14/05/2010 - 6:00
Ouça um resumo da reportagem sobre a união das marcas de luxo
É noite de uma segunda-feira e Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consultoria & Conhecimento, empresa especializada no segmento de luxo, inicia mais uma entre as dezenas de apresentações que ele faz anualmente. O discurso e a reunião do dia, entretanto, são totalmente diferentes. O público, então, nem se fala. Apenas presidentes e donos das maiores empresas do setor.
Ali estão os comandantes das grifes Montblanc, Ermenegildo Zegna, Gucci, Tiffany, Breitling e de outras consagradas marcas. Há cerca de um ano e meio, eles se reúnem reservadamente, em média, a cada 40 dias e discutem os mais diversos planos para o segmento de luxo que, em 2010, deverá faturar US$ 6,5 bilhões.
Romeu Trussardi Neto, da Trousseau (à esq.), Sonia Quintela, diretora-geral da Gucci no Brasil,
e Marcelo Noschese, diretor-geral da Salvatore Ferragamo na América Latina, discutem novos rumos para o setor
Mas só agora resolveram sair do anonimato para dar força à Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael). DINHEIRO foi o primeiro veículo a participar da reunião da entidade que surge para discutir as questões estruturais do setor. E isso vem acompanhado de uma pesquisa exclusiva na qual observa-se que, nos últimos dez anos, as grifes deixaram de investir US$ 700 milhões no País por conta dos altos impostos e da disparidade cambial. ?Fazemos um baita showroom aqui para os consumidores comprarem no Exterior?, indigna-se Freddy Rabbat, representante da Montblanc no Brasil e atual presidente da Abrael.
Se antes os empresários do setor tinham vozes isoladas, agora ganharam unidade. Fazem parte da Abrael desde empresas de carro como a Audi e a Volvo até grifes de moda (leia quadro na página 62). E elas começaram a se mexer. Os integrantes da associação estão agendando conversas com os candidatos à Presidência Dilma Roussef e José Serra, planejam contratar um lobista e querem aproveitar a enxurrada de turistas que virão ao Brasil para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016.
Alberto Candelero (à esq.), da grife italiana Ermenegildo Zegna; Érika dos Mares Guia,
da rede de lojas M&Guia; e Renis G. Filho, presidente da empresa de óculos Sáfilo
?Precisamos, pelo menos, de uma política que preveja o Detax?, diz Carlos Ferreirinha, secretário de relações com o mercado da Abrael, referindo-se à devolução do imposto para os estrangeiros que comprarem no País, uma prática muito comum nos mercados internacionais. ?Se não tivermos isso, ninguém vai gastar aqui?, diz. Além dessas medidas, a entidade também iniciará um treinamento de agentes alfandegários da Receita Federal para que eles possam identificar produtos piratas que entram aqui todos os dias. ?Não podem colocar no mesmo saco um produto chinês e outro de luxo?, diz Ferreirinha.
Carlos Ferreirinha, da MCF Consultoria; Sandro Fernandes (centro), presidente da joalheria americana Tiffany;
e Fabio Gianni (à dir.), CEO da Tânia Bulhões Perfumes
Apesar de todas essas questões em pauta, a que mais incomoda ? e atravanca ? os negócios das grifes no País é a tributação. ?Tanto os consumidores como os empresários estão sendo penalizados?, diz Romeu Trussardi Neto, dono da empresa de artigos para casa Trousseau. ?Em alguns casos, o imposto sobre um sapato passa de 100%?, diz Érika dos Mares Guia, da M&Guia.
David Szpiro (de terno), diretor-geral da Breitling no Brasil, e Sidney Chreem, diretor-geral da Avec Nuance
O resultado disso? ?As pessoas acabam comprando fora do Brasil?, diz Alberto Andellero, comandante da Ermenegildo Zegna para as Américas do Sul e Central. ?Poderíamos ter o dobro de lojas no País?, diz sobre a marca italiana com cinco pontos de venda no Brasil. O estudo é claro sobre o impacto negativo do excesso de impostos no setor de luxo, mas é bom ressaltar que as próprias grifes têm uma lição de casa a fazer: as margens de lucro praticadas são de, em média, 150%.
