10/09/2008 - 7:00
DINHEIRO – Como está o risco de crédito no mundo?
FERNANDO BLANCO – Rebaixamos a classificação de crédito de empresas dos EUA, do Canadá, de Portugal, da Espanha, dos países bálticos, de alguns países dos Bálcãs e da Turquia. Detectamos um aumento de empresas que estão dando calote nos nossos clientes. Há uma deterioração econômica. As empresas começam a dar calote quando há uma baixa de atividade econômica. Elas têm problemas nos seus fluxos de caixa e não conseguem se refinanciar com bancos.
DINHEIRO – Qual o papel da crise de crédito dos bancos?
BLANCO – A crise bancária é Entrevista / Fernando Blanco mais forte nos Estados Unidos, mas se estendeu para a Europa. O crescimento mundial nos últimos cinco anos baseou-se na expansão da carteira de crédito imobiliário das instituições financeiras. Elas perderam muito dinheiro com a construção civil. Moral da história: os bancos estão
DINHEIRO – Quem entra primeiro em recessão?
BLANCO – A atividade econômica na Europa reduziu-se perigosamente. A França teve crescimento negativo no segundo trimestre. O Reino Unido anunciou um crescimento de apenas 0,2%. A União Européia como um todo está com um crescimento estagnado. Pode acrescentar o Japão nesse bloco. Só sobrou mesmo a dupla titânica Índia e China. Não detectamos ainda uma deterioração de crédito nesses países. A China vive um equilíbrio muito precário, que é sustentado por um governo pouco aberto e que tem condições de segurar a economia. Já existe uma inflação chinesa forte – a estimativa é de 9% ao ano – e um câmbio represado.
DINHEIRO – A China tende a ser o peso positivo no universo financeiro? BLANCO – O sistema financeiro chinês é muito mais frágil que o europeu e o americano. O nível de alavancagem na China é muito maior do que se previa. O volume de empréstimos equivale a 100% do PIB. Nos últimos seis meses, o nível de inadimplência subiu bastante. Para um país com 1 bilhão de pessoas que compram e estimulam a economia mundial, existe uma interrogação grande no ar: de que lado da balança a China está?
DINHEIRO – Existe a possibilidade de as informações ruins sobre a China eclodirem agora, após a Olimpíada?
BLANCO – Acreditamos e repetimos a visão de Kenneth Rogoff, ex-economista do FMI: a dúvida é se vai ser um pouso suave ou forçado. É uma ilusão a China crescer como se o resto do mundo não interessasse. Com o mundo andando em segunda marcha, menos produtos chineses vão ser vendidos e isso vai gerar algum tipo de desemprego. Já identificamos um excesso de capacidade instalada em alguns segmentos como aço e metalurgia, e em outros setores de infra-estrutura. Os chineses exportam um percentual grande do seu PIB. A moeda fortalecida dificulta as exportações e facilita as importações. O consumo chinês fraquejando é um sinal claro de risco.
DINHEIRO – Mas o crescimento chinês promete ser grande neste ano. BLANCO – A China vai passar por algum tipo de turbulência. Parar de crescer 11% ao ano e crescer 7% é um problema enorme. O endividamento das empresas, os planos estratégicos e as aquisições são olhados em um horizonte de médio e longo prazo. Se os planos de investimentos são cumpridos pela metade, as fábricas não vão gerar fluxo de caixa suficiente para pagar os empréstimos. A China e o mundo todo vão desaquecer.
DINHEIRO – Há risco de calote global?
BLANCO – O calote de países não é uma tendência. O mundo cresceu muito, houve um fluxo para os emergentes e eles estão com belos superávits nas contas de pagamentos. Nenhum está com a dívida externa complicada. Será um movimento interno, sem as clássicas catástrofes cambiais. Vai ter movimento cambial, é lógico, porque o dinheiro sai alopaticamente dos países, mas entra homeopaticamente. O calote interno significa que empresas que vendem umas para as outras perdem dinheiro. Esse é um problema sistêmico de recessão. Bancos vão perder dinheiro porque emprestaram muito e viveram uma fase muito grande de bonança.
DINHEIRO – O que vai acontecer com as grandes empresas tradicionais, como a GM, se a inadimplência empresarial aumentar?
BLANCO – Vivemos nos últimos dez anos um momento econômicode grande transformação. Economias clássicas como os países do G-7, por exemplo, transferiram suas fábricas e tecnologia para países emergentes, para o lado sul do planeta. À medida que aqueles países se fortalecem muito, os países ricos não fazem as reformas que deveriam, por isso aumentam os riscos de algumas indústrias ficarem deterioradas. A automobilística americana é um caso clássico. Mas a automobilística alemã e italiana, não.
DINHEIRO – A economia global perdeu força?
