04/08/2004 - 7:00
Com espaço suficiente para estocar 3 milhões de peças de roupa em seus 80 mil metros quadrados, o centro de distribuição da rede de lojas Riachuelo, em São Paulo, era um retrato sem retoques, na quinta-feira 29, do momento do consumo. Absolutamente vazio, o cenário revelava o empuxo de movimento das 76 lojas da rede no País. As vendas aumentaram em 30% nos últimos dois meses. ?O que chega, sai?, resumia o vice-presidente da empresa, Newton Oliveira Júnior. Na capital do País, o maior shopping de informática da região Centro-Oeste, o CTIS, também experimentou os encantos da estação. Um monitor de computador de 15 polegadas, que vendia no máximo 12 unidades por mês, atingiu em julho a marca de 93 compras. ?A hora é esta?, definia o médico Lúcio Lucas, que pagou R$ 1,3 mil pelo equipamento. Detalhe: em dez vezes sem juros.
Como se exergasse um super-herói, muita gente se pergunta a respeito da escalada consumista: é uma bolha? É uma tendência? É para valer? Números como os impressionantes 30% a mais nas vendas de veículos em São Paulo em junho explicam-se porque a base de comparação é uma das piores da última década. Com o PIB tendo andado 0,2% para trás em 2003, qualquer sopro de vida parece um vendaval. Outra vez espelhado em junho do ano passado, as compras de vestuário e calçados aumentaram 21%. Por conta apenas da comparação estatística, o segundo semestre não será tão quente, uma vez que no mesmo período de 2003 já houve crescimento. O aquecimento de agora, por outro lado, apóia-se na boa raiz do crescimento da massa salarial. Só em São Paulo, em maio, o Dieese apurou que o dinheiro aterrissado na economia vindo das folhas de pagamento ficou 8,8% maior. Com dados contraditórios, e o governo mantendo os juros altos, ninguém sabe até quando a mágica da multiplicação das vendas vai durar. Mas o seu principal truque já foi descoberto ? e está agradando.
Os empresários resolveram financiar os próprios consumidores, dilatando prazos de pagamento e derrubando juros no ritmo da queda da Selic ? menos 10 pontos percentuais desde junho de 2003. Neste período, o volume de operações de crédito da economia cresceu 16,54%. Um salto que elevou no mês passado para R$ 422 bilhões o recorde histórico de recursos em financiamentos. São 27% do PIB, e não representam tudo. A massa de cheques pré-datados na praça fica fora desse cálculo. ?O crescimento do comércio é bancado pela ampliação do financiamento?, atesta a economista da Fecomércio de São Paulo, Fernanda Della Rosa. A despeito do governo insistir em refrear o vôo da economia, no dia-a-dia está cada vez mais fácil abrir um crediário, com exigências tradicionais como trabalho formal e renda mínima sendo riscadas do manual dos lojistas. São os empresários assumindo riscos, querendo crescer apesar da política macroeconômica medíocre. Na Riachuelo sem estoques, o crédito é oferecido à base de 4,9% de juros ao mês, em sete parcelas. ?Até o mês passado, vendíamos em até cinco vezes. Resolvemos ousar na parceria com o cliente?, conta o executivo Oliveira Júnior.
Para onde se olhe, lá estão os consumidores com suas sacolas. Equipamentos de cine, foto e som tiveram um acréscimo de 17% nas vendas entre junho e julho no Rio de Janeiro. No Estado, as compras nas lojas de departamento aumentaram 6,7%. Em Recife, o varejo teve suas vendas turbinadas em 10% desde o começo do ano. O termômetro sobe até em ambientes historicamente frios, como a construção civil. Em São Paulo, em junho, o movimento aumentou em 7,5%. ?A confiança aumentou?, acredita Fernando Castro, diretor da Telha Norte. Um buraco de 11% na redução de vendas foi aberto no setor em 2003, mas a expectativa é de virada. A venda de livros arremete. As compras na rede Cultura registraram acréscimo de 8% este mês. ?A curva é para cima?, diz o presidente da empresa, Pedro Herz.
Na quinta 29, a Fiesp anunciou que as vendas da indústria paulista cresceram 22% desde janeiro. O consumo interno faz sua parte, inclusive com a reentrada em cena das classes mais pobres. O governo, no entanto, causou tumulto nesta área. Uma MP, a 179, feita por inspiração do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, foi publicada com uma redação que proíbe o pagamento em dinheiro vivo das contas no crediário. Grotescamente arbitrária, essa medida rapidamente mostrou sua face antipopular. Levada a efeito, a partir de outubro, riscaria do mapa do consumo nada menos que 47 milhões de cidadãos que não têm conta bancária e pagam suas contas em notas de R$ 1 a R$ 100, muitas autografadas pelo próprio Palocci. Na quinta-feira 30, técnicos da Receita Federal explicaram que a justificativa da MP era compensar perdas na arrecadação de CPMF causadas por expedientes de grandes empresas. O povo teria entrado na dança por uma barbeiragem de redação. Constrangidos, prometeram baixar portaria com uma série de exceções na 179. Ficou chato.