Imagine dois jogadores da mesma equipe que se conhecem minutos antes da decisão e fazem uma grande partida. Jogam entrosados como se formassem uma dupla há anos. De certa forma, foi isso que aconteceu com Antônio Palocci e Henrique Meirelles, as duas principais estrelas da equipe econômica. Os dois tiveram o primeiro encontro
a apenas 20 dias da posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, durante uma viagem a Washington. Conversaram no avião e selaram, em pleno vôo, um laço de amizade e confiança. E numa orquestra ministerial que muitas vezes desafinou, o duo da estabilidade não saiu da linha em momento algum. A política fiscal colocada em prática na Fazenda, por Palocci, e a política monetária do Banco Central, conduzida por Meirelles, garantiram o maior feito
do governo Lula em 2003: a reconquista da estabilidade monetária, que, no início do ano, parecia perdida. ?Os dois atuaram com ex-
trema precisão e competência?, disse à DINHEIRO Márcio Cypriano, presidente do Bradesco.

Para quem não se lembra, vale a pena refrescar a memória com alguns números. Em janeiro, o risco Brasil era próximo a 2.500 pontos. Indicava claramente que a percepção dos investidores em relação ao Brasil indicava um caminho de moratória e reestruturação da dívida, semelhante ao da Argentina. O crédito externo para as empresas brasileiras havia secado completamente. Ao mesmo tempo, os índices de preços, anualizados, apontavam para uma taxa entre 30% e 40% ? havia pressões generalizadas, mesmo dentro do PT, para que o governo tivesse maior tolerância em relação à volta da inflação, o
que muitos consideravam inevitável. O final da história, porém, foi bastante diferente. Decorridos 12 meses, o risco recuou para a ca-
sa dos 500 pontos ? o menor desde 1998 ? e a inflação voltou para perto dos 6% ao ano. Houve custos? Sim, 2003 foi um ano de crescimento perto de zero. Mas ninguém duvida de que o ano teria sido muito pior se, além da estagnação, tivesse havido calote e inflação. ?Com o risco Brasil e a inflação nos níveis em que estavam, não vejo que outro tipo de política econômica poderia ter sido adotada?, reforça Pedro Moreira Salles, presidente do Unibanco. E nem só de banqueiros a dupla colheu elogios. Abílio Diniz, capitão
do Pão de Açúcar, encontrou na dobradinha Palocci-Meirelles a
prova cabal de que Deus é mesmo brasileiro.

Alguns dirão que o quadro de instabilidade econômica encontrado no início de 2003 era fruto do medo dos agentes econômicos em relação ao que o PT faria no governo. Outros apontarão a ?herança maldita?, deixada pela gestão Fernando Henrique Cardoso. Não importa. A bomba precisava ser desarmada ? e foi. De um lado, Palocci elevou a meta de superávit primário nas contas públicas de 3,75% para 4,25% do PIB, o que ajudou a estabilizar a dívida pública. Meirelles subiu os juros de 26% para 26,5%, segurou a taxa enquanto muitos clamavam por uma flexibilização e depois iniciou um movimento de queda gradual, que a trouxe para o menor nível de todo o Plano Real. Um nível ainda alto, próximo a 10% em termos reais, mas louvável diante do que se fez no passado nas gestões de Gustavo Loyola, Gustavo Franco, Francisco Lopes e mesmo Armínio Fraga à frente do BC. Além disso, Meirelles, diferentemente de seus antecessores, atacou um outro problema central da política econômica: a dívida cambial. O estoque de títulos corrigidos pelo dólar caiu de 40%
para 20% do total em doze meses ? ao longo de 2002, sempre que havia vencimentos desses papéis, os tubarões do mercado puxa-
vam a cotação do dólar de modo a obter um rendimento maior.
?O fim da dívida cambial é um dos pontos que mais contribuiu para tornar o País menos vulnerável?, elogia o economista Luciano Coutinho, da LCA Consultores. E a meta de Palocci e Meirelles,
mesmo que eles não a alardeiem aos quatro ventos, é zerar o
estoque de papéis corrigidos pelo dólar.

Ao mesmo tempo em que adotaram uma estratégia clara e transparente aos olhos dos investidores, os timoneiros da Fazenda e do BC desenvolveram uma relação pessoal de grande cumplicidade. Meirelles, um homem dado a usar metáforas, vive a repetir as de autoria do ?Dr. Palocci?, todas derivadas da medicina. Uma das preferidas é a do paciente que vai ao médico, é receitado a tomar antibióticos e, logo que começa a melhorar, abandona o tratamento. Como o doença ainda não está totalmente vencida, volta com intensidade ainda maior. E é assim, para evitar uma recaída da economia brasileira, que ele justifica a política gradualista de redução de juros adotada pelo BC. Palocci, por sua vez, também não se cansa de exaltar as qualidades de Meirelles, especialmente o bom humor e a frieza diante das situações mais delicadas. Talvez por isso o brasileiro não tenha sido surpreendido ao longo de 2003 com socos no estômago. Foi um ano sem volatilidade cambial e sem trapalhadas, como por exemplo o desastre de 2002 da marcação ao mercado, quando uma mudança de regras do BC fez com que muitos investidores perdessem um bom dinheiro. ?Palocci e Meirelles são o que de melhor o governo Lula produziu?, elogia o consultor e ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega.