DINHEIRO ? A maioria dos empresários se queixa da valorização do real frente ao dólar e vê nisso um empecilho para as exportações. O sr. concorda com esse argumento?
JOÃO BATISTA DE PAULA
? Que o real está sobrevalorizado, está. Mas ele não é o único vilão da história. Até porque esse real valorizado tem diversos motivos. Um deles é o juro alto, que atrai o investidor, aumenta o fluxo de dólares para o País e, conseqüentemente, valoriza o real. A ponto de ter havido agora uma mudança na lei cambial, permitindo que parte dos dólares das exportações fique fora do País. Os próprios exportadores compensam um pouco essa taxa de câmbio, antecipando os dólares que recebem lá fora para aplicar no mercado de juros do Brasil e ganhar com isso. O que temos, então, é um círculo vicioso. Só pode ser parado com a redução drástica de despesas no País. Mas claro que o câmbio atrapalha, como no caso do setor calçadista, que teve sérios problemas de margem. Mas muitos contratos hoje já estão sendo renovados com aumento de preço, o que vem compensar essa taxa cambial desfavorável. Portanto, o dólar não é o único problema.

DINHEIRO ? Uma saída para ficar menos vulnerável à variação cambial não seria focar as exportações em produtos de maior valor agregado?
DE PAULA
? Sim. Aliás, essa sempre foi a aposta da SAB desde a abertura da empresa, em 1998. Acreditamos que o crescimento a médio e longo prazo do comércio exterior terá que estar apoiado em produtos de maior valor agregado. Apesar de o País ter uma meta de exportação de US$ 130 bilhões para este ano, ainda é um crescimento pequeno na comparação com outras nações. Hoje, o Brasil é responsável por 1,1% das exportações mundiais, pouco acima de 0,93% que tinha em 1980. Mal saímos do lugar. Nesses 25 anos fomos ultrapassados por outros países emergentes. México exporta 2% do total mundial, Coréia, 3% e China quase 7%.

DINHEIRO ? Por que o Brasil perdeu terreno?
DE PAULA
? O Brasil ainda está muito concentrado nas commodities, nos produtos básicos e de baixo valor agregado. Se olharmos a pauta de exportação, 55% dela é de manufaturados, mas com baixo valor agregado, como aços laminados e farelo de soja. As exceções ficam por conta da Embraer, montadoras e fabricantes de celulares.

DINHEIRO ? O que China, México e Coréia fizeram que o Brasil não fez?
DE PAULA
? Eles focaram o crescimento da economia no comércio exterior. A Coréia realizou um investimento pesadíssimo na educação, o que foi fundamental para que eles desenvolvessem produtos de alta tecnologia em segmentos que o mundo estava demandando. No caso do México, o que o impulsionou foi a entrada dele na Alca.

DINHEIRO ? E a China?
DE PAULA
? A China também está investindo pesadamente em educação. E a equação da China é clara: eles fatalmente estão a caminho de se tornar os maiores importadores de produtos básicos do mundo ? a China tem grandes dificuldades em áreas de agricultura e minério, por exemplo ? e os maiores exportadores de produtos industrializados, de alto valor agregado. E a China aprendeu rapidamente onde estão as grandes demandas do mundo em produtos manufaturados. A base da economia da China foi de pequenas empresas familiares que depois se associaram ou firmaram consórcios. É comum na China ter regiões especializadas em determinados segmentos. A China é hoje, por exemplo, o maior produtor de isqueiro do mundo e esse fenômeno surgiu de uma maneira muito rudimentar. Quando abriram a economia, os chineses começaram a viajar e traziam na volta algumas coisas na bagagem. Entre elas, os isqueiros, que empresas familiares chinesas copiaram. Hoje, a China é o maior produtor e exportador de isqueiro. Essa é a diferença entre a China e o Brasil. Os asiáticos têm foco na educação e no comércio exterior de alto valor agregado.

DINHEIRO ? Como competir com a China?
DE PAULA
? É complicado. Não devemos competir com a China, até porque eles não vão abranger toda a pauta de produtos manufaturados, que é imensa. O grande erro do País foi reconhecer a China como economia de mercado. Outro equívoco foi não ter se preparado para o final do acordo mundial de cotas no setor têxtil, em dezembro de 2005, que dava proteção à indústria nacional. Mesmo assim, acho que o Brasil tem grande potencial de crescimento na área.

DINHEIRO ? A Índia também rouba mercado do Brasil?
DE PAULA
? Não diretamente. A Índia se desenvolveu em serviços, o mais famoso deles é o de tecnologia da informação, um mercado imenso. Isso não significa que o Brasil não deva fazer o dever de casa. O País, para ser competitivo globalmente, terá de ampliar a oferta de produtos no mercado externo e se posicionar mais adequadamente nos blocos econômicos, como Mercosul e Alca. Estamos perdendo tempo em não avançar nessas negociações.

