09/11/2005 - 8:00
Eles eram Silvas comuns. Levavam vidas humildes, enfrentavam dificuldades financeiras e até se divertiam. Hoje, três anos depois da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, a vida virou para os irmãos e parentes mais próximos do presidente. Para pior. Ao se tornarem os Lula da Silva, saíram do anonimato e passaram a sentir, um a um, todos os ônus da fama. Tornaram-se alvo de assédio. Da solução de encrencas com a Receita Federal à liberação de cargas silvestres nas delegacias do Ibama, eles têm sido chamados para resolver quase tudo. A procura despertou suspeitas. A família começou a ser monitorada de perto. Plantões de vigilância se ergueram diante de suas casas, amigos têm sido procurados para dedurar seus movimentos e abordagens ríspidas se sucederam. Sob os estilhaços da crise que balança o governo do irmão famoso, os Silva sucumbiram. Mortes, doenças e aflições econômicas invadiram o seu dia-a-dia. Eles que acreditaram estar a um passo do paraíso quando Lula se elegeu presidente, se descobriram dentro de um pesadelo sem data para terminar. ?Nossa vida virou um inferno de angústia e depressão?, desabafa Frei Chico, o irmão que levou Lula para o sindicalismo e guiou os primeiros passos de sua carreira. ?Estamos sendo perseguidos?.
O mais recente golpe na vida da família teve como alvo Genival Inácio da Silva, o Vavá. Ex-metalúrgico, conhecido em São Bernardo como um homem bem humorado que costuma prestar serviços comunitários, ele foi acusado de fazer lobby a favor de um empresário português. A visita dele com o empresário ao Palácio do Planalto ganhou tintas de escândalo. Seu minúsculo escritório, que divide com um advogado, teve o lixo remexido e documentos roubados. Para Vavá, que vive com os rendimentos de sua aposentadoria, o resultado do cerco foi uma crise de hipertensão e uma operação, semanas atrás, para a retirada das veias safenas, na qual teve uma parada cardíaca. Hoje, está com noventa pontos em cada uma das pernas. Seu primo-irmão João Florêncio, encarregado de montar um memorial para Lula em Garanhuns, acaba de falecer, fulminado por um enfarte. A família sustenta que o principal motivo foi o abatimento provocado pela situação em que se encontra o presidente, a quem Florêncio era muito ligado.
Na periferia de São Paulo, mais um Lula da Silva, a irmã caçula do presidente, não consegue realizar seu único sonho. Ruth quer fazer um muro à volta de sua casa humilde, para proteger a si, ao marido e à única filha, mas não consegue comprar tijolos e cimento com o salário de R$ 452,32 de agente escolar numa escola municipal. Conhecida na família como Tiana, começou o governo do irmão na posição de auxiliar de merendeira, com a tarefa de lavar panelas. Com uma tendinite provada pelo esforço repetitivo, foi transferida para a limpeza de salas. Ela não se lamenta. ?Tenho pena é do Lula?, diz. ?Ele sim está segurando uma barra pesada que pouca gente agüentaria?. Perto de sua casa mora o irmão Jaime. Aos 68 anos, ele também não consegue juntar o dinheiro suficiente para construir um cômodo sobre a laje. Com problemas nas articulações das pernas, sem plano privado de saúde, ele se levanta todos os dias às cinco da manhã para trabalhar numa metalúrgica. Recebe três salários mínimos por mês. Maria Moreno da Silva, a irmã do presidente conhecida como Maria Baixinha, igualmente enfrenta um destino duro. Depois da morte do marido, abatido pelo câncer dois anos atrás, deprimiu-se e descontrolou-se na alimentação. Na sexta-feira 4, Maria foi submetida a uma delicada operação no intestino. Até a véspera, nenhum dos irmãos havia conseguido dar a notícia ao presidente.
No assédio ao qual tem sido submetidos, os irmãos Frei Chico e Vavá já se sentiram como agências ambulantes de empregos. Conhecidos em São Bernardo e São Caetano, eles vinham sendo parados nas ruas por desconhecidos com currículos debaixo do braço. No momento, Vavá não tem saído de casa, mas Frei Chico, que voltou a andar recentemente após ter sofrido um enfarte que inutilizou suas duas pontes de safena, já volta a sofrer marcação sob pressão. Na terça-feira 1, foi procurado por um amigo que teve um caminhão apreendido numa estrada com uma carga ilegal de passarinhos. ?É incrível que a esta altura alguém ache que mande alguma coisa?, irrita-se ele. Para barrar qualquer possibilidade, o próprio Lula determinou, no início da gestão, que nenhuma autarquia ou ministério atendesse pedidos chegados com a chancela de familiares. Pelo que se vê, fora da máquina administrativa muita gente não acredita que os Silva não têm super-poderes.
O certo é que os irmãos nunca estiveram tão distantes de Lula como agora. ?Para visitar meu pai, meu tio precisou chegar aqui de madrugada, praticamente em segredo?, conta a sobrinha Andréa, a respeito da rápida visita que o presidente fez ao irmão Vavá, em recuperação da retirada das safenas. Na outra direção, os irmãos também não podem ir normalmente à Brasília. No aniversário de Lula, em 27 de outubro, o máximo que eles conseguiram foi dar um rápido telefonema de cumprimentos. Em parte, falta convite. A primeira-dama Marisa prefere ver Lula mais na companhia dos parentes dela do que entre os irmãos. Também falta dinheiro. Cada vez que um deles precisa viajar, uma rede de velhos amigos têm de ser mobilizada para arrumar o dinheiro das passagens. Igualmente falta disposição. Na última vez que foi à capital, três meses atrás, Frei Chico teve seus passos acompanhados de perto. Decidiu-se em família que, daqui para a frente, Brasília está riscada do mapa dos Silva. ?A abordagem da imprensa sobre os irmãos e o próprio Lula tem muito de preconceito de classe?, julga a historiadora Denise Paraná, autora da única biografia do presidente ? O Filho do Brasil. ?O respeito e o cuidado que existe com a elite não se manifesta em relação a eles. A aproximação é no mais das vezes virulenta?.
Em Garanhuns, onde vivem dezenas de aparentados do presidente, o fenômeno da fama se manifesta de maneira inversa. ?Entre as 30 mil pessoas que vivem na cidade, temos 60 mil primos?, diz Vavá. Ele se refere ao fato de que, ali, muita gente que não tem nenhuma relação com a família gosta de se apresentar como parente. Não é o caso dos agricultores Antonio e Gilberto Ferreira. Eles são filhos de Sérgio, irmão da mãe do presidente, dona Lindu. Assim como no início do governo, eles mantêm o mesmo modo de vida, morando em casinhas humildes, madrugando para roçar e tendo como maior divertimento a ida aos pequenos bares da cidade. ?O que era para Lula ter feito em relação à sua família? Nepotismo??, pergunta o advogado trabalhista João José Sady. ?Ao deixar que a vida deles seguisse o curso natural, o presidente dá uma prova de comportamento exemplar?. Não há queixas entre os irmãos de que foram abandonados. Reconhecem que, quando pode, Lula procura ter notícias da família. O problema é que esse contato está cada vez mais espaçado. A distância entre breves telefonemas têm durado meses. Não há previsão de quando eles o verão novamente. No Natal? Dificilmente, em razão do hábito de o presidente passar a data com os filhos e a mulher. Quando, então? ?Quando Deus quiser?, diz a irmã Ruth.
![]() | |||
![]() | |||
“Não posso chegar perto do meu irmão”
|