22/06/2005 - 7:00
“Se o Meirelles não tem a confiança de quem o nomeou, ele pode se abalar”
“O bom desempenho que a Bolsa de Valores teve em 2004 não se repetirá este ano”
DINHEIRO ? Entre 2004 e o primeiro semestre deste ano, dez empresas lançaram ações na Bolsa de Valores. O sr. acredita que novas companhias abrirão o capital em 2005?
Alfried PLÖGER ? Creio que não. O ano passado foi especial. Houve uma explosão do PIB, que cresceu mais de 5%. Para este ano, a expectativa é de um crescimento de menos de 3%. No momento, estamos passando por um vendaval político que, seguramente, não ajuda no lançamento de novos papéis. Neste ano, o número de lançamentos será mais moderado. O que é uma pena porque o número de 2004 também não foi grande coisa. Não vamos dizer agora que esses dez lançamentos foram um estrondo para um País como o nosso. Aliás, o número de empresas que fecharam o capital continua sendo bem maior que o das que abriram capital. Acho que 2005 será bem mais fraco em lançamentos de ações do que o ano passado.
DINHEIRO ? O que afeta mais as companhias brasileiras: o crescimento de apenas 0,3% do PIB no primeiro trimestre ou a atual crise política que atinge o governo?
PLÖGER ? Os dois fatos são graves. Ainda tem um terceiro, que são os juros. A taxa de juros continua altíssima. Só neste ano, o patamar do juro básico já subiu quase quatro pontos percentuais. Continuamos sendo campeões do mundo dos juros altos. E nenhuma empresa ou consumidor paga apenas a taxa básica. Os juros são muito maiores e, por isso, mais de 90% dos investimentos no Brasil estão em renda fixa.
DINHEIRO ? Caso o Comitê de Política Monetária (Copom) resolva reduzir a Selic, ainda há tempo para uma retomada de crescimento neste ano?
PLÖGER ? Se o Copom reduzir os juros básicos agora, do ponto de vista prático não acontece muita coisa. Só que com esse tsunami político, não sei se o investidor verá essa queda como uma sinalização de melhora ou de que o Banco Central cedeu às pressões políticas do próprio governo. Tenho dúvidas de que uma redução agora dos juros faça com que os empresários tirem seus projetos das gavetas.
DINHEIRO ? O senhor acha que 2005, em termos de investimentos, já acabou?
PLÖGER ? A indústria de bens de capital é a que mais demora a reagir, seja positiva ou negativamente, aos efeitos econômicos. Todo e qualquer investimento que uma empresa faz é sempre de longo prazo. Quando se lança um pedido para construir uma máquina, normalmente há uma fila de espera até o equipamento ser produzido e entregue. Tem muitos equipamentos que demoram dois anos até serem entregues. Então, se vier uma freada violenta da economia, ainda por um bom tempo esses investimentos tendem a aparecer por conta dos pedidos feitos anteriormente. A recíproca também é verdadeira. No momento em que a economia deslancha, haverá uma queda dos investimentos porque até a empresa lançar o pedido e receber tem o mesmo efeito. Tanto assim que no ano passado os investimentos no Brasil cresceram 82% em relação a 2003. Portanto, em 2005 ainda veremos a indústria de bens de capital cumprindo o cronograma de investimentos e entregas recebidos em 2004. Crescimento, porém, não haverá.
DINHEIRO ? Os empresários estão receosos dessa crise política?
PLÖGER ? Aqui no Brasil estamos acostumados com crises. Aparentemente, a oposição não busca o impeachment do presidente da República. Entretanto, já estamos em uma fase pré-eleitoral em que a oposição vai, digamos, cozinhar essa situação por um bom tempo. Se a situação ficar muito grave, não há dúvida de que a indústria tende a segurar seus investimentos.
DINHEIRO ? O senhor acha que a campanha presidencial já começou?
PLÖGER ? Não tenho a menor dúvida. Já começou e começou forte. O início foi com a disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Já se vê articulações e lideranças falando mais como candidatos do que como qualquer outra coisa.
DINHEIRO ? Na avaliação do senhor, essa antecipação eleitoral é boa ou ruim?
PLÖGER ? Seguramente não é boa. Toda campanha eleitoral não deixa de alijar o governo. Se essa campanha se acirrar muito, vamos ver o Congresso se esvaziar pois os políticos irão para suas bases fazer campanha. E em época da campanha nada de importante acontece no Congresso. Por isso, se as reformas ? seja a política, a sindical ou a trabalhista ? não forem feitas neste ano, no ano que vem é que não se realizarão. Agora, do jeito que as coisas vão, tenho dúvidas de que qualquer reforma ainda será realizada neste governo. Já se vê uma paralisia, se vê que as CPIs estão em primeiro lugar, há uma série de Medidas Provisórias que estão travando a pauta e a fila não anda. Tenho sérias dúvidas de que grandes projetos ainda tramitem nessa legislatura.
DINHEIRO ? Como o investidor vê essa crise política?
PLÖGER ? Para o investidor estrangeiro, a maior aflição até o momento é a da destruição da Floresta Amazônica. Essa notícia de que desmatamos anualmente áreas equivalentes ao tamanho de países europeus pegou muito mal lá fora. Já esse vendaval político, por conta de crises até maiores, como os exemplos da Bolívia, do Peru e da Venezuela, causa mais insegurança nesses países do que por aqui. Pelo menos, por enquanto.
