15/03/2006 - 7:00
O russo Maxim Vengerov, um dos mais respeitados concertistas da atualidade, não vacila um segundo quando lhe perguntam a respeito da relação com seu Stradivarius, o Kreutzer, comprado por ele em um leilão a US$ 1,5 milhão. ?É um casamento?, resume. O violino é um instrumento tão feminino que a metáfora é inevitável,
pelo menos para os homens. As mulheres encararão seus instrumentos como uma extensão de si mesmas. A virtuose alemã Anne-Sophie Mutter repousa seu Strad no ombro nu. As roupas seriam uma barreira. Revelações desse quilate dão o tom de Stradivarius ? Cinco violinos, um violoncelo e três séculos de perfeição, do americano Toby Faber (Editora Record; 280 páginas; R$ 39,90). É a fascinante história de uma obra-prima do Ocidente, a peça de quase 300 anos que transformou seu criador, o luthier cremonense Antonio Stradivari (1644-1737) em um Michelangelo da música. Os séculos passam, os avanços tecnológicos se impõem e a lenda não pára de aumentar. Por meio da trajetória de seis dos 600 exemplares ainda existentes ? daí o subtítulo do volume ? Faber mostra como o artesão italiano criou um ícone capaz de misturar ciência e estética. Especialistas europeus já tentaram desvendar os segredos de um Stradivarius, por meio de raio X e análise de estrutura do ADN. Alguns chegaram a determinar o que os fez especiais: uma camada de pó entre a madeira e o verniz e o suposto uso de água salgada no tratamento do ébano. São teses polêmicas, nunca comprovadas, que apenas alimentam o mito.
?Há algo que a tecnologia não consegue reproduzir, a ação do tempo?, diz o luthier brasiliense Túlio Lima. ?As variações climáticas, as deformações, as reparações e o toque dos violonistas fazem da cada Stradivarius uma peça única?. É, a rigor, como a voz humana. Grandes gênios sempre souberam disso. Yehudi Menuhin, o maior deles, que vendeu um Strad a Itzhak Perlman por US$ 1,25 milhão, foi direto ao ponto. Assim, como poesia: ?Um grande violino é um ser vivo; sua própria forma encarna as intenções do artesão, e sua madeira guarda a história, ou a alma, de seus sucessivos donos. Toda vez que eu toco, tenho a sensação de ter liberado ou, desgraçadamente, violado espíritos?. Uma nova chance para violação de espíritos acontecerá no próximo dia 16 de maio, em Nova York. A Christie?s levará a leilão um exemplar de 1707, o ?Hammer?, referência ao colecionador sueco Christian Hammer, dono da preciosidade no século XIX, utilizado hoje nos concertos pela japonesa Kyoko Takezawa. Estima-se que o valor alcance US$ 2,5 milhões, o maior de todos os tempos para um instrumento musical.