Há pouco mais de dois anos, uma equipe de executivos da Telecom Italia veio ao Brasil executar uma missão secreta e explosiva. Trouxe cópias de um DVD e pilhas de documentos que foram entregues à Polícia Federal. O líder dessa empreitada era o misterioso Giuliano Tavaroli, que ocupava o sugestivo cargo de vice-presidente mundial de segurança da telefônica italiana. Abaixo dele, um italiano com pinta de galã de cinema, chamado Angelo Janonne. E a missão conduzida pela dupla foi relativamente bem-sucedida. Pouco depois do desembarque do dossiê no Brasil, a PF deflagrou a ?Operação Chacal?, que tinha como objetivo prender o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e a ex-presidente da Brasil Telecom, Carla Cico. O motivo: ambos teriam contratado a empresa americana Kroll para ?espionar? a Telecom Italia e o próprio governo federal. Ainda que a prisão de Dantas e Cico não tenha ocorrido ? mas por muito pouco ?, o fato é que a Operação Chacal criou as condições para uma mudança de controle da Brasil Telecom, que passou a ser gerida pelos fundos de pensão nacionais e não mais pelo Opportunity. Na semana passada, porém, o feitiço parece ter virado contra o feiticeiro. Na quarta-feira 20, nada menos que vinte pessoas ligadas à Telecom Italia foram presas em várias cidades do país europeu. A acusação: espionagem ilegal, a mesma que os italianos fizeram contra Dantas e Carla no passado. E o primeiro a ser algemado foi ninguém menos que Tavaroli. Além dele, também foram presos detetives privados e até mesmo policiais da tropa de elite italiana, os chamados carabinieri. ?Trata-se da maior organização de espionagem privada já descoberta na Itália?, disseram os procuradores de Milão, que conduziram a investigação secreta.

 

O esquema de espionagem da operadora telefônica envolvia grampos e a invasão de dados bancários e telefônicos das pessoas investigadas, numa relação composta por políticos e grandes empresários da Itália. Entre eles, Emílio Gnutti, um dos maiores banqueiros do país, Carlo de Benedetti, dono da Olivetti e do jornal Corriere della Sera, e Calisto Tanzi, criador da Parmalat. Também de acordo com os procuradores milaneses, Tavaroli se reportava diretamente a Marco Tronchetti Provera, o maior acionista da telefônica italiana, que acaba de anunciar um polêmico plano de reestruturação da empresa. O projeto divide a operadora em três empresas e pode provocar a venda dos ativos da Telecom Italia no Brasil: a operadora de celulares TIM e uma participação de controle na Brasil Telecom. Ao saber do escândalo, Tronchetti logo tratou de se desvencilhar do caso, dizendo que as ?maçãs ruins? da Telecom Italia devem ser investigadas. O caso está repleto de episódios dramáticos. Semanas atrás, antes mesmo dessa megaprisão na Itália, o executivo Adamo Bove, chefe de segurança da TIM, havia se suicidado. Além disso, o escândalo não poderia vir em pior hora para Tronchetti. Recém-afastado da presidência da Telecom Italia, ele enfrenta guerra aberta contra o primeiro-ministro Romano Prodi, que se opôs ao plano de divisão e venda dos ativos da companhia. Para tumultuar ainda mais o quadro, quem agora surgiu como candidato nacional à compra da TIM foi ninguém menos que o magnata Sílvio Berlusconi, ex-premiê e antecessor de Prodi.

No Brasil, essas novas confusões da Telecom Italia podem acelerar a venda da Brasil Telecom e da TIM. No primeiro caso, quem se apresentou como comprador foi o empresário Luiz Alberto Garcia, do grupo mineiro Algar, controlador da operadora de telefonia fixa CTBC. A dificuldade é que essa aquisição parece estar muito acima da capacidade financeira do Algar ? a menos que haja uma composição com os fundos de pensão. No caso da TIM Brasil, estuda-se uma venda conjunta para Brasil Telecom e Telemar ? cada uma assumiria os clientes da sua área de atuação. Seja qual for o desfecho, o mais novo escândalo italiano sinaliza que na Operação Chacal, fartamente acompanhada pela mídia brasileira, os verdadeiros ?espiões? talvez estivessem do outro lado. Até porque, apesar de todo o barulho, ainda não veio a público um único grampo telefônico que tenha sido feito pela Kroll.