BLANCO – A economia mundial tende a devolver agora um pouco dos ganhos excepcionais que teve no passado, porque foram ganhos anabolizados. Vamos comparar com um atleta: ele se dopa, ganha musculatura e oxigenação no sangue, mas de forma artificial. Quando tem de largar toda a química, fica ruim e fraco até voltar a ser um atleta normal. A economia mundial está nessa situação.
DINHEIRO – O Brasil tomou esse anabolizante mundial?
BLANCO – O Brasil fez uma lição de casa muito bem-feita, com um governo conservador na gestão das finanças. O País teve a sorte de surfar a onda das commodities, que foi bastante interessante para o seu desenvolvimento. O mundo percebeu que somos um país com regras claras. É muito mais fácil fazer negócio aqui do que na Índia, na China ou na Rússia. O Brasil está em uma situação boa, mas não vai escapar de um mal-estar que virá por aí. E ninguém está falando isso, o que é uma preocupação. Vejo os economistas e a sociedade batendo o bumbo e dizendo “somos um país blindado, descolado da problemática americana”. Estão vendendo um mundo cor-de-rosa e se endividando. Quando vier a rebordosa, essa turma vai dar calote, que vai seguir em cadeia. O cidadão dá calote no pequeno varejo, que dá calote no distribuidor, que chega na fábrica. Sou um segurador de crédito e vejo que esse quadro vai levar a uma inadimplência muito grande da economia brasileira. Não sou um macroeconomista, estamos falando aqui de crédito. O Brasil está bem, mas vai sofrer, embora ninguém chame a atenção para isso.
DINHEIRO – O sofrimento é iminente?
BLANCO – A reação dos agentes econômicos é muito rápida nos dias de hoje. Em seis meses você vai da bonança para a tragédia. Se vai ser em seis meses ou 12 meses, eu não sei.
DINHEIRO – O Banco Central subir a taxa de juros não vai surtir efeito?
BLANCO – A Selic não. A sede de crédito vai se segurar pela taxa de juros que os bancos irão cobrar. Ou melhor, a oferta de crédito. Porque a taxa de juros é a oferta e a demanda de crédito juntos. Nos últimos dois, três anos há uma liberalidade na concessão de crédito. Nas ruas de São Paulo ou na avenida Paulista há agentes que agarram pelo braço uma pessoa oferecendo um empréstimo. O endividamento das pessoas está irracional.
DINHEIRO – Os bancos exageraram nessa concessão de crédito? BLANCO – Não, os bancos aproveitaram para dar crédito em um momento em que havia uma demanda muito reprimida. Eles fizeram a mesma coisa que nós, como seguradores de crédito, fizemos: temos dado crédito e aumentamos nosso portfólio barbaramente. No mundo, 20% de um ano para cá e, no Brasil, 40%. Aqui já estamos segurando um pouco a concessão de limites de crédito e esperamos que os bancos acabem sendo mais conservadores.
DINHEIRO – É mais difícil para o cidadão brasileiro honrar seus compromissos financeiros do que para um americano?
BLANCO – O volume de crédito na economia brasileira está ao redor de 36%, na americana é 130%. Acontece que a rede de proteção de um cidadão americano ou europeu é muito maior. Seja o seguro-desemprego, seja a formação de poupança pessoal. O americano administra sua dívida de uma forma muito similar que uma empresa ou um banco fazem. Ele tem no ativo dele uma carteira de ações, que é construída ao longo do tempo; tem imóvel, que ele fica comparando com o valor da dívida o tempo todo; e tem dívidas. Caso o lado do passivo fique mais apertado, ele tenta fritar alguns ativos ou oferece esses ativos como garantia do banco, e a vida continua. Aqui o cidadão é desamparado e sofre de outro problema chamado ignorância financeira. O brasileiro assume dívida com base no valor da prestação. Se ele compra um carro financiado, tem pouca sobra no orçamento para consertar o carro, se ele quebrar. Os pequenos acidentes cotidianos são ignorados pelo brasileiro. Esse é um pouco do problema de o Brasil ter 36% de crédito em relação ao PIB. É muito alto.
DINHEIRO – As empresas também passam por essa ignorância financeira?
BLANCO – As pequenas empresas, aquelas de empreendedoras, fazem uma gestão do crédito menos profissional do que deveriam. No Brasil, há 500 empresas que têm uma gestão financeira boa, com fila de bancos na porta dela oferecendo crédito. As outras gerenciam muito mal o passivo financeiro.
DINHEIRO – O risco das empresas não foi rebaixado no Brasil?
BLANCO – Aos pouquinhos começa a ter rebaixamento, negativas de crédito, redução no limite. Não vemos a inadimplência ainda, isso é importante. A cadeia toda de consumo e investimento está muito bem. O problema é: se e quando a coisa chegar na China. Aí vamos ver muito rapidamente as condições comerciais do Brasil se deteriorando.