Por Vitoria Saddi

Durante meu PhD trabalhei no Wrigley Institute da USC. Trata-se de um respeitado instituto que visa a preservação do meio ambiente na costa do sul da Califórnia. Um dos projetos de que participei foi a limpeza da baía de Santa Monica. O condado local não queria arcar com os custos da despoluição. Ao mesmo tempo, sabia-se quem eram as principais empresas que poluíam a baía. O Wrigley desenvolveu um modelo para quantificar o volume de CO2 gerado por empresa e vendemos ‘pollution permits’ para cada uma delas. Tais licenças estabeleciam um limite máximo que cada indústria podia poluir. Se quisessem poluir mais teriam de comprá-las de outras empresas que não usassem todas as licenças. Aqueles que não compravam eram multados num valor quatro vezes superior ao preço das licenças. E, quem não usasse poderia vender, criando um mercado. Isso foi no início dos anos 2000 e desde então houve avanço significativo na preservação do meio ambiente. Este texto explora dois desses instrumentos: o crédito de carbono e o sistema de ‘Cap and Trade ’, cuja origem remonta ao nosso exemplo da baía de Santa Mônica.

Créditos de carbono são certificados que representam a remoção de uma tonelada de CO2 (ou equivalente) da atmosfera. Podem ser gerados por projetos que reduzam, evitam ou capturam emissões. Empresas, governos ou indivíduos podem comprar esses créditos. Já o sistema Cap and Trade da Califórnia impõe um limite máximo (cap) nas emissões totais de gases de efeito estufa de grandes emissores, como usinas de energia e fábricas. As empresas recebem ou compram licenças de emissão, que representam o direito de emitir uma tonelada de CO2. O limite é reduzido gradualmente ao longo do tempo, incentivando as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis. Se uma empresa emite menos do que sua alocação, ela pode vender (trade) suas permissões excedentes no mercado. Na prática, enquanto o Cap and Trade estabelece um limite para emissões e cria um mercado para permissões de emissão, os créditos de carbono oferecem um meio de compensar as emissões que estão além desse limite.

O mercado de Cap and Trade opera através de leilões e negociações privadas. O preço das licenças de emissão é determinado pela oferta e demanda. Para evitar variações bruscas no preço e garantir a estabilidade do mercado, o programa possui um preço mínimo e máximo para as permissões. Isso ajuda a manter um incentivo econômico constante para a redução de emissões, sem causar impactos negativos abruptos na economia. As receitas geradas pelo sistema são investidas em projetos que promovem a redução de emissões e sustentabilidade.

Desde sua implementação, o Cap and Trade da Califórnia tem sido eficaz na redução das emissões de gases de efeito estufa. Ele incentivou inovações e investimentos em tecnologias limpas e práticas sustentáveis. Além disso, serviu como modelo para outros Cap and Trade pelo mundo, demonstrando que políticas ambientais rigorosas podem coexistir com o crescimento econômico.

O Cap and Trade e os créditos de carbono são complementares. Essa inter-relação incentiva a redução tanto internamente (através da eficiência e inovação) quanto externamente (através do apoio a projetos sustentáveis). De toda forma, os problemas em ambos os mecanismos existem e não são poucos. Assim, por exemplo, há projetos que afirmam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas, na verdade, não têm impacto significativo ou são baseados em dados falsificados.

Outro aspecto é também a inflação artificial dos preços dos créditos de carbono ou a criação de um mercado secundário ilícito para a venda de créditos. A ausência de transparência nos processos de certificação e venda de créditos de carbono pode criar um ambiente propício para práticas corruptas. Embora não seja corrupção no sentido tradicional, o greenwashing ocorre quando empresas usam o mercado de crédito de carbono para se apresentarem como ambientalmente responsáveis, sem fazer mudanças significativas em suas práticas. Existe sempre o problema do free riding, em que muitas empresas se esquivam em colaborar e se beneficiam da presença de ar limpo.

A presença de problemas, no entanto, não deve diminuir a adoção de tais mecanismos. Ao contrário. Ambas inciativas são promissoras e merecem ser aplicadas em maior escala. O exemplo da California do sistema de Cap and Trade poderia ser facilmente adotado em grandes metropóles no Brasil.

*Vitoria Saddi é estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.