Rua 44 Oeste, número 27, Manhattan. Há mais de um século o sisudo prédio ali instalado virou ícone em Nova York. Os arquitetos admiram seu estilo neogeorgiano, símbolo de prestígio na virada do século 19 para o 20. A forma, porém, não se compara ao conteúdo. Boa parte da história recente dos Estados Unidos passou por ali e, literalmente, ficou marcada nas paredes do Harvard Club. No grande salão de recepções, elas são revestidas de carvalho nobre e exibem portentosos retratos de notáveis ex-alunos da elitista universidade sediada em Boston. Em um deles, aparece Theodore Roosevelt, da turma de direito de 1876, que se tornaria o 26º presidente dos Estados Unidos. No alto de outra parede, uma grande cabeça de elefante empalhada também remete a ele – o animal foi abatido por Teddy em um safári na África, após deixar a Casa Branca, em 1908. Mais um Roosevelt, este em espírito, habita a sala. Franklin Delano, o presidente 32, o homem que lançou as bases do New Deal, o plano de desenvolvimento que fez os EUA emergir de uma depressão para se tornar uma potência, viveu ali uma passagem dramática em 1941.

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“Hoje tanta gente nos procura que quase precisamos distribuir senha” – Mario Garnero, presidente do grupo Brasilinvest

Horas depois de decretar a entrada definitiva do país na Segunda Guerra Mundial, em reação ao ataque japonês a Pearl Harbor, FDR foi ao Harvard Club. Encontrou ali parentes das vítimas da Primeira Grande Guerra e explicou os motivos de sua dolorosa decisão. Saiu de lá com o primeiro apoio para uma campanha que mudaria o curso da história. O clube dos Roosevelts é também o de Barack Obama, o oitavo ex-aluno de Harvard a ocupar a Casa Branca, que busca o seu New Deal para tirar os Estados Unidos de uma nova recessão. É agora endereço de um momento histórico para um nome da elite empresarial brasileira. No mesmo austero salão, Mario Garnero, presidente do grupo Brasilinvest, reuniu na segunda-feira 26 cerca de 300 empresários, investidores e políticos para a sexta edição de seu Fórum das Américas, criado para debater as relações comerciais no continente.  

Ali, mais uma vez, investiu-se no papel de embaixador do mundo corporativo, e propagandeou o grande momento dos negócios no Brasil. “Durante anos, falávamos do País com empresários de todo o mundo, que se diziam encantados, prometiam nos visitar, mas não apareciam”, disse Garnero à DINHEIRO. “Hoje, é tanta gente a nos procurar que quase precisamos distribuir senha”, brincou. Além de falar, mostrou. Fez do evento uma plataforma para o lançamento de nada menos que 14 novos negócios do Brasilinvest em sociedade com grupos internacionais, em setores tão distintos quanto o financeiro e o de construção naval, segurança, tecnologia e turismo. Ao final do dia, recebeu um aval insuspeito. “Em qualquer cenário que se imagine para o mundo nos próximos anos, investir no Brasil é uma boa ideia”, referendou o ex-presidente americano Bill Clinton, convidado a fazer o discurso de encerramento do Fórum. 

 

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Michel Temer: na abertura do evento, o vice-presidente disse que o Brasil vai tirar mais 16 milhões de pessoas da pobreza 

 

Detalhe: para ouvir Clinton, a plateia teve de caminhar até o não menos tradicional, reservado e elitista Yacht Club de Nova York, vizinho ao Harvard Club, já com outro evento previsto para o horário que o presidente tinha disponível. “Fizemos uma deferência ao senhor”, disse Garnero, ao cumprimentar o convidado ilustre. “Não forçaríamos um presidente formado em Yale a falar em Harvard.” O Brazilian Day corporativo em Nova York teve vendedores e compradores debatendo em torno da ideia de que o País pode liderar a nova economia verde. O primeiro time foi capitaneado pelo vice-presidente da República, Michel Temer, que abriu o Fórum com um balanço dos avanços econômicos, ambientais e sociais que tornam o Brasil tão atrativo a novos investimentos. “Já fizemos muito, mas ainda temos de tirar 16 milhões de brasileiros da situação de pobreza”, afirmou Temer. “É o compromisso que assumimos para os próximos anos.” 

 

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Bill Clinton: no encerramento do Fórum, decretou: “Em qualquer cenário, investir no Brasil é uma boa ideia” 

 

Na mesma ala estavam o governador do Acre, Tião Viana, e representantes dos Estados de Pernambuco e Goiás. A mensagem repercutiu bem no escrete dos investidores. “Estou entusiasmado”, disse Jim Dondero, fundador do Highland Capital, um fundo de investimento de US$ 25 bilhões, com sede no Texas e apetite global. “O Brasil tem crescido de forma mais orquestrada e conservadora que a maior parte dos emergentes. Isso o coloca numa posição privilegiada para o presente e o futuro.” O Highland já definiu o que quer do Brasil. Destinou US$ 2 bilhões para o País e forma, assim, a maior das joint ventures anunciadas pelo Brasilinvest. “Vamos atuar no mercado de crédito, financiando o crescimento de empresas brasileiras”, adiantou Garnero. Recursos para a área financeira virão também de Mônaco. 

 

O brasileiro uniu-se à família Braggiotti, que administra 2,5 bilhões de euros em ativos a partir do principado, na criação da BIM (Brasilinvest Monaco Asset Allocation), “um centro de coordenação para investimentos no Brasil”, na definição de Garnero. Além disso, o empresário está no centro de uma operação de US$ 400 milhões para financiar a compra, pela companhia aérea brasileira Azul, de 20 a 30 aviões da ATR, uma sociedade da Airbus com a italiana Finmeccanica. Para o negócio, que envolve aeronaves de 70 lugares destinadas à aviação regional, foi criada uma sociedade com fins específicos. Outros US$ 104 milhões já foram levantados para a Teka Capital, gestora de recursos em parceria com a família Santo Domingo, uma das mais ricas da Colômbia, para financiar empresas interessadas em negócios nos dois países.

