DINHEIRO – É mais fácil fazer negócios na internet atualmente que há uma década?
MARCELO LACERDA – Depois da bolha na internet, as empresas sérias deram graças a Deus. Começou um tempo de racionalidade econômica na rede e as empresas colocaram os pés no chão. É ótimo quando um empreendedor é, economicamente dizendo, um conservador. Por isso o Terra é uma potência, com 60% do mercado de banda larga no Brasil. A audiência do Terra hoje, em dias da semana, supera a dos portais do Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, juntos.

DINHEIRO – De onde virá a receita para os provedores no futuro?
LACERDA – A longo prazo não dá para saber, porque boa parte da receita de hoje vem da venda de pacotes que incluem também serviços de telefonia. As pessoas entendem que não precisam pagar por conteúdo, e sim por telecomunicação. Mas acho que esse modelo não vai sustentar os grandes portais por muito tempo.

Por outro lado, os portais brasileiros são queridos do público. Acho que, se eles entregarem um conteúdo de qualidade para as pessoas, vão poder cobrar por isso.

DINHEIRO – O que o sr. acha do acesso livre na internet?
LACERDA – Acho uma palhaçada. Só existe internet gratuita no Brasil por uma falha na privatização, que é a taxa de conexão. Eu nunca entendi qual é o conceito por trás do “acesso livre”, porque no final das contas o consumidor vai acabar pagando, seja na tarifa telefônica ou de outra forma. Existem pessoas que afirmam com convicção que ninguém mais paga por conteúdo. Acho errado. O que não podemos deixar é que o criador de conteúdo controle a distribuição, para que não existam restrições sobre o poder de escolha do usuário final.

DINHEIRO – Qual a sua previsão para os próximos anos na internet?
LACERDA –
Em três anos, muita coisa vai mudar, mais do que nos anos anteriores. Teremos uma televisão que nascerá da internet. As novas gerações não têm paciência para sentar em frente à televisão para assistir a um jornal. Não estou decretando o fim dos veículos de comunicação. Cada vez mais teremos múltiplas fontes para nos informar. A informação na internet será uma mistura de televisão com textos analíticos. Não é à toa que as assinaturas de jornais nos EUA estão caindo pelo quinto ano consecutivo.

DINHEIRO – Qual a sua análise sobre inclusão digital?
LACERDA – Não existe inclusão digital se não houver inclusão social e econômica para a população de menor poder aquisitivo. A banda larga vai chegar até essas pessoas, pois não haverá como manter o preço muito alto. Quando as crianças mais carentes tiverem esse acesso, aí teremos, de fato, uma revolução.

DINHEIRO – Por que o sr. saiu do Terra?
LACERDA – Na minha fase final no Terra, a empresa encontrava- se mais voltada para a gestão do que para a criação. Eu me considero um criador. Sempre tive mais um interesse intelectual. Outro motivo foi que resolvi dedicar mais tempo para a minha família.

DINHEIRO – Depois de sua saída do Terra, o sr. passou por um período de reclusão, sem dar entrevistas. Por quê?
LACERDA – Eu tinha muita visibilidade no Terra. Tive meus 15 minutos de fama e não gostei. Parei de dar entrevistas porque pagava um preço alto demais. Meu celular virou um objeto público, no qual ligavam senadores, artistas e outras pessoas pedindo favores que eu não poderia atender.

DINHEIRO – O sr. tem planos para um novo projeto na internet?
LACERDA – Eu e o Sérgio Pretto, meu sócio na época do Terra, estamos atentos com a história da Web TV. Nos últimos três anos, estamos estudando profundamente a convergência da internet com a televisão e a mídia. Nos próximos anos, lançaremos um projeto nesse sentido. Estamos na véspera de uma nova revolução.

Mas meu próximo empreendimento será menos turbulento do que o Terra.

DINHEIRO – Em um artigo no The Wall Street Journal, o sr. foi chamado de “Bill Gates brasileiro”. Qual a imagem que o sr. tem do personagem Marcelo Lacerda?
LACERDA – Não comparo o Marcelo Lacerda da época do ZAZ com o Marcelo Lacerda na vida pessoal. O primeiro se tornou conhecido porque trabalhou com pessoas mais competentes do que ele. Sempre fui mais um integrador de planos e idéias do que um técnico e, por isso, fui a parte visível dos meus projetos. A vida não me deu tempo para auto-elogios.

DINHEIRO – O sr. tem algum ídolo?
LACERDA – Sim. Na década de 70, quando estava nos EUA, havia um sujeito que eu admirava muito. É o Steve Jobs. Certa vez fui a uma cafeteria que ele freqüentava todos os dias. Era a chance para trocar algumas palavras com o meu ídolo. Acontece que, quando eu cheguei perto dele, não saiu uma palavra da minha boca. Deu tudo errado.

