemplo, e aterrissar com mais galhardia nas mesas abonadas de países emergentes, como a China, a Índia e o Brasil.

 

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De olho nela: Giancarlo Bolla, dono e chef do restaurante La Tambouille,

e a trufa branca: sucesso no Brasil

 

Neste ano, foi mais fácil comer o “tartufo bianco” em Mumbai ou São Paulo do que em Monte Carlo, onde os restaurantes chegaram a cancelar seus festivais da iguaria. A falta de recursos atingiu até o tradicional leilão anual de Alba, capital mundial da trufa, no norte da Itália. Os organizadores se queixaram da falta de verba e transformaram o evento em bienal. Outro empecilho que dificultou a vida dos produtores foi o excesso de chuvas no verão italiano, o que atrasou a colheita em um mês, de setembro para outubro. Com a oferta espremida, o preço da trufa branca subiu, ficando entre € 5 mil e € 7 mil o quilo.

 

SORTE A NOSSA Por aqui, nada mudou. Em São Paulo e no Rio, os endereços que já tradicionalmente serviam o prato continuam a fazê-lo – e sem aumento de preço. No italiano Piselli, nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, o prato com trufas tem valor médio de R$ 400, consumido por clientes fiéis, que mantêm a procura com ou sem crise lá fora. “Tenho um que veio para a cidade só para comer as trufas”, diz Juscelino Pereira, proprietário do restaurante. “Ele almoçou e jantou aqui e ainda levou um pedaço de trufa para casa.” A conta ficou em mais de R$ 3 mil. 

 

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Estrela do prato: Chef do paulistano Zucco, José Meirelles (ao lado) indica massas leves

para acompanhar a trufa. Juscelino Pereira, do Piselli (à esq.), recomenda risotos e ovos fritos

para privilegiar o sabor único da iguaria

 

Ainda segundo Pereira, quanto menor a quantidade do alimento, maior a procura entre os apreciadores endinheirados e a aura de exclusividade em volta dele. “Trago todos os anos cerca de seis quilos da iguaria para o Piselli, durante esses três meses”, diz. A questão não é só o retorno financeiro por prato vendido. Servir trufas brancas confere ao restaurante um status diferenciado. “Trazer as trufas é uma maneira de agradar aos meus clientes e agregar valor à imagem do restaurante”, diz Giancarlo Bolla, proprietário do requintado La Tambouille, no Itaim Bibi, também em São Paulo. 

 

Seu colega, Luciano Boseggia, do Alloro, em Copacabana, no Rio de Janeiro, concorda. “A temporada de trufa é o momento mais aguardado da alta gastronomia.” De alimento amaldiçoado na Idade Média – já que nascia sem ser plantada – à condição de estrela da culinária, a trufa branca é cercada de regras para ser servida. A número 1 seria deixar a iguaria como a protagonista da receita. “Massas leves, risotos e ovos fritos são bem-vindos”, diz José Meirelles, chef do paulistano Zucco. “Nenhum ingrediente pode sobressair mais do que a trufa”, afirma Pereira, do Piselli. “Ela é a estrela do prato.”