 

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Garnero e os novos sócios: negócios em vários países e setores

 

Os contatos internacionais da família Garnero superam barreiras diplomáticas e econômicas. Mesmo com a anunciada indisposição dos italianos com o Brasil em função da não extradição do ex-guerrilheiro Cesare Battisti, Mario Garnero levou ao Fórum o ministro do Meio Ambiente da Itália, Corrado Clini. “O caso Battisti tem implicações políticas, mas não afetará as parcerias dos dois países em outras áreas”, disse Clini à DINHEIRO. Uma das principais delas envolve o governo italiano, o Fórum das Américas, o banco Mundial e a Petrobras, através de um protocolo que visa a divulgação das técnicas brasileiras para a criação de produtos verdes e, sobretudo, a difusão do etanol para países africanos e sua transformação em uma commoditie global. Já da Grécia, que enfrenta dificuldades econômicas, o interesse é nas riquezas do pré-sal. Juntamente com o armador Victor Restis, dono de uma frota de 140 navios, o Brasilinvest formará a Golden Energy do Brasil e investirá até US$ 2 bilhões na construção de um estaleiro no Brasil. 

 

Restis já esteve em Maricá, no litoral fluminense, em prospecções para definir onde ancorará os recursos, que visam à produção de navios-tanque destinados à exportação de petróleo brasileiro. A primeira embarcação deve ser lançada em três anos.

Maior empresa brasileira e uma gigante global do setor de energia, a Petrobras é a menina dos olhos de muitos investidores estrangeiros que passam pelo escritório de Garnero em São Paulo. Alguns deles já se associaram ao empresário e pretendem trazer ao Brasil tecnologias inovadoras. A inglesa Natural Scientific, por exemplo, atuará na apropriação do CO2 emitido na produção do etanol e sua conversão em biocombustíveis. A francesa IPulse tem conhecimento e interesse no aprimoramento da exploração de mais de 2 mil poços maduros da estatal brasileira. 

 

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No salão do Harvard Club, Roosevelt, o homem do New Deal, conseguiu o primeiro apoio para a campanha da Segunda Guerra Mundial

 

A família real da Arábia Saudita, por sua vez, será sócia da Petrobras na Modern Mining, empresa que transformará o coque que sai das refinarias brasileiras em coque verde destinado a uma megafábrica árabe de alumínio. Outro que pretende atrair a atenção da Petrobras é Michael Han, sócio da americana Envion e dono de uma tecnologia com potencial revolucionário: a transformação de plástico coletado em lixões em nafta, matéria-prima para a petroquímica. “Com uma tonelada de plástico não tratado conseguimos produzir de cinco a seis barris de óleo refinado”, disse Han à DINHEIRO. “E o custo é de apenas seis dólares por barril.” A alquimia reversa da Envion é tão promissora que fez com que a empresa, que se prepara para operar em escala comercial, fosse avaliada em US$ 23 bilhões pelo banco Goldman Sachs. “Com a tendência de queda da produção de petróleo no mundo, podemos equilibrar a oferta do produto a partir do gerenciamento dos lixões.” 

 

Atualmente, o Brasil, que produz quase 300 milhões de toneladas de plástico por ano, recicla menos de 4% desse total. Outra riqueza que atrai investimentos no Brasil é a que vem a reboque dos grandes eventos, como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Fundada por Joseph Hagin, chefe de segurança da Casa Branca na época do ataque às torres do World Trade Center, em 2001, a americana Command Consulting associou-se, por intermédio do Brasilinvest, à brasileira Provise para trazer ao País sua expertise em inteligência e tecnologia no setor. “Os grandes eventos são, de fato, uma ótima oportunidade”, afirmou Alberto Khzouz, diretor da Provise. “Mas, além deles, temos no Brasil um mercado de R$ 20 bilhões, que ainda é dominado pela informalidade e que precisa se profissionalizar”. 

 

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Dondero, do Highland: capital: “O Brasil cresce de forma mais orquestrada e conservadora que os demais emergentes” 

 

Do Vale do Silício, no Estado americano da Califórnia, a Netsol, especializada em tecnologias digitais para o mercado financeiro, olha para o mercado brasileiro focada na produção de software para a administração de créditos a receber. Com a Workhouse, voltada à descoberta de start-ups promissoras, a parceria com o Brasilinvest é para trazer fundos e novas tecnologias de lá para o País. “O Brasil tem de ser um dos novos pilares globais para sustentar a construção de uma nova internet”, afirma Carlos Moreira, que, apesar do nome é suíço e, de Genebra, comanda a Wisekey, que produz tecnologia para segurança de dados e informação na internet, agora também sócia do grupo de Garnero. 

 

“Não há país mais preparado para liderar a nova economia verde.” Mesmo com turbulências globais no horizonte, as previsões são de que dólares, petrodólares, euros e outras moedas sigam a corrente positiva apontada por Bill Clinton. “Vivemos num mundo muito desigual, mas hoje posso dizer que o Brasil é até menos desigual do que os Estados Unidos”, disse o ex-presidente. “Como todo mundo, vocês têm desafios. Mas os desafios brasileiros hoje são bem mais fáceis de administrar.” A cada frase como essa, o sorriso e a confiança de Garnero, de que a sede do Brasilinvest continuará movimentada, aumentam.

 

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Enviado especial a Nova York