DINHEIRO ? Com o fracasso de Doha, os EUA querem retomar as conversas com o Brasil sobre a Alca. A Alca volta a ser viável?
DE PAULA
? Estamos deixando o tempo passar. O Brasil tem que ser mais flexível em certos aspectos, como na questão do subsídio dos americanos e europeus à agricultura. Precisamos separar esse ponto de ruptura para dar continuidade às negociações dos demais segmentos da economia, como o de produtos de valor agregado.

DINHEIRO ? Mas a solução é a Alca ou são os acordos bilaterais?
DE PAULA
? Ambos. Estávamos ao mesmo tempo caminhando na Alca e desenvolvendo boas negociações com a União Européia. As duas estão interrompidas. Acho que elas têm que correr paralelas. É importante uma definição mais rápida com a Alca e saber mais claramente para o que veio o Mercosul, que virou discurso político.

DINHEIRO ? A entrada da Venezuela no Mercosul politiza ainda mais o bloco? Não há o risco de um choque frontal com os EUA?
DE PAULA
? A Venezuela não prejudica o bloco, ao contrário, o fortalece, especialmente com todo o petróleo que ela tem. Economicamente, quanto mais forte o Mercosul, melhor. O que é ruim é ele estar sendo utilizado como palco político. Bloco econômico não é para fazer política, é para fazer negócio. As desavenças entre Chávez e Bush não podem estar na pauta do Mercosul. A interrupção da Alca também é ruim. A corrente de comércio do Brasil com os Estados Unidos é o dobro da que temos com o segundo parceiro, a Argentina. Não dá para desprezar.

DINHEIRO ? O sr. vê oportunidade de negócio do Brasil com Cuba se Fidel Castro sair de cena?
DE PAULA
? A curto prazo a possibilidade de negócios é irrelevante, até pelo tamanho de Cuba. Há outros mercados na frente para darmos mais atenção.

DINHEIRO ? O Brasil produz superávits comerciais todos os meses, mas o ritmo de crescimento das importações é maior que o das exportações. Isso é bom ou ruim para o País?
DE PAULA
? Na época da ditadura militar, criou-se um paradigma a partir do slogan que dizia que exportar é o que importa. Com isso, importar passou a ser ruim, feio, beirando até a ilegalidade, o que é um absurdo no conceito econômico. Importar é bom sim, principalmente na pauta que nós temos, na qual 50% do que importamos é matéria-prima que não tem equivalente nacional, como muitos produtos químicos. Outros 16% a 17 % são máquinas e equipamentos. Apenas 12% são importações de bens de consumo, que cresceram muito neste ano (38%), favorecidas pelo câmbio. Mesmo assim, não dá para dizer que está acontecendo a substituição do produto nacional.

 

DINHEIRO ? Uma pesquisa da FGV mostrou que a indústria está operando quase na sua capacidade máxima. Isso tem a ver com importação? Os empresários estão importando mais para expandir a produção?
DE PAULA
? Exatamente. Isso está acontecendo principalmente com as indústrias petroquímica, automobilística e eletrônica, com potencial de exportação muito bom. Muitas empresas estão renovando o seu parque industrial, outras estão crescendo. E isso é muito bom. A SAB exporta para 20 segmentos e todos estão crescendo.

DINHEIRO ? Quais produtos a SAB pretende exportar?
DE PAULA
? Nos próximos três anos, vamos nos concentrar em material de construção, móveis, calçados e produtos têxteis. São setores com forte potencial de aceitação nos Estados Unidos, na América Latina, no Canadá e em alguns países da Europa.

DINHEIRO ? Qual a dificuldade de colocar produtos de valor agregado no Exterior?
DE PAULA
? Temos hoje 70% das exportações feitas por 250 grandes empresas. Isso é um problema. Dos cerca de cinco milhões de pequenas e médias empresas formalmente constituídas, pouco mais de 40 mil fazem comércio exterior. Portanto, menos de 1% delas. Comércio exterior cresce com a ampliação da base. E essas empresas ainda têm pouco apoio para exportar.

DINHEIRO ? Falta atenção da Apex aos pequenos?
DE PAULA
? A Apex viabiliza projetos da metade do caminho para a frente, ou seja, financia e aprova projetos promocionais, levando empresas para feiras, rodadas de negócio. Partem do pressuposto de que as empresas que estão buscando o apoio da Apex estão prontas para ir às feiras de exposições. E aí que começa o problema. A exportação precisa de planejamento. Não dá para colocar um copo no Exterior e quando o preço dele cair a empresa suspender a venda do copo. Exportação é um trabalho de longo prazo. É preciso adequar o produto, fazer marketing. A Apex pode ajudar, aprovando o pré-projeto, prospectando mercados. A idéia é que a Apex possa financiar uma etapa que precede a feira.

DINHEIRO ? A união da Sadia e Perdigão, que acabou não acontecendo, fortaleceria o País no Exterior?
DE PAULA
? A união entre grandes empresas é um movimento mundial. Sadia e Perdigão juntas agregariam valor à marca, algo que o Brasil precisa aprender a fazer. Até porque, ao longo do tempo, é preciso agregar valor aos produtos, senão tudo vira commoditie, com preço e margem muito pequenos. A própria marca Brasil ainda está engatinhando. É preciso acordar para isso.