DINHEIRO ? O fato de o sr. ter sido operário vai fazer alguma diferença para os pequenos empresários que buscam apoio do Sebrae?
PAULO OKAMOTTO ? É claro que sim, pois meu passado me tornou mais sensível às necessidades do mercado. Hoje posso até estar aqui num gabinete em Brasília, nessa mordomia desgraçada, mas aos seis anos de idade já colocava a barriga no balcão de um bar de rodoviária. Trabalho há mais de 40 anos e conheço a vida como ela é. Conheço tanto a realidade de um operário quanto a de um empresário. Meus parentes são todos comerciantes. Um tem mercearia, outro tem uma loja de frangos; eu mesmo tenho uma microempresa que vende brindes pela internet. É tocada pela minha mulher, mas sei o que acontece na economia real.

DINHEIRO ? Como o sr. pretende ajudar os microempresários?
OKAMOTTO ? É preciso facilitar o crédito. Hoje, os bancos só emprestam para quem dá lucro. Mas há muitas pequenas medidas que podem fazer a diferença. Uma delas é melhorar a informação sobre os pequenos negócios. Os bancos querem conhecer o cliente, querem ter garantias, querem saber quanto o tomador vende e para quem vende. Já estamos trabalhando uma modelagem sobre quais informações são vitais e como prover essas informações.

DINHEIRO ? Os bancos são inflexíveis com os pequenos?
OKAMOTTO ? De uma maneira geral, os bancos têm se mexido. Não dá para dizer o contrário. Mas há no País um desconforto muito grande sobre a atuação do sistema financeiro. Os bancos, mais do que ninguém, sabem que vão ter que começar a ganhar dinheiro emprestando dinheiro para o mercado. Hoje é mais fácil emprestar dinheiro para o governo, ou para as grandes empresas, do que perder tempo tentando entender o que o dono da padaria vende, como vende e quanto precisa
para expandir.

DINHEIRO ? Hoje, devido à dificuldade de se abrir e fechar uma empresa, muitos optam pela informalidade. Como mudar esse quadro?
OKAMOTTO ? O primeiro passo é aprovar a Lei do Empreendedor, aquela que beneficia o empresário que fatura até R$ 36 mil. São aquelas pessoas que trabalham com pequenas confecções, vendendo pão de queijo, por exemplo. Se essa lei passar do jeito que o governo encaminhou, podemos criar um ambiente para facilitar muito o registro das pessoas. Seria o Super Simples, que reduziria impostos e burocracia.

DINHEIRO ? O ministro Antônio Palocci e o secretário Jorge Rachid, da Receita, aceitam mexer em impostos?
OKAMOTTO ? Se você for discutir com o Palocci sobre micro e pequenas empresas ele não vai discordar em nada do que você diz. Ele próprio tem vontade de atender as nossas reivindicações. O mesmo vale para o Rachid. Nós achamos que a carga tributária, no caso específico das micro e pequenas empresas, leva mais pessoas para a informalidade. A carga tributária tem um viés muito perverso.

DINHEIRO ? Como assim?
OKAMOTTO ? Se eu quiser me formalizar e sobreviver no mercado, eu não tenho como disputar com quem está na informalidade. Meu negócio se torna inviável. É a chamada concorrência desleal porque quem está fora tem um diferencial brutal com relação a quem está dentro. Isso o governo não tem como fiscalizar e leva muita empresa à informalidade ou à morte. Desorganiza a economia. Se o empresário quer ser honesto, ele morre.

DINHEIRO ? Como se equilibra essa situação para todo mundo sobreviver?
OKAMOTTO ? Como o Estado não tem competência para fiscalizar e fazer com que todo mundo pague os impostos, é preciso reinventar alguma coisa. Por isso, o Sebrae apresenta a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Nos pequenos negócios é preciso tornar as disputas mais justas.

DINHEIRO ? Como a Lei Geral pode diminuir a carga tributária?
OKAMOTTO ? A Lei prevê carga tributária diferenciada, conforme o tamanho do faturamento. Paga mais quem vende mais.

DINHEIRO ? Na prática, o que muda?
OKAMOTTO ? Primeiro, a carga tributária cai. O informal virá para a formalidade por causa das vantagens, como acesso a mercado e a crédito. Nesse projeto do Sebrae, a idéia é que se tenha mais incentivos para acabar com a informalidade, como bônus de acesso à tecnologia e empréstimos com linhas subsidiadas.

DINHEIRO ? Isso passa no Congresso?
OKAMOTTO ? O governo tem dificuldade de atender às demandas porque sua agenda é muito extensa. Isso sim. Sempre é mais importante discutir a Lei de Falências, sempre é mais importante discutir a reforma política e os chamados pequenos negócios acabam tendo que esperar.

DINHEIRO ? Nesse ponto, é importante o presidente do Sebrae ser amigo do presidente da República?
OKAMOTTO ? Não há vantagem nem desvantagem. Fui indicado para a presidência do Sebrae por uma determi-
nada força política, pelo próprio presidente e pelo ministro Furlan. Vim para o Sebrae para cumprir uma missão.

