22/10/2003 - 8:00
No dia-a-dia da administração pública, há um Brasil que contrasta com a euforia do mercado financeiro. É o Brasil da paralisia. Na Marinha, já não se trabalha mais às sextas-feiras, numa forma de economizar a comida das tropas. Nos aeroportos, o sistema de controle de tráfego aéreo vem sendo operado abaixo do padrão mínimo de segurança. Quando um funcionário falta, não há substituto. O ministro José Viegas, da Defesa, já foi alertado de que o Sistema de Vigilância da Amazônia está perto de parar. Na Polícia Federal, não há mais verba para a comida dos presos nem para as operações de investigação. O Sistema Nacional de Emprego (Sine), que atende 8 mil desempregados por dia, fechou dois postos em São Paulo e um em Recife ? e outros cinco estão prestes a encerrar as atividades. Também termina em duas semanas o dinheiro do seguro-desemprego. Fora do Brasil, a penúria é ainda mais humilhante. A embaixada do Brasil em Washington está ameaçada de despejo por falta de pagamento. Na ONU, o Brasil é o maior devedor. Se não quitar
US$ 180 milhões até dezembro, perde direito de voto. E, em sua última viagem ao Paraguai, a equipe do presidente Lula deixou uma conta pendurada de US$ 5 mil.
Juros de R$ 102 bi. Tudo isso é reflexo direto dos cortes promovidos este ano no Orçamento, que somaram R$ 14,4 bilhões, e ajudaram o País a obter um superávit fiscal de 4,91% do PIB, antes dos gastos com juros. Significa que a Fazenda está represando R$ 6,6 bilhões a mais do que o necessário para cumprir a meta de 4,25% prometida ao FMI. E, enquanto o governo Fernando Henrique aumentou em 6% ao ano os gastos públicos, o presidente Lula os reduziu em 6% em apenas nove meses. Mas na ponta intocável do Orçamento, já foram pagos R$ 102 bilhões em
juros ao mercado financeiro ? contra R$ 60 bilhões no mesmo
período do ano passado. Além disso, na área de infra-estrutura, a execução do Orçamento é de apenas 6,18% do total previsto, o menor índice desde 1994. ?A recessão e o fim das receitas extraordinárias minaram a arrecadação?, afirma o economista Fábio Giambiagi, do BNDES. ?É o ano de apertar cintos, mas 2004 será melhor?, avalia. ?O Brasil retrocedeu ao nível de despesas de 1995?, reforça o consultor Raul Velloso.
Na semana passada, um grande empreiteiro ligou para uma autoridade do Ministério dos Transportes a fim de ameaçar, em nome das 300 empresas que trabalham com o governo, paralisar completamente 200 obras de recuperação de estradas em todo o País se R$ 400 milhões em dívidas atrasadas não forem pagos imediatamente. O recado foi transmitido ao ministro Anderson Adauto, que agendou um encontro para esta quinta-feira 23 com o empreiteiro José Alberto Ribeiro, presidente da Associação Nacional de Obras Rodoviárias (Aneor). ?Se a dívida não for paga, vamos parar?, avisa Ribeiro. ?Não queremos afrontar ninguém, mas nosso gás acabou.? O ministro já está conformado com a suspensão das obras. Já há 400 obras paradas; agora serão 600. O cofre do ministério secou. Pior, já foram empurrados para 2004 R$ 600 milhões de despesas que deveriam ser quitadas este ano. Na economia real, as empreiteiras já estão demitindo. De um ano para cá, 170 mil pessoas foram postas na rua. Há mais 30 mil demissões engatilhadas.
Na Fazenda, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, planeja manter o arrocho como está. ?O grande desafio do governo não é dar dinheiro, mas transmitir clareza aos investidores privados?, afirmou à DINHEIRO. ?É ótimo gastar, mas o mais importante é aproveitar o que já existe.? O que muitos analistas questionam é a razão de o governo ter inflado a máquina pública. Hoje, há em Brasília nada menos que 34 ministérios e secretarias com status especial. Eram 27 antes da posse de Lula.