DINHEIRO – Qual o foi o maior benefício da internet para os cidadãos comuns?
LACERDA – Você se imagina sem usar e-mail? Ninguém se imagina. O e-mail organizou o trabalho das pessoas, os compromissos e contatos e as ligou facilmente com o resto do mundo. É a maior revolução na comunicação até hoje.

DINHEIRO – Como começou o seu trabalho na internet?
LACERDA – Eu trabalhava em uma empresa de software lá de Porto Alegre, a Edisa, em um projeto para a Embraer. Este projeto era feito parte no Brasil e parte na Itália. De fora do país, eu lia nos jornais que havia um tal de Plano Cruzado e um tal de presidente Sarney, que seriam bons para quem quisesse ser um empreendedor no país. Esse era o cenário do momento em que surgiu a Nutec, em 1987, que depois virou o ZAZ e depois o Terra. Para mim e para o meu parceiro, Sérgio Pretto, foi tudo muito natural. A lei de reserva de mercado de informática, na década de 80, teve aspectos bons. Essa lei marcou toda a minha geração, que ficou atenta ao desenvolvimento de softwares e hardwares. Eu já usava um sistema interno de correio eletrônico dentro da Edisa e sempre pensava: “Como as pessoas sobrevivem sem um instrumento como esse?”

DINHEIRO – Qual foi o seu primeiro passo para criar um canal de comunicação na web?
LACERDA – O embrião de tudo foi o sistema de correio comercial, o Nutec, que desenvolvemos somente para empresas em 1988. O início foi difícil. Certa vez, fui visitar uma grande empresa e um executivo me disse:

“Marcelo, acabei de comprar uma nova central telefônica. Por que vou ficar escrevendo mensagens?” Este é só um exemplo de que as pessoas, naquela época, não percebiam o conceito por trás de um e-mail. Era um outro mundo e o correio eletrônico, paradoxalmente, significava um retrocesso.

DINHEIRO – E como foi o “pulo” para lançar a internet para usuários comuns?
LACERDA – Quando começou a discussão de internet no Brasil, em 1993, o Tadao Takahashi, então presidente da RNP (Rede Nacional de Pesquisa), fez a pedido do governo federal, uma cartilha de como montar um provedor na internet. Era uma época em que muita gente queria montar provedores de acesso à rede. A maior parte das informações dessa cartilha foi feita pela Nutec. Era um manual que explicava passo à passo.

DINHEIRO – Qual o fator determinante para o desenvolvimento da internet no País?
LACERDA – Foi a privatização do sistema de telecomunicações. Não tenho dúvida disso. Foi justamente quando o então ministro das comunicações, Sérgio Motta, um dos homens mais brilhantes que já conheci, disse que o nosso sistema de telefonia não funcionava bem. Hoje ninguém se lembra que antes as pessoas declaravam linha telefônica como parte do patrimônio. Era um absurdo. Com a privatização, os provedores já nasceram nas mãos das companhias privadas. Graças ao ministro Motta, eu e o Sérgio Pretto entendemos que era hora de investir na área.

DINHEIRO – E como foi a idéia de compartilhar conteúdo jornalístico no portal?
LACERDA – Percebemos que o maior insumo na internet seria a informação. O passo seguinte foi atrair grupos de imprensa para compor o conteúdo do Nutecnet. Tínhamos 18 grupos de mídia, entre eles Correio Brasiliense e Rede Globo, que mantinham o conteúdo de notícias no portal.

DINHEIRO – E o ZAZ?
LACERDA – O ZAZ surgiu quando a RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação) comprou parte da Nutecnet. O ZAZ acabou superando as expectativas da RBS. Ficamos grandes demais para a empresa. Em 1998, já éramos o segundo provedor no país. Tínhamos uma redação com 70 jornalistas e mais 200 funcionários. Foi então que a direção da RBS disse que precisávamos de um sócio investidor. Muito grupos já estavam interessados no ZAZ e a concorrência para a compra era grande.

DINHEIRO – Como foi o processo de venda para a Telefônica?
LACERDA – Não queríamos simplesmente vender a empresa. Nossa vontade era levar o ZAZ para outro patamar. Mas aconteceu um “desastre”. Houve um grande desentendimento na privatização do sistema Telebrás. Nesse processo, a RBS, um dos players da privatização no sul do país, se desentendeu com a Telefônica, que era a sua parceira na região. A negociação do ZAZ foi feita justamente nesse cenário bastante confuso. A Telefônica acabou entrando como sócia no ZAZ, no meio da briga que travava com a RBS. Nós estávamos no meio dessa confusão, esperneando e dizendo: “Vão brigar lá fora, porque aqui estamos tentando construir uma empresa milionária.” Com isso, a RBS saiu do negócio, embora tivesse interesse nele.

DINHEIRO – Qual o valor de mercado do ZAZ nessa época?
LACERDA – Quando fizemos o IPO em 2000 nossa ação chegou a valer US$ 135. O Terra tinha um valor de mais de US$ 30 bilhões. Mas não faz sentido falar de números, pois a internet nesse tempo não era como hoje.