Os Emirados Árabes Unidos entraram, nas últimas décadas, no mapa do turismo mundial, tornando-se um relevante destino de compras, atraindo legiões de viajantes interessados em seus luxuosos e deslumbrantes hotéis e resorts. Ao mesmo tempo, consolidaram-se como um importante hub de vôos que conectam o Ocidente e o Oriente – o aeroporto internacional de Dubai, por exemplo, superou, em janeiro deste ano, o de Heathrow, de Londres, como o de maior tráfego de passageiros do mundo. Mas falta à jovem nação, formada por sete principados que se uniram sob uma bandeira, em 1971, numa região que até o século XIX abrigava apenas tribos do deserto, aquilo que caracteriza os mais importantes destinos turísticos urbanos mundiais: riqueza cultural e histórica.

O governo local, no entanto, tem um ambicioso projeto para suprir essa lacuna. Até o fim deste ano, deverá ser inaugurado o Louvre Abu Dhabi, a primeira “filial” internacional do museu mais conhecido e de mais rico acervo do mundo. Na prática, trata-se de uma instituição autônoma em relação ao Louvre parisiense, mantido pelo Estado francês, no antigo palácio renascentista que sediava o governo do país e que se tornou um museu nacional durante a Revolução Francesa. Mediante um acordo de 30 anos, o governo dos Emirados pagará à França € 1 bilhão, cerca de US$ 1,3 bilhão, para poder usar a marca para o seu projeto e ainda contar com uma consultoria dos gestores do Louvre original para montar a sua coleção.

O museu contará, também, em sua abertura, com uma forcinha extra. Receberá emprestadas 300 valiosas obras expostas em museus públicos franceses, como o D’Orsay, o Georges Pompidou e o Palácio de Versalhes, entre outros. Um dos destaques virá diretamente do catálogo do Louvre: La Belle Ferronnière, de Leonardo da Vinci, que rivaliza em beleza com a estrela máxima da sua coleção, a Mona Lisa, do mesmo artista. As grandiosas ambições árabes não param por aí. O objetivo é montar uma coleção universal, assim como é a do Louvre original e de alguns outros pouquíssimos museus do planeta.

Os curadores do projeto estão adquirindo obras representativas de importantes artistas e movimentos estilísticos do Oriente e do Ocidente, e de diversas eras. Do Egito Antigo à pintura do Império Mughal indiano. De pinturas de precursores do movimento impressionista, como Édouard Manet, ao abstracionismo contemporâneo do americano Cy Twombly, que tem as suas telas vendidas por pelo menos US$ 5 milhões. Da arte do Mali ao Pré-Renascimento veneziano do pintor Giovanni Bellini. Entre 2009 e 2014, o emirado de Abu Dhabi investiu US$ 55 milhões por ano para adquirir obras de arte ao redor do mundo. Trata-se de um esforço financeiro que não tem precedentes no mercado contemporâneo de arte.

E que ainda não chegou ao fim. Cerca de 300 obras já foram arrematadas. “Hoje a grande dificuldade para compor uma coleção assim é o que não falta a eles: o dinheiro”, diz Jonas Bergamin, diretor da Bolsa de Arte, uma das principais agências de leilão do Brasil. “Só o Hermitage, da Rússia, tem uma coleção semelhante naquela parte do mundo. São os árabes os responsáveis pelo valor atual da grande arte à venda.” Várias das obras compradas chamam a atenção. É o caso de uma pequena escultura de uma princesa da Báctria, do início da civilização, da virada do terceiro para o segundo milênio antes de Cristo.

Assim como um bracelete de ouro com duas cabeças de leões, da civilização aquemênida, esculpido há 2,8 mil anos, no Irã Antigo. Outras obras valiosas são um quadro do holandês Piet Mondrian, que pertencia ao célebre costureiro francês Yves Saint-Laurent e até um de Pablo Picasso que nunca fora exposto antes. Há, ainda, uma coleção de pinturas miniaturas indianas comprada do cineasta americano James Ivory, diretor de Uma Janela para o Amor. Mas, essa avalanche de investimentos não deve afetar o mercado nacional. “Os artistas brasileiros não interessam a eles.”, diz Bergamin.

“Eles buscam artistas com repercussão na Europa e nos EUA.” O próprio museu em construção será uma dispendiosa obra de arte. O consagrado arquiteto francês Jean Nouvel desenhou o projeto, que simula um oásis, com o teto vazado como se fosse o espaço entre as folhas de uma árvore. A fantasia tem custo de construção orçado entre US$ 90 milhões e US$ 120 milhões. Nouvel é um dos queridinhos dos museus das novas fronteiras do mercado da arte. Ele também criou os projetos para o Museu Nacional do Catar e do Museu Nacional de Arte da China. Com tudo isso, o Louvre das arábias já seria uma grande atração por si só. No entanto, faz parte de um projeto maior de Abu Dhabi.

Será apenas o primeiro de uma série de museus que vão compor a Ilha Saadiyat, um complexo de US$ 27 bilhões que vão incluir, pelo menos, outros três grandes espaços culturais. Será aberta uma filial do Museu Guggenheim, que promete ser a maior da rede e pretende replicar o sucesso que a marca conseguiu em Bilbao, na Espanha. Também estão em projeto o Museu Nacional Zayed, que vai contar a história dos EAU, e um museu marítimo. Todos eles, assim como o Louvre, são projeto de arquitetos vencedores do Pritzker Prize, o Nobel da arquitetura, como o canadense Frank Gehry e o britânico Norman Foster.