A grande discussão que se trava hoje sobre a economia brasileira é de ordem pragmática: como mudar o paradigma das ações para o resgate da imensa dívida social? Economistas das mais variadas vertentes estão digladiando argumentos para escolher qual saída. Membros da equipe de transição do governo eleito, idem. O foco dos trabalhos: como o País pode voltar a crescer de forma sustentável, com responsabilidade fiscal e o resgate de milhões de brasileiros da miséria ao mesmo tempo?

Furar o teto de gastos parece inevitável, apesar da celeuma que o fenômeno causa. Ele, aliás, já foi rompido há muito tempo pelo atual governo que impôs uma fatura extra de R$ 795 bilhões no orçamento, apenas em quatro anos. Definidos o diagnóstico e a meta, vem a conclusão: não há como compor alternativas que acomodem a conta e cubram o rombo ao mesmo tempo em que se apliquem gestões do programa voltado para os mais necessitados — como vem pregando o futuro mandatário Lula — sem que isso acarrete consideráveis mudanças de rumo e medidas complementares.

Minh Hoang

“É preciso uma evolução da composição educacional da população ocupada e daquela que ainda está sem acesso ao emprego. O resgate social se inicia pela educação” Joaquim Levy, ex-ministro da fazenda e atual diretor de Estratégia Econômica do Banco Safra.

No Congresso, a proposta em voga aponta para uma verba extra da ordem de R$ 200 bilhões em 2023. As opiniões se dividem. Uma luz sobre o assunto foi lançada na rodada de conversas que especialistas das mais diversas correntes tiveram durante a Brazil Conference do LIDE, ocorrida dias atrás em Nova York. Ali, no segundo dia dessa conferência de think thank, que reuniu fatia expressiva do PIB empresarial ao lado de alguns dos maiores gestores econômicos da atualidade —entre eles, muitos incluídos no time de interlocução do futuro governante Lula, gente como Pérsio Arida, Henrique Meirelles e o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto — as alternativas estiveram bem desenhadas e deveriam ser consideradas. Mudança de paradigma precisa. Foi ponto pacífico entre os participantes daquela agenda.

A ideia da Economia Verde, por exemplo, esteve no radar. Bem lembrada por Roberto Campos, o titular do BC, ao lembrar que o Brasil passa por uma transição energética necessária, para soluções mais renováveis, e que isso deverá gerar bons dividendos. Sem contar os créditos de carbono do imenso manancial de florestas que voltam a ser alvo de cuidado e proteção. Campos, como autoridade monetária, está atento ao que classifica como “enorme desafio” para o ano que vem, que é a garantia da carestia dentro da meta. “O BC identificou rápido o caráter persistente da inflação após a pandemia e foi o primeiro a subir juros. Já há uma melhora qualitativa, mas é cedo para comemorar. A inflação castiga principalmente, como sabemos, os mais pobres”.

Sergio Lima

“Já há uma melhora qualitativa, mas é cedo para comemorar. A inflação castiga principalmente, como sabemos, os mais pobres” Roberto Campos Neto, presidente do BC.

Se o que importa, em todas as esferas, é a atenção ao social para cobrir a dívida do aumento de miseráveis e dos mais de 33 milhões de brasileiros que atualmente passam fome, investimento em educação tem sido receitado como o melhor remédio para o tratamento. Disse o ex-ministro da Fazenda e atual diretor de Estratégia Econômica do Banco Safra, Joaquim Levi, durante o seminário do LIDE: “É preciso uma evolução da composição educacional da população ocupada e daquela que ainda está sem acesso ao emprego. O resgate social se inicia pela educação”.

Pérsio Arida, maestro da moeda URV, ao lado de seu parceiro de ideias André Lara Resende, que juntos ficaram conhecidos como a dobradinha Larida, acredita que o front externo é trilha para facilitar muito da corrente dos recursos necessários tanto para esse projeto social de Lula como para o equilíbrio fiscal pretendido. Abertura de mercado e reformas, prega ele. “Assim vamos crescer de forma inclusiva e sustentável”. Para Arida, um dos pais do Plano Real, não há motivos para o Chile ter crescido mais do que o Brasil nos últimos tempos — a não ser devido a ausência aqui de reformas, coisa que lá foi feita de maneira célere e com bons frutos. Ele aponta vantagens significativas no ingresso do Brasil na OCDE e no rápido entendimento com parceiros internacionais, a partir do novo governo, para acordos comerciais, especialmente com a União Europeia. Daí sua positiva visão de futuro. Alega que o mandatário Lula tem maiores chances de reagrupar dinheiro extra lá fora para a gestão que pretende. Além de uma abertura mais consistente de comércio ao mundo, Arida elenca também a aposta na produtividade e, sobretudo, nas reformas. Quanto ao controle das contas públicas, ele entende haver margem para cortes. “Há camadas e camadas de gastos que perderam muitas vezes o sentido, estão mal focalizados, podem ser reduzidos de uma forma mais eficiente sem prejududicar a qualidade do serviço.”

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“Crescer agora é imperioso e isso apenas ocorrerá com um empenho geral da livre iniciativa para produzir emprego, renda E estabilidade” Isaac Sidney, presidente da Febraban.

Isaac Sidney, presidente da Febraban e voz do capital, tem um bom diagnóstico: o baixo nível de investimentos, também de fora, pela descrença que o mercado interno vinha oferecendo. Hoje o Brasil investe apenas 15% do seu PIB. Isaac acredita que o modelo de investimento do setor público colapsou e propõe a retomada da liderança desse movimento pelo setor privado. “Crescer agora é imperioso e isso apenas ocorrerá com um empenho geral da livre iniciativa para produzir emprego, renda, estabilidade, deixando para o setor público o trabalho de canalizar esforços para educação e saúde, que contribuem nesse abrandamento da dívida social.” A sistemática resposta dos empreendedores é que o Brasil precisa ter previsibilidade — de regras, dos indicadores, de política monetária. Nesse sentido, o BC tem feito um trabalho primoroso. Não há dúvida. Insegurança jurídica, institucional e de contratos não combina com a retomada como, ao menos, é prometida pela próxima gestão. “Precisamos de um pacto de ideias, não de ataques. O Brasil vive um momento delicado. É fato que o orçamento desenhado para 2023 pelo governo que está aí não reflete as reais necessidades do País e precisa mudar”, disse o ex-ministro e ex-presidente do BC Henrique Meirelles, mais uma vez cotado para ocupar a cadeira titular da pasta da Economia. Meirelles crê em inflação menor daqui para frente e está convicto de que não é viável baixar o auxílio de R$ 600 a essa altura do campeonato porque representaria um grave estelionato eleitoral. Posto isso, fala a mesma língua de Lula sobre o ajuste orçamentário, projetando as inevitáveis despesas futuras. Uma licença para gastar, o falado waiver, com limite, não indefinida, é ponto pacífico para ele. Talvez pelo alinhamento de propostas tão claro com o que pretende o petista Lula é que Meirelles vem ocupando a dianteira das apostas para a vaga de novo czar da economia.

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“Há camadas e camadas de gastos que perderam muitas vezes o sentido, estão mal focalizados, podem ser reduzidos de uma forma mais eficiente sem prejudicar a qualidade do serviço” Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES e do BC.