DINHEIRO ? O que o presidente Lula pediu como resultados?
OKAMOTTO ? Disse que precisava produzir mais propostas políticas para melhorar o Brasil e incluir mais gente no processo produtivo do País.

DINHEIRO ? Se tiver algum entrave, o sr. tem liberdade de pegar o telefone e ligar para o presidente?
OKAMOTTO ? Eu espero, né. Espero poder ligar e ser atendido. Nunca precisei ligar. Encontro com o presidente algumas vezes, acho que não preciso ficar usando o telefone, não. Você sabe que somos amigos, não vou ficar aqui falando disso. Converso com ele com uma certa freqüência.

DINHEIRO ? No futuro, nada impede que o sr. e o presidente Lula sejam sócios em algum negócio depois do governo. Daria para ficar na legalidade?
OKAMOTTO ? Se o Lula não aproveitar que está no poder para mudar a legislação, teríamos que sobreviver na ilegalidade. O Lula sabe disso. No início dos anos 80, quando fomos cassados da direção do sindicato, o Lula apoiou a fundação de uma serralheria em São Bernardo. É que precisávamos de um emprego formal, com carteira assinada de metalúrgicos, para continuarmos no sindicato. Acontece que a serralheria era uma empresa que precisava faturar. Não deu para competir no mercado por muito tempo. Sabe por quê? Porque éramos obrigados a pagar tudo direitinho, impostos e direitos trabalhistas. O Lula sabe que vai ter de mudar a estrutura tributária para tornar o mercado mais justo. Já conversamos sobre isso.

DINHEIRO ? Além dos impostos, o que mais prejudica as pequenas empresas?
OKAMOTTO ? Já ouvi algumas reclamações de microempresas sobre compras governamentais. Às vezes, uma prefeitura precisa comprar um produto feito na
sua região, mas como tem que permitir a qualquer empresa participação na concorrência, gera entraves.

DINHEIRO ? O que o Sebrae espera da nova gestão do BNDES?
OKAMOTTO ? A gente quer que haja linhas do BNDES mais focadas para micro e pequenas empresas. Com o Carlos Lessa, não conseguimos muita coisa. Mas o novo presidente do BNDES, o ministro Guido Mantega, foi assessor do Lula e trabalhou no Instituto Cidadania. Somos próximos.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia a política de juros altos do Banco Central?
OKAMOTTO ? Não sou daqueles que acham que um pouquinho de inflação traga mais desenvolvimento. Acho que a boa gestão da macroeconomia combate a inflação porque ela prejudica principalmente os pequenos, que têm poucas possibilidades de repassar custos. E acho que o papel do Sebrae é muito importante, porque pode ajudar no ajuste mais fino da inflação.

DINHEIRO ? De que forma?
OKAMOTTO ? Vamos supor que o preço do conserto
de máquinas agrícolas no Mato Grosso esteja aumentando bastante e não existam muitas empresas que façam o serviço. O Sebrae pode ajudar a fomentar empresas para isso.

DINHEIRO ? Como vão ser gastos os R$ 900 milhões da instituição em 2005?
OKAMOTTO ? O Sebrae pensava sempre em projetos de curto prazo. A partir de agora, nossos planos de trabalho passam de um ano, dois ou três anos. Cerca de 60% desse dinheiro será gasto em projetos coletivos, que são arranjos produtivos e fortalecem o cooperativismo. Atendam grupos de pessoas e não indivíduos. Nós queremos trabalhar os arranjos produtivos que tenham capacidade de trazer maior retorno. São arranjos produtivos de móveis, confecções, autopeças. Estamos acompanhando uma tendência global.

DINHEIRO ? Qual será o retorno?
OKAMOTTO ? Ainda não sabemos. Esse é um pedido que a sociedade e o Tribunal de Contas fazem e vamos atender. A partir do ano que vem teremos respostas. Nessa nova administração vamos aplicar o sistema de gestão orientada para resultados. Quando a gente discute o que o Sebrae vai fazer, combinamos com os empresários qual o resultado que eles querem. Exemplo: quanto vai aumentar o faturamento, o número de empregos e assim por diante. Criamos indicadores de resultados.

DINHEIRO ? Qual a taxa de mortalidade das empresas?
OKAMOTTO ? Hoje as pesquisas indicam que 50% das empresas morrem no prazo de dois anos depois da abertura. Em cinco anos, esse percentual sobe para 70%. Esse grau de mortalidade é alto. Já nas empresas incubadas, as assistidas pelo Sebrae, a mortalidade cai para 20%. Mas desses 50% que quebraram nos dois anos, somente 8% procuraram o Sebrae. É por isso a nossa preocupação de mostrar que existimos e estamos aqui para ajudar o empreendedor. Muitos abrem um negócio sem conhecer o beabá do mundo empresarial. Sequer têm idéia de que precisam de capital de giro. E isso vai mudar.