DINHEIRO – As empresas exportadoras vivem uma verdadeira queda de braço com o governo, por conta do crédito-prêmio do IPI. Não existe uma forma, digamos, amistosa de resolver a questão?
ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA – Esse é o nosso objetivo. Até porque, se insistirmos na disputa judicial isso trará uma perda potencial de R$ 180 bilhões para o governo e R$ 200 bilhões para as empresas. Trata-se de um número que poderá colocar em risco a saúde do sistema produtivo brasileiro.

DINHEIRO – E como se chegou a esses números?
FONSECA –
As empresas continuaram compensando os efeitos do recolhimento de IPI baseadas na jurisprudência decorrente de 150 ações, entre liminares e processos vencidos por exportadores. O problema começa em 2004, quando alguns ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sucumbiram à pressão do Ministério da Fazenda e alteraram uma decisão anterior que nos dava ganho de causa.

DINHEIRO – Mas o governo fala em um prejuízo potencial de R$ 288 bilhões aos cofres públicos, caso aceite o pleito dos exportadores. Afinal, existe algum número confiável?
FONSECA – Gostaria de enfatizar que nossa posição foi e contínua sendo pelo acordo. Não queremos o confronto. Nossos números são baseados em duas fontes: pesquisas conduzidas pela Fiesp diretamente com as empresas e estudos encomendados a entidades idôneas como a Fundação Getúlio Vargas, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior e a LCA Consultoria. Todos indicam que o débito referente ao crédito-prêmio no período 1990-2002, chega a R$ 70 bilhões. Desse total, restam compensar apenas R$ 20 bilhões. Não queremos dinheiro, mas sim o direito de fazer um encontro de contas e compensar o valor em impostos pendentes, além da possibilidade de negociar os créditos com empresas que têm passivos com a União.

DINHEIRO – Mas, se o acordo é tão bom, por que, então, o governo resiste em aceitá-lo? FONSECA – Na verdade, a intransigência não é do governo como um todo. Trata-se de uma pressão violenta dos burocratas do Ministério da Fazenda e da Receita Federal que têm uma visão excessivamente arrecadadora. Eles preferem que o governo corra o risco de perder R$ 180 bilhões a fazer um acordo justo. Infelizmente, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, sucumbiu à vontade dos burocratas.

DINHEIRO – E qual foi a importância do crédito-prêmio para as exportações brasileiras? FONSECA – Graças a esse mecanismo o Brasil conseguiu dar um salto em sua balança comercial nas décadas de 1970 e 1980, em um momento delicado marcado por crises de petróleo e déficits internos.

Karime Xavier/Ag. Istoé

DINHEIRO – A aprovação da MP 460, que embute um acordo referente ao crédito-prêmio não resolveria essa pendência?
FONSECA –
Sem dúvida. A matéria já foi aprovada no Senado e está para ser votada na Câmara dos Deputados. Damos como certa sua aprovação, nas próximas semanas, apesar da oposição do ministro Mantega, que alega não ter sido consultado sobre o acordo. Isso é um absurdo porque o texto tem claramente as digitais de empresários e da equipe econômica.

DINHEIRO – O sr. acredita que ele está agindo de má-fé?
FONSECA –
Não diria isso. Acho que ele se deixou levar por uma posição corporativista e fiscalista da burocracia do Ministério. Eles querem ganhar no apito e isso nós não admitimos.

DINHEIRO – Por que, na avaliação do sr., essas pendências sempre geram números tão díspares?
FONSECA – Infelizmente, já se tornou praxe que a Receita Federal faça uma espécie de terrorismo fiscal e advogue na Justiça sempre com base em riscos sistêmicos para o Estado. Mas ninguém nunca fala do risco de o contribuinte ser penalizado injustamente e até falir. A relação Estadocontribuinte deveria ser mais respeitosa. Acho que o fisco deveria agir com pragmatismo e zelar pelo bemestar do contribuinte porque depende dele para arrecadar impostos.

DINHEIRO – Mas isso não seria uma manobra defensiva da Receita, já que os brasileiros, na média, vivem procurando formas de burlar o fisco?
FONSECA – Discordo dessa visão. O brasileiro, em essência, não é um sonegador. Existem bons e maus pagadores, como em qualquer lugar do mundo. Contudo, também é verdade que quanto maior a carga tributária mais ela incentiva a sonegação. A solução para esse problema seria a realização de uma profunda reforma tributária. Temos de eliminar os impostos de má qualidade e que causam entraves ao crescimento do País.

