02/11/2011 - 21:00
Arredio e avesso a entrevistas, o excêntrico jornalista Julian Assange surgiu na capa da revista americana Forbes ameaçando revelar segredos nada edificantes de um grande banco americano, tão logo virasse o ano de 2011. Era 29 de novembro do ano passado e o site Wikileaks acabara de escancarar 250 mil documentos secretos e um lado constrangedor da diplomacia americana. De repente, o homem que empreendeu uma cruzada contra o sistema via-se na mira do próprio. Em menos de duas semanas, o sistema financeiro que canalizava ao Wikileaks as doações de milhares de apoiadores mundo afora fechou a torneira, numa operação para asfixiar as finanças do site. Na segunda-feira 24, Assange acusou o golpe.
Sem recursos, anunciou que o site suspendeu por tempo indeterminado a divulgação de novos documentos. “Os parcos recursos que ainda temos serão aplicados na luta contra o bloqueio financeiro ilegal que estamos sofrendo”, disse na coletiva convocada em Londres, na Inglaterra. Enquanto fazia fama revelando informações confidenciais de governos, o Wikileaks sobrevivia de doações feitas via cartões de crédito e serviços de pagamento eletrônico. Juntas, as bandeiras Visa e MasterCard, além do PayPal, intermediavam 90% das doações feitas pelos seguidores de Assange. “Eram milhares de doações, com valor médio de US$ 25”, disse à DINHEIRO o islandês Kristinn Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks. “Poucas excediam US$ 100 e não havia doadores corporativos.” Uma revelação bombástica tinha o poder multiplicador sobre o fluxo de recursos: US$ 1,1 milhão entraram nos cofres do Wikileaks no mês seguinte à publicação dos documentos da diplomacia americana.
Assim, quando o site se tornou o pária do sistema financeiro, os efeitos foram devastadores. Entusiastas americanos, que respondiam por um terço das doações, ficaram impossibilitados de contribuir. As receitas, que haviam somado US$ 2,1 milhões em 2010 se reduziram a 5% do total este ano. “A fonte secou”, resume Hrafnsson. Para patrocinar o bloqueio, as empresas – apoiadas também pelas instituições financeiras Bank of America e Western Union – incluíram o Wikileaks numa “lista de interdição”. Elas se ampararam em cláusulas que as protegem de ter recursos processados para “fins ilegais”, numa ação que se assemelha ao congelamento de recursos em organizações suspeitas de ligação com o terrorismo. “Houve uma militarização do assunto, com a comparação ao terrorismo, e, em vez de ser levado ao Judiciário, ele acabou ficando na esfera privada”, diz o professor Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ.
Kristinn Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks: novas ferramentas são acessíveis a poucas pessoas e têm custo elevado
Para custear a batalha judicial travada pelo Wikileaks, Assange estima ser necessário US$ 1 milhão. Há ações movidas pelo Wikileaks contra as instituições financeiras nos Estados Unidos, Austrália, Islândia, Reino Unido e na Comissão Europeia, em Bruxelas. Para Eric Abrahamson, professor da Escola de Negócios da Universidade de Colúmbia, em Nova York, essa é uma batalha inédita. “É um conflito que atravessou fronteiras, envolvendo companhias globais num assunto que poderia ser solucionado por um governo”, afirma. Enquanto isso, o Wikileaks tenta se reerguer para voltar a divulgar documentos – as pesquisas custam US$ 500 mil por ano, diz Assange. Antes de pedir socorro aos apoiadores, o site já havia tentado estratégias inusitadas. Em setembro, patrocinou o primeiro de quatro leilões, colocando à venda na internet “relíquias” da organização.
Foi um fiasco. O Wikileaks pediu 6 mil libras por um laptop que teria usado para editar os documentos da diplomacia americana. Foi arrematado por menos de 100 libras. Ainda havia quatro itens sem receber um lance até a quarta-feira 26. Hrafnsson diz que a organização estuda maneiras de voltar a arrecadar pela internet e já colocou à disposição dos apoiadores algumas ferramentas. “Mas são acessíveis a menos pessoas e têm um custo elevado”, afirma. Para Gastão Mattos, CEO da Braspag, empresa de soluções de pagamento em e-commerce, será difícil o Wikileaks sobreviver sem acesso a uma ferramenta que recupere o acesso a doadores do mundo todo.