09/07/2010 - 3:00
Ouça um resumo da reportagem “O enigma do Mercantil do Brasil”
O banco Mercantil do Brasil é pouco conhecido fora de Minas Gerais. É uma instituição familiar, de pequeno porte e concentrada em crédito. É considerado um enigma por suas características. Ocupa a 26a posição em ativos, mas tem a nona maior rede de agências.
Rende pouco: em 2009, os acionistas ganharam 7,4%, mais do que a poupança, mas menos que os juros de mercado. Também é um banco com sua dose de conflitos: um grupo de acionistas controladores do Mercantil está sendo objeto de um procedimento interno sigiloso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Conselhos caros: (da esq. para a dir.) Milton de Araujo, Milton Loureiro e Eliana Loureiro:
segundo a CVM, R$ 20 milhões pelas sugestões
O procedimento ? que poderá transformar-se em um processo ? investiga a transferência irregular de dinheiro do banco para esses acionistas. Transferências desse tipo, que entram nos custos do banco e são pagas por todos os sócios, são proibidas e somam-se a outras particularidades do Mercantil. Os custos elevados e a rentabilidade abaixo da média fazem do banco um enigma para os especialistas no mercado financeiro.
Segundo o procedimento da CVM, que DINHEIRO obteve com exclusividade, o estatuto do Mercantil foi alterado em 1999 para criar um Conselho Consultivo. Os conselheiros eram em sua maioria acionistas e executivos, como o diretor-presidente Milton de Araújo, os vice-presidentes Maurício de Faria Araújo e Milton Loureiro Júnior, além de acionistas como Eliana Loureiro, entre outros.
Os conselhos foram bem remunerados. Segundo o procedimento interno da CVM, o banco pagou cerca de R$ 20 milhões por eles até 2006, quando o Conselho foi extinto. Um acionista minoritário reclamou da fatura e a CVM questionou os Araújo, que ofereceram um acordo.
Eles indenizariam o banco em R$ 1 milhão e pagariam R$ 200 mil em multas à CVM. A proposta foi rejeitada. A CVM está exigindo uma indenização de R$ 20 milhões mais o pagamento de uma multa de 20% desse valor. Procurada, a CVM não comenta o assunto e o enigmático Mercantil divulgou uma nota dizendo que não se manifestaria, pois ?não há processo, só um procedimento interno sobre a conveniência de se adotar um processo.?
Procedimento ou processo, o fato é que práticas como essa são lesivas aos minoritários. ?A legislação não prevê que as empresas abertas tenham conselhos consultivos, embora eles possam ser criados no estatuto?, diz o advogado César Amendolara, do escritório Velloza, Girotto.
Ressalvando que não comenta o caso do Mercantil, Amendolara diz que esse tipo de estrutura pode ser usada indevidamente para desviar recursos da sociedade em benefício de acionistas ou executivos. No caso do Mercantil, a fatura foi pesada.
Em 1999, ano da criação do Conselho, o Informativo Anual do Mercantil enviado à CVM dizia que os executivos receberiam uma remuneração de R$ 4 milhões mais participação nos lucros. Em 2008, dado mais recente disponível, esse valor havia subido para R$ 7 milhões. Na ponta do lápis os R$ 20 milhões pagos pelos misteriosos conselhos durante sete anos podem até ser pouco nas contas do Mercantil, mas representaram uma despesa para os acionistas equivalente à remuneração anual dos administradores nesse período.
Essas e outras despesas contribuem para tornar o Mercantil bem menos rentável que a concorrência. Em 2009, segundo a consultoria Austin Rating, a rentabilidade patrimonial do Mercantil ? ou seja, quanto os acionistas ganharam ? foi de apenas 7,4%. Esse percentual está bem abaixo da média de 14,9% dos bancos médios. ?É uma rentabilidade baixíssima?, diz Luis Miguel Santacreu, da Austin. Só para comparar, os juros de mercado foram de 8,75%. Os acionistas teriam ganho mais se tivessem vendido as ações e aplicado o dinheiro no banco ao lado.
A estratégia de privilegiar o varejo aumenta os gastos, diz Santacreu. ?A estrutura do banco é cara?, diz ele. Em 2008, para cada R$ 100 obtidos em receitas, o banco gastou R$ 103,70. A diferença só não deixou o balanço do ano no vermelho por causa da venda da seguradora Minas Brasil à suíça Zurich por R$ 236 milhões. Os números melhoraram bem em 2009 ? a despesa representou apenas 76,9% das receitas ?, mas ainda é um resultado pior do que a média do setor, que é de 63,6%.
Esse mau desempenho não quer dizer que o banco está em risco. Longe disso: segundo Santacreu, a carteira de crédito é diversificada e saudável. ?O Mercantil é sólido, apesar de render pouco?, diz. O mistério é seu papelo no mercado. Ele é o último banco médio em atividade. Os concorrentes não conseguiram competir com os gigantes que se formaram com as fusões dos anos 90. O Mercantil vai funcionar enquanto seus acionistas quiserem ? o que, é claro, permanece um enigma.