Duas horas da programação diária da cadeia de rádios Univision America, dos EUA, são dedicadas à defesa dos direitos latinos. No comando, um âncora de tendência democrata trata de ensinar direitos e deveres ao público hispânico há seis anos. O apresentador é o empresário uruguaio Fernando Espuelas. Para quem não se lembra, Espuelas criou, no fim dos anos 1990, o portal Starmedia, a primeira empresa latina de internet a abrir capital na Nasdaq, a bolsa eletrônica americana que abrigou as principais companhias pontocom daquele período. As ações da Starmedia estrearam a US$ 15 e subiram para US$ 70 em dois meses. 

 

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A companhia, em seu pico, chegou a valer US$ 3,7 bilhões. Espuelas, dono de 10,5% do portal, passou a deter um patrimônio de US$ 390 milhões, que, corrigidos pela inflação em dólar e convertidos para real, valeriam atualmente R$ 1,2 bilhão. Da noite para o dia, Espuelas se tornou uma das estrelas mais brilhantes daquela época. Cinco ex-funcionários da Starmedia que falaram à DINHEIRO fizeram elogios ao seu carisma. No entanto, os resultados não vieram e a bolha pontocom explodiu. Na mesma velocidade em que subiu, a empresa caiu. A Starmedia, um dos símbolos da euforia, foi vendida três anos depois de seu IPO por pífios US$ 8 milhões para a EresMas, hoje nas mãos do grupo de telefonia francês France Telecom. 

 

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Espuelas diz ter perdido US$ 500 milhões com a debacle de seu portal. Aos 47 anos, o empreendedor foi abrigar-se nas seculares ondas do rádio para dar continuação ao seu trabalho. “Uma das missões da Starmedia era dar poder ao povo, e é o que faço no meu programa”, disse Espuelas, em inglês, à DINHEIRO. “Juntos, os latinos podem superar seus problemas e a internet pode ser uma poderosa aliada para isso.” A atual rotina de Espuelas lembra mais a de um jornalista do que a de um administrador que chegou a ter sob seu comando 1.200 empregados em 16 escritórios pela América Latina e os EUA. 

 

A primeira tarefa ao acordar em sua residência em Washington D.C. é levar os dois filhos de 7 e 14 anos à escola. Logo que retorna, acompanha cerca de 20 sites de notícias e compartilha intensamente links de suas leituras pelas redes sociais. “Também ligo diariamente para minhas fontes em Washington”, afirma Espuelas. “Preciso entender o que está acontecendo.” Após consumir seu cardápio diário de informações, Espuelas vai para a Univision se preparar para entrar no ar ao meio-dia e conduzir ao vivo o “Fernando Espuelas Show” por duas horas. No estúdio, ele divulga suas opiniões e a defesa da comunidade latina, além de realizar entrevistas com políticos famosos. 

 

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Influente: Fernando Espuelas (segundo à esq.) e sua mulher foram recebidos por Michelle e Barack

Obama durante a tradicional festa de Natal da Casa Branca 

 

O presidente Barack Obama, bem como seu vice, Joe Biden, já foi sabatinado por Espuelas. Depois do programa, o empreendedor reserva o restante da tarde para movimentar suas redes sociais. Polemista nato, ele escreve artigos políticos para veículos como o Huffington Post e o The Hill. De vez em quando, faz uma pausa para jogar o game de estratégia Civilization V. Quem não conhece a biografia de Espuelas pode achar que ele sempre se dedicou ao microfone. “Adorava participar do clube de debates da minha escola, veio daí o começo da minha aproximação com a comunicação”, diz ele, que imigrou com sua família para os Estados Unidos aos 10 anos. Mesmo chegando cedo ao território americano, Espuelas nunca abandonou suas raízes. 

 

Bob Wollheim, que foi vice-presidente de produtos da Starmedia e hoje está à frente de diversos negócios digitais no Brasil, lembra que Espuelas tinha em seu escritório, em Nova York, onde era a sede da Starmedia, um mapa-múndi de cabeça para baixo. “O Uruguai ficava no centro.” A profissão de radialista não tirou a vontade de Espuelas de empreender. Ele pode voltar ao mercado digital em breve. O empresário participa de duas pequenas empresas de tecnologia. Ambas ainda estão afinando seus planos de negócios. “Uma empresa tem como alvo o Brasil e a América Latina e a outra tem ambições globais”, afirma, sem dar detalhes. O empresário se mostra animado com o atual cenário brasileiro. 

 

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Ferida aberta: a Starmedia passou de queridinha da Nasdaq, a bolsa de empresas

de tecnologia dos EUA, a pó em três anos

 

“Mudaria para o Brasil amanhã por uma boa oportunidade, é o mercado mais promissor do mundo”, afirma Espuelas. “A cultura tecnológica brasileira é parecida com a do Vale do Silício.” Não será a primeira vez que Espuelas retornará ao mercado digital, depois da quebra da Starmedia. Em 2004, ele apostou na Voy, uma empresa multiplataforma de mídia e entretenimento voltada para os latinos dos EUA, que também contava com um site de música e com uma produtora de filmes que lançou o documentário “Favela Rising”, sobre o trabalho de Anderson Sá, da ONG AfroReggae. Ele também enveredou pela literatura de autoajuda ao lançar o Vida em ação: 12 princípios de felicidade e sucesso. 

 

Na época em que dirigia a Voy, Espuelas negou a possibilidade de fazer um IPO. Dessa vez, iria ter mais cautela. Mas nem a precaução impediu o negócio de naufragar. “Iríamos vender a empresa em 2007, tínhamos um contrato de US$ 12 milhões, mas ninguém poderia prever a recessão”, diz. No ano seguinte, época da quebra do Lehman Brothers e da estreia no rádio, a Voy foi fechada. “Deveríamos ter enfocado em menos produtos.” Um amigo próximo disse que, nos quatro anos em que esteve à frente da Voy, Espuelas já parecia mais “pé no chão” em comparação à época de Starmedia. “A tecnologia no fim dos anos 1990 era primitiva e dificultava a operação em 16 países. Hoje o mais importante é a ideia”, afirma o empresário uruguaio. Agora é esperar para ver se Espuelas, desta vez, chega lá.

 

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