Wolf Vel Kos Trambuch esta à frente do Instituto Olga Kos, criado em 2007, e cuja missão é “atender pessoas com deficiência e/ou em situação de vulnerabilidade social”. Engenheiro carioca que fez carreira no setor imobiliário de São Paulo, ele sabe que o caminho é longo, árduo e só terá sucesso por meio de mapeamento & disseminação de ações junto ao mundo corporativo. No primeiro campo, produzindo e analisando dados sobre o real cenário brasileiro de pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade social. No segundo escopo, engajando de forma avassaladora o mundo produtivo. Um desses passos nasceu há pouco mais de um ano e meio, quando o Inmetro oficializou a Escala Cidadã, um instrumento para medir o S (de social) do acrônimo ESG e que agora começa a ganhar tração entre as empresas. Na sexta-feira (15), o instituto realizará seu III Summit de Responsabilidade Social-Diversidade e Inclusão no Ambiente de Trabalho, na Fiesp, em São Paulo. Kos, que realizou há 15 anos no Brasil o primeiro concurso público adaptado a pessoas com deficiência intelectual, em parceria com o CreciSP, tem como motto a palavra ‘acolher’. O que envolve a plena disponibilidade ao outro. “A gente aprende com tudo, e a pessoa mais simples tem um ensinamento. A sabedoria da vida é você saber ouvir as pessoas.” A seguir, trechos de sua entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO — Li recentemente um artigo seu em que chama a atenção você apontar certa fragilidade ao campo do social dentro do ESG. Por que isso ocorre?
WOLF KOS — O acrônimo ESG tem uma centralidade: o social, sem o qual, os outros dois (ambiental e governança) não existem. São as pessoas tanto as responsáveis quanto as que mais sofrem as consequências da negligência com o clima ou o compliance. Costumo dizer que o Ambiental é o tratado do homem com o planeta. A governança é o tratado do homem com as empresas. E o social é o tratado do homem com o próprio homem. Entre as espécies, diante de um grande episódio ambiental, a primeira a ser extinta será a humana. Mas será que os gestores públicos têm essa compreensão?

Não estamos falando de previsões longínquas e sim de 2024. Sabemos que a gestão pública, seja municipal, estadual ou federal, é a grande responsável por medidas que impactam a sociedade. Redução de desigualdades, promoção dos direitos humanos e todas as discussões das cadeias ligadas ao social. E podemos incluir outras medidas que passam pela coisa pública: a preservação e a solução para impactos no meio ambiente, os esforços pertinentes às mudanças climáticas, emissões de gases, biodiversidade…

Isso no ambiental. E nas demais esferas?
Sim. Também os aspectos ligados à governança, como processos anti-corrupção. No entanto, persiste a impressão de atraso, se compararmos com alguns mercados que não estão na esfera pública.

Como quais?
Por exemplo, o financeiro, onde o termo ESG ganhou força.

Nosso poder público é ausente?
Parece que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário estão sempre atrás. Temos a sensação de que há um delay, um abismo, entre o cotidiano, o contemporâneo, os dramas atuais da sociedade e estes três poderes. Alguns setores da sociedade falam de inovação, de inteligência artificial, tratam de demandas persistentes há séculos e que ainda não foram contempladas ou não foram atualizadas em nossas políticas públicas.

“O Executivo, o Legislativo e o Judiciário estão sempre atrás. Temos a sensação de que há um delay, um abismo, entre o cotidiano, os dramas atuais da sociedade, e estes três poderes”

Somos dependentes da atuacão dessas organizações?
As organizações sociais atuam para trazer maior conscientização e sensibilidade para o poder público, mostrando a realidade, as verdadeiras necessidades e soluções nas áreas em que atuam. Desde o pós-guerra o terceiro setor supre as lacunas do primeiro e do segundo setor, evidenciando as brechas e cumprindo o papel de interlocutor e de fiscalizador.

E no caso brasileiro, especificamente?
O coração político, e refiro-me a Brasília, precisa acompanhar as previsões para 2024, não de maneira reativa, mas de forma preventiva. Mesmo que pareça tarde. E quem é capaz de propor essa antecipação de agenda, para que o País esteja preparado, são as organizações sociais ao mostrar seu potencial. Não apenas no que tange ao desenvolvimento, mas também ao conferir representatividade para aqueles que jamais seriam vistos, entendidos e ouvidos sem a mediação dessas organizações. Este ano será uma demonstração da importância deste entendimento.

Um dos graves problemas do ESG, incluindo o ambiental e o compliance, é a absoluta falta de métricas confiáveis. Há forte greenwashing, doloso ou culposo, que predomina. O senhor concorda?
Só faz gestão quem mede. É fundamento. Quem não mede não faz gestão.

E como medir o S do ESG?
Por exemplo. Pessoas com deficiência. É preciso saber onde estão essas pessoas. Saber qual o grau de deficiência delas. Só assim é possível se chegar a políticas públicas eficazes. Aqui na cidade de São Paulo estou, com a Secretária da Pessoa com Deficiência, buscando fazer um censo real de onde estão essas pessoas.

