NESTE ANO, O NATAL DE EDGAR GARCIA PROmete ser mais farto. Para sua alegria, apesar da crise, a compra de eletroeletrônicos no País deve continuar batendo recordes. Até o final do ano, o segmento de informática deverá faturar R$ 35,8 bilhões, 14% a mais do que no mesmo período de 2007, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Ao contrário do que se pode imaginar, o homem que aparece sorridente na foto ao lado não é dono de nenhuma empresa de tecnologia. O sustento de sua família, na verdade, vem do lixo eletrônico. Proprietário da Ativa Reciclagem, mensalmente ele descontamina e transforma de cinco a oito toneladas de sucata de informática em matéria-prima. “Percebi que o mercado de equipamentos obsoletos carecia de empresas que pudessem dar um fim aos resíduos perigosos”, conta Garcia, que há um ano atua nesse segmento. Assim como ele, uma legião de pessoas descobriu no descarte de equipamentos tecnológicos um rentável negócio.

Em 2007, foram comercializados no País 10,5 milhões de computadores e, segundo a Abinee, o crescimento estimado das vendas para este ano é de 28%. Hoje, o Brasil contribui com apenas 1% dos 50 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos, também chamado de e-lixo, gerados anualmente no mundo. Mas, levando em consideração que até 2010 o País poderá ocupar o terceiro lugar no ranking mundial de venda de computadores, esse volume deve aumentar sensivelmente. Isso porque o tempo médio de troca de computadores residenciais por aqui tem sido de menos de quatro anos, e o de celulares, de dois anos. Grande parte desses equipamentos descartados vai parar em lojas como as da rua Santa Ifigênia e dos Andradas, no centro de São Paulo. A região se tornou um reduto de equipamentos de segunda mão. No ano passado, as lojas Z11 Informática a Z9 Computadores, que fazem parte da holding Cobra Informática, comercializaram quase dois milhões de itens usados. “Detemos 23% do market share de material de informática de segunda mão”, comemora Hernando Dias, sócio da holding. Os fornecedores de Dias são, em sua maioria, fabricantes como Positivo, Dell, IBM e HP. Sua empresa compra lotes de equipamentos fora de uso ou de baixa performance, linhas descontinuadas e sobras de produção. Sucatas encontradas na rua também são aproveitadas. Na Cobra Informática, os equipamentos que têm conserto são reparados e posteriormente vendidos nas lojas do centro. Quando não podem ser consertados, o destino é a reciclagem. Tubos de imagem e materiais perigosos são vendidos para a Ativa Reciclagem. Baterias e pilhas são transferidas para reciclagens especializadas. O restante é transformado pela própria Cobra e vendido para companhias como Gerdau e Usiminas. “Nada é perdido”, afirma Dias. Uma empresa como a dele chega a faturar, em média, R$ 500 mil anualmente.

AS FASES DA RECICLAGEM

1 – Coleta de material Maioria do e-lixo vem dos próprios fabricantes de PCs

2 – Desmontagem Separação de componentes. Materiais perigosos exigem empresas especializadas

3 – Tubos de imagem Separação dos dois tipos de vidro: o do painel e o outro com componentes de chumbo

4 – Moagem O vidro é tratado e moído antes de ser vendido como matéria-prima

5 – CPU Separação da carcaça e dos cabos e fontes de alimentação

6 – Placas-mãe O Brasil não dispõe de tecnologia para reciclar placas de componentes. A peça é exportada para a Ásia

Há um ano, o presidente Lula também descobriu vantagem no e-lixo. O governo criou o Centro de Recondicionamento de Computadores, destinado a reciclar equipamentos procedentes de doação e encaminhá- los a projetos de inclusão digital. Grande parte das máquinas usadas é procedente de empresas públicas como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Por ano, as duas instituições costumam descartar aproximadamente 70 mil computadores.

O grande desafio do setor, no entanto, é a falta de regulamentação e de conhecimento por parte da população. Apesar de signatário das convenções que regulamentam a comercialização de lixo eletrônico, o Brasil não tem uma política nacional de resíduos sólidos – há uma expectativa de que um projeto de lei seja aprovado no primeiro semestre de 2009. A maioria dos produtos ainda não dispõe de leis específicas para tratamento. Resíduos tóxicos, como monitores e reatores, são descartados como sucata. “O usuário doméstico fica sem opção e acaba jogando o produto no lixo comum”, acrescenta Garcia, da Ativa. O que não é reaproveitado, como vidro, chumbo e fósforo, vai parar no aterro sanitário. No Brasil, ainda é pequeno o número de empresas que dão um destino sustentável ao e-lixo. Como o País ainda não dispõe de equipamentos necessários para a reciclagem de placas de componentes eletrônicos, as peças têm de ser exportadas para a Ásia. “Além disso, há um grande descompromisso dos fabricantes sobre o produto a ser descartado”, conta Garcia. Para ele, as empresas deveriam informar melhor seus clientes sobre o destino correto do equipamento pós-uso.

PLANTAÇÃO DE ELETRÔNICOS
Reciclagem de sucata de informática vira meio de subsistência de cidade do litoral da China

Apequena cidade de Guiyu, do litoral chinês, decidiu abandonar o cultivo de arroz, para se dedicar exclusivamente à reciclagem do lixo eletrônico. A atividade se mostrou mais lucrativa do que o antigo meio de subsistência da região. A situação do vilarejo se repete em muitas outras províncias do país, que é o destino de mais de 70% dos resíduos eletrônicos do planeta. Entre as montanhas de teclados, cabos e placas jogadas pela cidade, a maior parte dos 150 mil moradores de Guiyu, de certa forma, vive em função das sucatas eletrônicas, altamente tóxicas, sem nenhuma proteção. Cada zona da cidade se especializou num tipo de sucata. Um bairro é destinado ao aproveitamento da tinta de cartuchos de impressão, em outros manuseiam-se carcaças de PCs. Placas dos computadores são comercializadas na periferia e processadores e chips, no centro. Com a venda do cobre, plástico, ouro e aço encontrados, chegam a ganhar de US$ 2 a US$ 3 por hora. Em contrapartida, cerca de 80% das crianças já apresentam um alto nível de chumbo no sangue. Com o solo todo contaminado, já não é mais possível encontrar água potável em até 50 quilômetros ao redor da cidade. Em 1994, a Convenção de Basiléia, assinada por quase todos os países desenvolvidos, exceto pelos Estados Unidos, proibiu a exportação de resíduos perigosos dos países ricos aos pobres. Apesar disso, as regras não são respeitadas e o comércio ilegal continua a céu aberto.