DINHEIRO – Mas isso vem sendo prometido por todos os governos desde a década de 1990…
FONSECA – A Fiesp pretende levantar essa bandeira e fazer um pacto de só apoiar o candidato a presidente que se comprometer a fazer a reforma nos primeiros seis meses de governo. Estamos cansados de ser enganados. 

DINHEIRO – Números recentes mostram que o déficit público voltou a crescer. Falta disciplina fiscal a esse governo?
FONSECA – Nunca houve um compromisso filosófico do governo em relação ao corte de gastos públicos. Isso retira dinheiro de investimentos e renda do trabalhador. O governo gasta mal e não paga a quem deve.

 

DINHEIRO – Trata-se de um pecado apenas desse governo?
FONSECA –
Infelizmente, não. O governo de Fernando Henrique tem como mérito o fato de ter criado a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas não foi pródigo em controlar as contas públicas.

DINHEIRO – Mudando de assunto, os exportadores vivem reclamando da taxa de câmbio e do tal custo Brasil. Contudo, as vendas externas não param de crescer. Por que o setor chora tanto?
FONSECA – Não se trata de choro. Apesar dos números positivos, o Brasil ainda exporta muito pouco. O coeficiente de vendas externas em relação ao PIB é de 13%, número bem abaixo dos 30% registrados por outros países emergentes como México, China, Rússia e Índia. Em 1985 quando estive pela primeira vez na China, aquele país exportava US$ 25 bilhões, o mesmo patamar do Brasil. Hoje, nossas vendas externas estão em US$ 180 bilhões por ano, contra US$ 1 trilhão dos chineses.

DINHEIRO – E o que o Brasil está fazendo de errado?
FONSECA – O governo chinês agregou a demanda externa à sua proposta de crescimento econômico. A carga tributária é baixa e os exportadores ainda têm direito a um ressarcimento de 9%, referente aos impostos pagos. No Brasil, somente após 1999, com a Lei Kandir, é que deixamos de pagar ICMS. Hoje, ainda temos um custo residual de impostos em torno de 7% relativos a PIS e Cofins. Isso sem falar em outros itens que nos deixam vulneráveis como a taxa de juros e o câmbio.

DINHEIRO – O sr. não defende o câmbio livre?
FONSECA – Sim. Mas para ter uma taxa flutuante é preciso ter equilíbrio nas demais variáveis, como os juros e o câmbio financeiro. Hoje, o câmbio financeiro, proveniente da enxurrada de dólares em busca de investimentos especulativos, é quem dita o valor do câmbio comercial. Isso distorce os números e faz com que tanto os importadores quanto os exportadores vivam em meio a grandes incertezas.

DINHEIRO – E o que precisa ser feito para equilibrar a situação?
FONSECA – Uma das medidas seria o controle do fluxo de entrada de capitais especulativos via cobrança de impostos. O Chile e a Malásia fizeram isso. O Brasil é muito passivo nessa área e isso gera uma volatilidade que não se vê em nenhum outro país.

DINHEIRO – O sr. participou ativamente do governo FHC. Por que não conseguiu impor essa agenda?
FONSECA – Confesso que saí do governo com um sentimento de frustração. Muitas vezes fui desautorizado pelo pessoal da Fazenda e da Receita. Vários dispositivos importantes que apresentei acabaram sendo aprovados somente no governo Lula.

DINHEIRO – Quer dizer que o sr. estava trabalhando no governo errado?
FONSECA – De maneira alguma. Fui convocado pelo ministro Alcides Tápias, da Indústria e do Comércio, por ter um estilo brigador. Minha missão era lutar pelos interesses do setor.

DINHEIRO – O comércio exterior melhorou na gestão Lula?
FONSECA – A evolução começou a partir de 1999, quando o País abandonou uma política cambial equivocada. O Lula tem dado uma boa atenção ao setor mas ainda faltam muitos pontos a serem aperfeiçoados. Hoje, o Brasil responde por 1,1% do comércio mundial. Evoluímos em relação a 1999, quando nossa fatia era de apenas 0,7%. Contudo, estamos longe do patamar de 1985 quando atingimos 1,5%.

DINHEIRO – Esse não é mais um choro do setor?
FONSECA – Claro que não. O que queremos é apenas nos igualar aos nossos competidores. O exportador brasileiro é como um atleta que entra em uma corrida carregando um saco de um quilo de areia nas costas. É uma disputa desigual. Costumo dizer que o exportador brasileiro é um idiota. Acreditamos na palavra do governo, trabalhamos duro para abrir mercados para os produtos brasileiros e no final somos tratados como vilões.