Vocês no Instituto Olka Kos trabalham com qual número?
No número real, 40% da população brasileira se diz com algum tipo de deficiência. Mas não dá para saber o verdadeiro grau da deficiência… esse número não tem. De toda forma há dados estatísticos que mostram que nos próximos 20 anos 50% da população será autista. Por quê? Porque somente hoje você consegue diagnosticar melhor o autismo.

Com essa dificuldade de medir, especialmente o grau de deficiência das pessoas, como vocês fizeram?
Eu me perguntei: ‘Onde transformo?’ E [a resposta foi que] só consigo transformar no ambiente de trabalho. Porque você passa dois terços da vida no ambiente de trabalho. Você pode estar em casa, assistindo à televisão, mas você está pensando no ambiente de trabalho. Mesmo quando você não tem trabalho você pensa em como trabalhar. Então, quis mudar. E buscar a métrica no ambiente de trabalho. Porque o Social, ele é muito volátil. Eu vou ali na esquina, dou uma cesta básica, eu sou o cara do social. Não é isso. A questão que nos fizemos foi: ‘[Precisamos pensar em] Uma pessoa preta, idosa, com deficiência intelectual, deficiência física, lgbtqia+ e em vulnerabilidade social’. Como é? Porque a vulnerabilidade social é a maior deficiência do nosso País. E como seria ela no ambiente de trabalho.

Tudo acaba na mesma situação: a inclusão profissional ou não?
Sim. No fim é isso.

Ter uma métrica, algo que referende nas organizações uma política efetiva de inclusão no campo do S, do ESG, se tornou algo obrigatório…
Por isso chegamos à Escala Cidadão, que o Instituto Olga Kos desenvolveu junto ao Inmetro.

Como se chegou a ela?
Chegamos a cinco variáveis. A primeira é a Arquitetônica. E não se trata apenas de uma empresa com rampas de acesso, piso tátil, computador adaptado. Não é isso. Trata-se também de como a empresa atua no seu entorno. E é obrigação dela atuar no entorno. Como o funcionário chega? Como sai e vai pra casa? A segunda variável é a Atitudinal. Como eu apoio uma pessoa assim? Como eu faço para ela se sentir parte do todo. A terceira é a Comunicacional. De cima pra baixo, de baixo pra cima, de dentro pra fora da empresa, como eu recebo a comunicação de fora pra dentro…

E as duas últimas?
A quarta é a Metodológica. Como faço para um office-boy chegar a presidente da empresa. E a quinta é um Programa, no qual eu ensino a pessoa a crescer, são as ferramentas. Em cima disso, colocamos 27 indicadores e 30 requisitos, numa escala binária: sim ou não? Temos ainda uma entrevista estruturada. Conversamos com o presidente, com o diretor, com o office boy, com contas a pagar, com auxiliar administrativo… E depois das cinco variáveis e das entrevistas estruturadas a gente qualifica se a organização é Pouco Inclusiva, Medianamente Inclusiva, ou Totalmente Inclusiva.

“Por que temos governança corporativa? Porque é um deal, move dinheiro. Por que temos governança ambiental? Por que é um deal. Move dinheiro. O mesmo será com o social”

Qual a fase atual junto às empresas?
Estamos começando. É igual ao ISO 9000. A mesma metodologia. Como o ISO entrou no Brasil? As montadoras europeias já tinham acordado, em seus países, que deveriam ter o ISO. Não iriam atuar no Brasil se não tivessem. E isso está se repetindo com a Escala Cidadã.

E a adesão, como está?
Há um grande caminho para você botar uma métrica de pé. A primeira é a comunicação [falar da existência da Escala Cidadã], que é o que a gente está fazendo. Vem uma grande empresa e fala, ‘essa métrica é legal, eu quero’. Exemplo, Bradesco. O Bradesco está contratando uma empresa de assessoria, se preparando para a certificação da Escala Cidadã. Ele precisa se preparar, saber se está conforme ou não conforme, se perguntar onde precisa melhorar. Porque a métrica funciona como no ISO. E quem certifica é uma certificadora. Temos já dez credenciadas pelo Inmetro para prestar assessoria e quatro para certificar. Todas treinadas por nós. E a gente, com o Inmetro, só valida se aquela certificação foi feita.

O que falta para dar tração e levar adesão maciça?
Há dois projetos, um na Câmara e outro no Senado. Vão obrigar a adoção da Escala Cidadã.

Vai se tornar realidade medir o S do ESG?
Vai. Tenho certeza absoluta.

E por que isso ocorreria? Por que o orimismo, mesmo com tanto greenwashing?
Não vai se tornar uma realidade porque nós criamos, botamos o ovo de pé. É simples: por que temos governança corporativa? Porque é um deal, move dinheiro.

E governança social…
Também é um deal. Vai mover dinheiro. União Europeia, Canadá e Estados Unidos estão criando o passaporte ESG, uma medida protecionista para os seus produtos. E sem estarmos em conformidade no E, no G e no S, não faremos mais negócios.