07/12/2025 - 7:00
O terceiro trimestre das gigantes globais de tecnologia, batizadas como “As Sete Magníficas” (The Magnificent Seven), foi para lá de positivo. Exceto Meta e Tesla, que apresentaram lucros menores, os outros cinco colossos norte-americanos – Apple, Amazon, Alphabet (controladora do Google), Microsoft e a preferida do momento, a fabricante de chips Nvidia –, superaram todas as expectativas do mercado.
Em meio a tamanha exuberância, contudo, o grupo das big techs derreteu, somado, US$ 1,75 trilhão em apenas um mês. Tal solavanco, cravado na bolsa novaiorquina dedicada ao setor de tecnologia, a Nasdaq, foi concentrado entre os dias 19 de outubro e 20 de novembro e contabilizado pela consultoria Elos Ayta. Desde então, até o dia 3 de dezembro, as gigantes recuperaram US$ 1 trilhão.
O sobe e desce tem sido frequente. Os fenômenos que movem trilhões a cada tacada retratam (e fomentam) entre agentes que operam em Wall Street, o coração financeiro dos Estados Unidos, dúvidas quanto à sustentabilidade dos negócios ligados à inteligência artificial (IA), trazendo, com isso, o temor de uma nova bolha do setor tecnologia.
Tal qual uma assombração que ressuscita, a oscilação no valor dos papéis reviveu a lembrança de um episódio perdido no passado, mas não o suficiente para estar esquecido: a bolha das empresas pontocom, que abalou a economia mundial no ínicio dos anos 2000. Na ocasião, centenas de empresas do universo de tecnologia e internet quebraram.

Especialistas consultados pela IstoÉ Dinheiro acreditam que a principal causa para o tombo mais recente foi uma correção de alta da Nasdaq, um movimento comum quando as ações sobem muito – e então os investidores decidem passar os papéis para frente e embolsar os lucros.
A bolsa norte-americana chegou à maior pontuação nominal de sua história em 29 de outubro, ao marcar 23.958 pontos, auxiliada sobretudo pela Nvidia, que renovou marcas históricas no mesmo período, e ajudou a puxar a Nasdaq. “Quando o mercado exagera nas altas, é natural um ajuste para níveis considerados mais sustentáveis”, segue Rivero.
Última das big techs a divulgar o balanço do terceiro trimestre, em 20 de novembro, e líder no ranking das gigantes em valor de mercado, a Nvidia apresentou receita de US$ 57 bilhões entre julho e setembro, e lucrou US$ 32 bilhões – com avanço de 65% em comparação ao mesmo período de 2024. “O micro da Nvidia permanece extremamente favorável, como indicado pela revisão de guidance [diretriz, meta da companhia] para o quarto trimestre do ano, com receita estimada em US$ 65 bilhões”, escreveu o analista do BTG Marcel Zambello em relatório pós-divulgação do balanço.
A exuberância dos números das gigantes de tecnologia costumam ser irresistíveis aos investidores, que no entanto precisam ter em mente que a volatilidade é a marca dessas companhias. É que o mercado reflete não apenas os fundamentos (ou seja, os dados econômicos de fato), mas suas expectativas em relação ao desempenho das empresas – atualmente, muito altas. Quando há uma expectativa de um crescimento acelerado e o ritmo diminui, ou apenas normaliza, qualquer decepção leva a quedas mais fortes. “E como essas empresas valem trilhões, qualquer oscilação parece gigantesca”, pondera Rivero.
É a desconfiança em relação às altas expectativas que alimenta o temor de bolha. Não se trata de um receio necessariamente novo, mas que ganhou força em Wall Street recentemente.
Não à toa, outros ativos de risco, como as criptomoedas, despencaram na esteira desses temores. O receio decorre da concentração de capital e das expectativas infladas em relação ao crescimento das big techs – e sua capacidade de moldar a economia atual. O valor de mercado desses mastodontes corporativos, somado, supera US$ 20 trilhões e representa quase 40% do S&P 500 – a lista das 500 maiores companhias listadas na Bolsa de Nova York (NYSE) e na Nasdaq. Se estoura uma bolha, o impacto em portfólios de investimentos de fundos de pensão e investidores individuais é imediato. Desse modo, o debate sobre a sustentabilidade dos negócios relacionados à IA deverá dominar a cena nos próximos trimestres, acreditam especialistas de mercado.
Um ponto desafiador para quem está do lado de fora dos boards das gigantes é desatar nós de visão estratégica. Os movimentos dessas empresas são ultra rápidos e os anúncios de aportes mundo afora são constantes. Recentemente, a Nvidia investiu na OpenIA, que por sua vez é cliente da Nvidia. A Microsoft também investiu na OpenIA, que por sua vez apostou na Anthropic, uma startup de IA fundada por executivos saídos da OpenIA. Além de misturas desse tipo, há outros pontos que levam a questionamentos.
