O Federal Open Market Committee (Fomc) é o equivalente americano do Copom, e se reúne periodicamente para analisar as condições da economia e definir a estratégia para os juros americanos. Na reunião do fim de abril, todos sabiam qual seria a decisão: as taxas americanas seguiriam entre zero e 0,25% ao ano. A curiosidade era com a Ata do Fomc, que foi divulgada na quarta-feira (19). Apesar de todas as declarações no sentido de que os juros permaneceriam baixos e que os estímulos à economia seguiriam intocados, o Federal Reserve iria aceitar que a inflação subisse aos maiores níveis desde o início do milênio?

Os gráficos mostram que há justificativas para essa dúvida. Tanto a inflação para o consumidor quanto para o produtor dispararam em abril. E tudo indica que esse não foi um movimento isolado. “Vários indicadores mostram que a inflação americana vai demorar para arrefecer”, disse a economista-chefe da gestora de recursos Armor, Andrea Damico. Segundo a economista, há diversas pressões de aumento sobre os preços.

Começando pela mão de obra. Os indicadores mais recentes do mercado de trabalho mostram um descompasso entre a oferta e a demanda. A pesquisa Jolts, que indica o número de vagas em aberto, registrou a abertura de 597 mil postos de trabalho em abril, elevando o total para 8,1 milhões de vagas. Isso é o maior número de colocações desde que a pesquisa começou a ser divulgada, no início do ano 2000. No entanto, a criação de empregos não-agrícolas, indicador conhecido como non-farm payroll, decepcionou em abril. Foram contratados 266 mil americanos, muito abaixo dos 916 mil empregados em março, e menos de um terço da expectativa para o mês passado, que era de 978 mil contratações. Como explicar essa diferença? Simples: devido aos programas de ajuda do governo, muitos americanos, especialmente os menos qualificados, optaram por ficar em casa em vez de trabalhar.

Não é uma questão de indolência, como pode parecer. Lá como cá, a pandemia fez com que muitas escolas e creches passassem a funcionar de maneira irregular, impedindo que as mães solteiras saíssem para trabalhar. Esse segmento da população em geral fica com as vagas de menor qualificação, ocasionando uma escassez de mão de obra em setores como bares, restaurantes e hotéis. “E enquanto a política dos auxílios não mudar, essa situação não deve se alterar de forma significativa”, disse Damico. “Se não houver um fim dos subsídios, os empregadores terão de pagar mais para conseguir contratar, o que vai elevar o custo da mão de obra e pressionar a inflação por toda a economia”, afirmou.

EXPANSIONISMO Os índices de inflação e os números do mercado de trabalho justificariam declarações por parte do Fed de que a política monetária expansionista tem hora para acabar. Nas últimas semanas, os diretores regionais do sistema e Jerome Powell, presidente do Fed, têm declarado que a recuperação da economia americana tem sido “desigual” e que está “longe de ter se encerrado”, indicando que a recompra de títulos públicos vai continuar. Atualmente, o Fed tem comprado US$ 120 bilhões por mês para injetar dinheiro na economia, o que fez seus ativos chegarem a US$ 7,9 trilhões, o dobro de antes da pandemia.

Na ata da reunião consta que alguns membros do Comitê avaliaram que uma recuperação rápida da economia americana poderá levar o Fed a avaliar um endurecimento da política monetária. Embora não se acredite em uma alta dos juros, a recompra sistemática de títulos públicos poderá ser desacelerada ou interrompida ainda neste ano. Mesmo assim, os especialistas descartam a hipótese de mudanças drásticas no curto prazo. “A convicção é que a política só vai ser alterada quando houver indicadores fortes de aquecimento da economia e de uma inflação elevada por um período prolongado”, disse a analista da corretora MyCAP, Julia Monteiro. Assim, apesar da alta de preços, o Federal Reserve permanece em uma encruzilhada entre elevar os juros ou conviver com uma inflação desconfortável.