Etel Carmona (à esq.), dona da Etel Interiores; Freddy Rabbat, representante da Montblanc no Brasil;
Lissa Carmona, diretora-geral da Etel Interiores; e Nicolas Pelufo (à dir.), dono do hotel Ponta dos Ganchos Resort
Isso encarece os produtos e ajuda a afugentar os clientes. De acordo com o Banco Central, os gastos de brasileiros em viagens internacionais chegaram a US$ 3,34 bilhões no primeiro trimestre deste ano, contra US$ 1,91 bilhão no mesmo período de 2009. A consultora de moda Christiana Francini é uma das que viajam anualmente para comprar em Nova York. ?Uma bolsa Chanel que aqui custa US$ 8 mil sai por quase US$ 2 mil lá?, diz. O frenesi dos brasileiros tem levado algumas operadoras de viagem a criar roteiros voltados à turma que só pensa em compras. ?Temos um roteiro chamado Compras em Nova York. Sempre vendemos todos os pacotes?, diz Cleiton Feijó, diretor da Nascimento Turismo.
Essa horda que parte para o Exterior compra desordenadamente. Para ter uma ideia, de cada dez calças jeans da marca americana Diesel encontradas no Brasil, nove são adquiridas lá fora. E isso tem criado uma nova cultura nas grifes internacionais. ?Quase todas as lojas da Gucci no Exterior têm vendedores que falam português?, diz Sonia Quintela, diretora-geral da Gucci no País.
Pirataria: para reduzir o número de produtos falsificados que entram no Brasil, os executivos da Abrael
vão treinar agentes alfandegários da Receita Federal a identificar as cópias baratas
Trata-se de um ativo que foi muito valorizado durante a recente crise econômica. ?Quem falava português era contratado a peso de ouro?, diz Sandro Fernandes, presidente da Tiffany no Brasil. Para tentar diminuir as perdas das grifes aqui no Brasil, a Abrael tem discutido o problema em reuniões de análises setoriais do Ministério do Desenvolvimento.
O ideal, dizem os membros da entidade, seria os produtos vendidos no País terem um preço 20% superior ao da Europa ? e não o atual índice de 100%. ?Estamos em uma panela de pressão?, diz Marcelo Noschese, diretor da Salvatore Ferragamo para a América Latina. ?Tem um monte de gente que quer comprar, mas a tampa é o preço.?
Concorrência: os brasileiros estão entre os maiores consumidores da Galeria Lafayette (à esq.),
de Paris. Eles compram o equivalente a 10% do faturamento da loja
A pesquisa da Abrael revela um outro dado impressionante. Todos os executivos do setor têm a aprovação das matrizes para ampliar os investimentos no Brasil, mas não conseguem fazê-lo. ?Esse é o quinto ano de operação da Breitling no Brasil e é a quarta vez que vou receber um diretor financeiro da matriz para entender como o mercado nacional funciona?, diz David Szpiro, diretor-geral da Breitling no Brasil. Um dos grandes problemas do setor é o modo como os produtos são tributados.
?Óculos que custam R$ 500, e chegam em menor quantidade, são taxados da mesma forma que os chineses que custam R$ 1 e vêm aos milhares?, diz Renis G. Filho, presidente da Sáfilo do Brasil, empresa que importa óculos de grifes como Giorgio Armani. Recentemente, DINHEIRO perguntou para Paolo Zegna, presidente do conselho e herdeiro da grife italiana Ermenegildo Zegna, como era trabalhar no Brasil. Ele deu a seguinte definição: ?É como guiar uma Ferrari em uma estrada de terra. Você não consegue acelerar na velocidade que poderia?, disse. A Abrael, dizem seus integrantes, está tentando pavimentar esse caminho.
Quem faz farte da Abrael
Samsonite, Trousseau, Audi, Platinuss, Volvo, Amaro Participações, Breitling, Tiffany & Co., Cartier, Montblanc, M&Guia, Salvatore Ferragamo, Villebrequin, Ermenegildo Zegna, Hermès, Louis Vuitton, Gucci, NK Store, Etel Interiores, Sáfilo, Ateliê Oral, Tânia Bulhões Perfumes, Ponta dos Ganchos Resort