“Algumas empresas vão precisar de financiamento para investir. E é preciso observar a capacidade de gerar receita para pagar as dívidas”, explica Enzo Pacheco, analista de ações da Empiricus. Um relatório recente, o HSBC concluiu que faltam US$ 207 bilhões para a OpenIA fechar as contas nos próximos cinco anos.
Investimentos são sustentáveis
Não há dúvidas sobre o potencial da tecnologia em si, mas o mesmo não pode ser dito da forma como ocorrem os investimentos nas empresas desse setor, se são sustentáveis ou se seguem a melhor estratégia na linha do tempo. Com a IA, um viés relevante, por exemplo, é a construção e a expansão de data centers, estruturas de processamento cruciais para suportar as operações globais das ‘big techs’. Os aportes necessários nessas instalações específicas para atender a esse tipo de tecnologia são gigantescos. Para efeito de comparação, se data centers tradicionais trabalham com capacidade de 10 a 20 megawatts (MW), os que atendem IA precisam de 50 a 100 MW no mínimo – o que exige aporte de recursos que pode ser mais de vinte vezes maior se comparado a um equipamento convencional. Um data center para atender operação relacionada à IA pode custar US$ 25 bilhões (é o valor de um projeto que será construído na Argentina no âmbito da iniciativa Stargate, apoiada tanto pelo governo norte-americano quanto por empresas privadas).

Pelo perfil dinâmico do negócio de tecnologia, a cada ano surge a necessidade de aportar recursos em novas estruturas ou produtos – daí os vultosos investimentos. Recentemente, Michael Burry, um dos investidores mais conhecidos dos Estados Unidos, famoso por seus lucros fabulosos na crise do subprime de 2008 e retratado no filme “A grande aposta”, levantou questionamentos sobre empresas estarem inflando os lucros por reconhecerem despesas de depreciação menores do que deveriam.
Burry encerrou o seu fundo de investimentos Scion Asset Management em novembro e faz barulho com uma newsletter paga intitulada ‘Cassandra Unchained’ , inspirada na personagem Cassandra, da mitologia grega, que faz previsões, mas está condenada a não ser ouvida. Na newsletter, já disseminou suas teorias sobre o futuro da IA, e chega a classificar a Nvidia como uma nova Cisco: ou seja, indispensável (a segunda, na época das pontocom), supervalorizada e apoiada em um volume de investimentos de longa duração que pode não se sustentar. Vale dizer que a Cisco opera de forma sólida atualmente e colhe bons resultados no presente.
“Na visão do Burry, e não estou falando que esteja correta, uma GPU tem uma vida, uma depreciação de dois a três anos, mas as empresas estão considerando depreciação de cinco a seis anos. Então, quando se aumenta a vida útil desse ativo, você reconhece menos despesa de depreciação por ano, e consequentemente o seu lucro aumenta”, comenta Pacheco. GPU, vale explicar para quem desconhece, é um circuito eletrônico projetado para realizar cálculos complexos em alta velocidade. Isso acelera o processamento de imagens, vídeos e outras tarefas ligadas à computação.
O GPU é o forte do negócio da Nvidia, a preferida entre as gigantes – mas é importante separar quem é quem entre as próprias ‘big techs’. No capítulo específico dos chips, Amazon, Google, Tesla, Microsoft e Meta são compradoras e usuárias dos chips. A Apple fabrica e compra. Os comentários publicados na “Cassandra Unchained” repercutiram além dos meandros de Wall Street e incomodaram o board da Nvidia, que emitiu boletim destinado aos analistas do mercado financeiro. “O comentário de Burry não faz sentido”, proclamou a companhia. A Nvidia lançou chips há seis anos que, na visão do Burry estariam na leva dos depreciados, mas que ainda têm forte demanda, diz a empresa.
Situação é bem diferente da bolha de 2000
Os receios de bolha seguem, e estão na mira de quem investe, mas ainda não arranharam seriamente as sete magníficas na visão de especialistas consultados pela IstoÉ Dinheiro. Para Rivero, da Elos Ayta, a comparação entre a euforia atual das big techs e a bolha das empresas pontocom, dos anos 2000, não se sustenta quando observados os fundamentos. “Diferentemente daquele período, hoje falamos de companhias maduras, hiperlucrativas e com geração de caixa consistente, inseridas em um ecossistema tecnológico consolidado”, opina. Para ele, não se trata de “uma bolha clássica”, mas de ocorrência em um mercado que precifica perfeição e, por isso, não tolera decepções.
