Boa parte das memórias a respeito do ex-presidente Itamar Augusto Cautiero Franco é pitoresca.  Ele é lembrado pelo destempero verbal, que produzia manchetes saborosas, e por atitudes mercuriais, como a ressurreição do Fusca e a ameaça de desviar rios para dificultar a privatização de Furnas. Seu desprendimento da  liturgia do cargo causou mais de um embaraço. Quem não se lembra da foto em um Carnaval ao lado de uma, por assim dizer, atriz, cuja roupa mostrava bem mais do que deveria? Essas bobagens eram a delícia dos jornalistas e o terror dos investidores. 

No entanto, a lembrança de Itamar precisa ser mais generosa. Tendo chegado à Presidência cercado de muitas reservas, ele a deixou como fiador da estabilidade econômica e política. Recordemos. Itamar foi eleito ao lado de Fernando Collor em 1989, na primeira votação direta para presidente da República desde 1960. A campanha de Collor passou como um trator sobre os políticos tradicionais, prometendo modernidade e combate à corrupção. Menos de dois anos após sua posse, porém, um Collor vergonhosamente atolado na corrupção seria posto porta afora e recolhido à merecida insignificância. 

 

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Em seu lugar assumiu um vice pouco conhecido, que não participava do governo e que chegava cercado de políticos sem expressão, chamados desdenhosamente de “a República do Pão de Queijo”. Itamar encontrou um país cuja economia estava em situação crítica. A inflação superava 40% ao mês, o Produto Interno Bruto não crescia e a sociedade curtia a ressaca de um plano que confiscara as poupanças. A situação política não era melhor. Os partidos estavam enfraquecidos, governo e oposição não tinham diálogo (o tosco “bateu, levou” de Collor era a regra), e cristalizara-se a convicção de que todo parlamentar ou mandatário era um desonesto em potencial. 

 

Na posse, o primeiro ato de Itamar foi uma esperteza política. Ele sacou do bolso do paletó uma cópia de sua declaração do Imposto de Renda e a entregou ao presidente do Congresso. Minei-ramente, ele indicava que seu patrimônio poderia ser esquadrinhado, algo bem diferente de seu antecessor. Sua gestão da economia foi marcada pela indefinição. Trocou três ministros da Fazenda antes de se acertar com Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, cacifou a primeira equipe econômica que de fato mirou no coração da inflação. Para estabilizar os preços, os autores do Plano Real atacaram o desequilíbrio das contas públicas e as barreiras da economia brasileira à concorrência internacional. 

 

Turbinado pelo sucesso econômico, Itamar não só elegeu seu sucessor como o viu terminar seu mandato, algo que não ocorria desde a República Velha. Itamar também realizou um plebiscito agendado havia mais de um século e consagrou o presidencialismo. Essa medida exterminou uma malfeitoria intermitente do Legislativo, que sacava do bolso do colete um parlamentarismo oportunista em qualquer desarranjo do regime. 

 

Há quem sustente que Itamar não tinha consciência da amplitude e da importância das reformas que seus subordinados realizaram. Um dos apelidos menos generosos com que os críticos o brindaram foi “Forrest Gump”, o inocente que, sem perceber, muda a história. Mesmo assim, falando impropriedades e errando no varejo, ele legou aos sucessores um país bem mais estável – alicerce essencial para a prosperidade.