DINHEIRO ? Mas nenhum investidor gosta de trabalhar com a hipótese de instabilidade, não é?
PLÖGER ? Seguramente não. É claro que muitos investidores vão reavaliar seus investimentos. Talvez alguns até retirem suas carteiras daqui. Mas, por ora, nosso susto político ainda não contagiou lá fora.
DINHEIRO ? O investidor estrangeiro já vem saindo da Bolsa de Valores desde março. Com todos esses acontecimentos políticos, esse movimento não vai se acelerar?
PLÖGER ? Na verdade, o investidor não distingue muito Argentina, Brasil e Bolívia. Para ele, é tudo a mesma coisa e só há duas divisões: o que fica acima e o que fica abaixo da linha do Equador. Toda essa insegurança generalizada faz com que o investidor estrangeiro mantenha o ritmo de saída. Não acredito que esse fluxo irá se inverter no curso prazo.
DINHEIRO ? O senhor acredita em um bom desempenho da Bolsa neste ano?
PLÖGER ? Não acredito em uma repetição do ano passado. Acho que a Bolsa vai sofrer neste ano.
DINHEIRO ? O que vai influenciar mais a Bolsa: a macroeconomia, a eleição presidencial no ano que vem ou toda essa movimentação em torno das CPIs?
PLÖGER ? O investidor olha, antes de tudo, a segurança. Se ele tem segurança sobre seus investimentos, se acha que não haverá obstrução dos canais para ele sair a qualquer minuto, o investidor não pensa em deixar a Bolsa. Se ele se sentir prejudicado de alguma forma, acontece o contrário. Um exemplo é o período do governo militar. Os americanos nunca gostaram muito de ditaduras. Mas foi uma época em que o mercado de capitais tinha total sossego porque havia a certeza de que não viria surpresas do ponto de vista político no Brasil. Aí o investidor vem. Tanto faz ser democracia, monarquia ou ditadura. O que o investidor quer é segurança. A coisa mais covarde que existe no mundo é o dinheiro. Quando há algum sinal de nuvem no horizonte, o dinheiro some rapidinho. Do lado econômico, da gestão do Palocci, não há dúvidas. Mas do lado político, a situação é muito insegura. Será que cai o Henrique Meirelles (presidente do BC)? Será que cai o José Dirceu (ministro da Casa Civil)? Isso é muito ruim porque o Banco Central é um pilar da nossa economia.
DINHEIRO ? O sr. acha que o presidente do Banco Central fica mais suscetível a pressões políticas numa hora dessas?
PLÖGER ? Todos nós somos seres humanos e temos um grau de sensibilidade. Se ele (Meirelles) não tem uma segurança absoluta de que mereça a confiança de quem o nomeou, não deixa de se abalar. Não sei quão seguro ele (Meirelles) se sente porque, pelo menos do lado da sociedade, está recebendo críticas muito grandes.
DINHEIRO ? Se tivéssemos um Banco Central independente passaríamos melhor por toda essa crise?
PLÖGER ? Acho que não. De certa maneira, o Banco Central brasileiro mostrou claramente a sua independência. Mesmo se tivéssemos um BC totalmente independente, o chumbo seria o mesmo.
DINHEIRO ? O sr. acha que alguma reforma será aprovada até o final do mandato do presidente Lula?
PLÖGER ? Reforma de porte, não. Só aquelas pseudo-reformas, como a da previdência. A reforma mais importante que deveria ser feita é a política. Do ponto de vista psicológico, o momento é ideal. Mas aí chega o político e se lembra que ele foi eleito com a regra atual. Por que ele vai mudar se não sabe que bicho vai dar? Não há clima para fazer algo de peso.
DINHEIRO ? Isso contagia a iniciativa privada? Há clima para se tocar novos projetos ou todos permanecerão engavetados?
PLÖGER ? Depende do projeto. Se for projeto de renovação, talvez o empresário até invista. Mas expansão, tenho dúvidas. A insegurança política faz com que os grandes projetos sejam engavetados. Afinal, ninguém sabe quem será o novo governo. Essa é uma grande incógnita. Nem sabemos quem são os candidatos direito. Há muita especulação, mas nenhuma segurança. Isso é um impeditivo porque não é qualquer candidato que terá o apoio da sociedade como um todo. Mas que diminuirá muito o ritmo de investimentos, não tenho a menor dúvida.
DINHEIRO ? Ano que vem teremos eleição presidencial e Copa do Mundo. Em termos econômicos, 2006 será melhor ou pior do que 2005?
PLÖGER ? Anos eleitorais são sempre complicados porque paralisam Brasília. Agora, toda essa parafernália política antecipa a paralisia no Congresso. Grandes projetos, como as reformas, não passarão.
DINHEIRO ? Por falar em 2006, como alemão de nascimento, mas brasileiro por adoção, o senhor vai torcer para o Brasil ou para a Alemanha na Copa do Mundo?
PLÖGER ? Para o Brasil, sem dúvida nenhuma. Aliás, na Copa de 2002, eu assiti à final lá na Alemanha, onde moram meus filhos. Acho que fomos a única casa que ficou contente com a vitória brasileira.