DINHEIRO ? Quem está colocando dinheiro novo na indústria paulista, quais são a origem e o destino desse capital?
Carlos Eduardo Silveira ? Das indústrias pesquisadas, 46% são multinacionais, 38% joint ventures e 16% têm capital nacional. Estas empresas confirmaram a realização de investimentos de US$ 8 bilhões, a metade feita com capital estrangeiro e a outra com capital nacional e extraído do próprio lucro das multinacionais instaladas aqui. A maior parte deste dinheiro está servindo para a reestruturação de plantas industriais, a inclusão de novos produtos nas linhas de produção e expansão de produtividade, pela aquisição de máquinas mais modernas e mais velozes. O volume de recursos destinados à feitura de novas plantas industriais é pequeno. Apenas 20% dos recursos estão sendo gastos em obras. Essas informações confirmam um lento crescimento econômico. As empresas se preparam para reduzir custos e melhorar qualidade, não para se expandirem.

DINHEIRO ? Na conta final, esses investimentos representam mais empregos?
SILVEIRA ? Não. Descobrimos investimentos que geraram empregos, outros que não criavam nenhuma vaga e também aqueles destinados a suprimir postos de trabalho. No balanço final, verificamos um aumento líquido de apenas 3% no volume de emprego das empresas analisadas. Seria como se cada emprego criado custasse US$ 1 milhão. Assim, o certo é dizer que esse investimento nunca teve por finalidade gerar mais postos de trabalho.

DINHEIRO ? E quanto aos empregos indiretos?
SILVEIRA ? É uma conta dificílima de se fazer, mas a princípio também não existem ganhos aí. Grande parte dos investimentos foram feitos para a compra de máquinas e pacotes tecnológicos no Exterior. Quer dizer que, se efeito multiplicador houve, foi no Exterior, onde as máquinas são feitas e a tecnologia é desenvolvida.

DINHEIRO ? Ao importar máquinas e tecnologia não há um ganho para a indústria?
SILVEIRA ? O problema é que pouquíssimas empresas responderam que estão procurando ganhar em processo e produtividade para se voltarem à exportação. Praticamente não tivemos respostas deste tipo. No máximo tivemos informações de iniciativas de exportação para o Mercosul, nem mesmo para a América Latina como um todo. Isso quer dizer que as empresas estão voltadas para o mercado interno, e realmente eu não sei se isso é ruim, porque demonstra que, ao menos, há um mercado interno e ele tem importância. O problema é que ao não se preparem para participar do jogo do comércio mundial, no fundo as nossas empresas estão se preparando para continuar importando máquinas, insumos e tecnologia e cada vez mais depender das coisas que vêm de fora.

DINHEIRO ? Por que as empresas estão fazendo esta opção?
SILVEIRA ? É a única que existe. As nossas empresas simplesmente não têm condições de competir lá fora. Isso acontece não porque o empresário brasileiro seja burro, nem porque esteja de costas para o mundo ou porque ele não saiba qual é o jogo. O Brasil é que não montou um sistema de financiamento para tornar as empresas grandes empresas, ao contrário do que foi feito por outros países, como a Coréia, por exemplo, que organizou uma parceria entre capital privado industrial e capital financeiro. O nosso sistema financeiro há muito se aliou ao sistema financeiro internacional e resolveu brincar de especulação. Não é para a produção que os interesses estão voltados. Nossos bancos não ganham dinheiro fazendo o financiamento de longo prazo da indústria, eles fazem especulação. Aí o divisor de águas se dá. As nossas empresas não conseguem se expandir porque o custo de capital para elas é desmesuradamente mais alto do que o custo de capital das empresas lá fora.

DINHEIRO ? A Coréia é mesmo um bom exemplo? As grandes empresas coreanas estão se encolhendo.
SILVEIRA ? Mas ao menos elas participaram da guerra comercial mundial e puderam perceber o quanto é difícil disputá-la. As nossas empresas nem chegaram lá. Nós somos incapazes de financiar crescimento desde 1980. Ficamos dependentes de um capital especulativo e, mais recentemente, desse capital de investimento direto que ainda não atingiu com total fôlego a indústria ou a área de produção. Ele está mais voltado às áreas de serviços e tecnologia.

DINHEIRO ? Nem mesmo em relação à tecnologia adquirida há um saldo positivo?
SILVEIRA ? Não se trata de sermos derrotistas ou pessimistas, mas o resultado da atual política de investimentos é que a indústria nacional está cada vez mais atrasada e dependente das empresas mundializadas. Essas empresas não perderam seu sentido de origem. Elas mantêm seus centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) ou em suas sedes mundiais ou em alguns locais escolhidos. O que acontece com as filiais como as que temos aqui é que elas fornecem dados, trocam informação, recebem e enviam gente para treinamento, mas não desenvolvem, aqui, tecnologia. O centro de produção tecnológica fica lá fora, não aqui. Por isso, a nossa dependência tecnológica hoje é maior do que antes. Não há nada parecido, aqui, com o modelo industrial de engenharia reversa praticada no Japão.

DINHEIRO ? Esse modelo sempre foi alvo de caricaturas, com os japoneses desmontando radinhos de pilha para aprender a fabricá-los.
SILVEIRA ? Sim, mas para os japoneses foi uma política brilhante. O Japão acolheu investimentos mas, ao mesmo tempo, fez uma regulação para a entrada desse investimento. As empresas, lá, compravam produtos, viravam do avesso e aprendiam a fazer. Aqui se faz o contrário. Abrimos todos os espaços para as multinacionais, que desenvolvem seus produtos na matriz. Agora, finalmente, estamos aprendendo a produzir, mas distanciados do aprendizado tecnológico. Nos anos 60, no livro Um Projeto para o Brasil, Celso Furtado já falava sobre isso. A entrada do capital estrangeiro sem nenhuma regulação o faz ocupar espaços para os quais as empresas de fora são mais bem preparadas e as nossas, aprendizes.

DINHEIRO ? As grandes empresas não estão interessadas em deter tecnologia própria?
SILVEIRA ? No começo dos anos 90 havia mais empresas brasileiras com centros de P&D do que agora. Das que pesquisam, algumas têm pequenos laboratórios e centros de adaptação. Isso é para que nestas indústrias se possa fazer o rebaixamento das especificações técnicas de produtos. Um eletrodoméstico que tem várias funções digitais na Europa é rebaixado aqui. Em lugar de seis funções, por exemplo, ele passa a ter só duas, para ficar mais barato. É uma prova de que as empresas não têm interesse em desenvolver tecnologia, até porque não têm dinheiro para tanto. Lá fora o desenvolvimento, que é caro, é visto como investimento. Aqui, sempre foi despesa.

DINHEIRO ? Se o ganho das empresas é relativo, quais as suas conclusões sobre os efeitos desse investimento sobre o País?
SILVEIRA ? Esses investimentos além de não solucionarem o problema do balanço de pagamentos, o agravam. Depois de a empresa importar a máquina terá de importar insumos. A dependência se torna permanente. Olhe o que acontece com as empresas de telefonia celular. As máquinas são importadas e os componentes microeletrônicos dos aparelhos, também. Se houver uma grande mexida no câmbio e um novo incentivo à entrada de produtos importados, essas empresas terão problemas, porque apesar do movimento de atualização, não estão prontas para a alternativa da exportação.

DINHEIRO ? Esses US$ 8 bilhões de que estamos falando, então, mais atrapalham do que ajudam?
SILVEIRA ? Não dá para fazer categoricamente esta afirmação. No curto prazo, esse capital contribui, mas a médio e longo prazos não se sabe quais serão os resultados. Elevar a capacidade de produzir não garante a competitividade ao longo do tempo, uma vez que não se introduziu, com esses investimentos, a capacidade de desenvolver tecnologia. Nossa visão é pessimista por isso. O investimento não está gerando mais atividade econômica, nem emprego, nem efeitos indiretos muito fortes. Está servindo, apenas, para que algumas grandes empresas se atualizem um pouco depois de duas décadas de ausência de investimentos. Nossa pesquisa foi feita na nata das indústrias paulistas. Quanto mais para baixo, mais a situação é pior, porque nesses escalões o dinheiro para atualização nem apareceu.