13/10/2020 - 9:16
Intensidade de sangramento, dor, emoções, libido. Marion, de 26 anos, é uma das milhões de mulheres em todo mundo que usam um aplicativo de monitoramento do ciclo menstrual, um mercado em expansão que levanta muitas questões, principalmente sobre a proteção da privacidade.
“Se estou de baixo-astral, ou com grande sensibilidade, abro (o aplicativo) e vejo rapidamente se é por causa do meu ciclo”, explica Marion.
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O “MenstruTech” é o nome que a jornalista francesa Lucie Ronfaut deu a este ramo do mais amplo “FemTech”, o mercado de serviços tecnológicos ligados à saúde da mulher que pode gerar 50 bilhões de dólares em 2025, de acordo com a agência Frost & Sullivan.
Algo que investidores como Max Levchin, um dos cofundadores do PayPal, que lançou o aplicativo Glow, não esqueceram.
Quando a Apple lançou seu aplicativo Health em 2014, nenhum rastreamento de ciclo menstrual estava previsto. Foi integrado um ano depois. E, desde então, os aplicativos floresceram.
Alguns propõem, principalmente, um calendário. Outros registram a temperatura, ou observações fisiológicas, como secreções vaginais.
A identidade visual varia, ora mais rosa, ora mais sóbrio. Assim como os modelos econômicos, que vão desde a assinatura até a monetização dos dados coletados em condições mais ou menos transparentes, e que respondem à conhecida máxima do mundo digital: “Se é grátis, o produto é você”.
Clue, uma start-up berlinense lançada em 2013, reivindica uma abordagem ética: um aplicativo de base gratuita com modelo pago. Em vez de vender os dados para anunciantes, propõe a colaboração com universidades.
Este aplicativo diz ter mais de 12 milhões de usuárias, que “tendem a valorizar a imagem científica do aplicativo”, explica Marion Coville, socióloga e professora do IAE de Poitiers, no oeste da França.
Mas “há riscos de que a pesquisa (que possibilita esses dados) se concentre em mulheres entre 18 e 35 anos, oriundas principalmente de países economicamente desenvolvidos”, perfil médio das usuárias desses aplicativos.
– Informação sensível –
Agathe Fontenelle, de 22 anos, estudante de direito da saúde em Montpellier (sul da França), usa o aplicativo de saúde da Apple. “Alguém saber que vou ficar menstruada, não me incomoda”, garante.
“Mas eu não vou colocar minha atividade sexual, ou minha vontade de ter um filho (…), é muito intrusivo”, pondera.
Outros aplicativos afirmam ajudar a procriar, ou a controlar a fertilidade, causando ceticismo nos profissionais de saúde.
A Agência Sueca de Medicamentos, alertada por usuárias chocadas com o aplicativo “Natural Cycles”, exigiu que “o risco de gravidez indesejada seja mais bem especificado nas instruções de uso”.
Um estudo de 2018 elaborado por médicos alemães sobre 12 aplicativos que prometiam ajudar a engravidar estima que a grande maioria não é “confiável”.
“É um mercado bastante favorável, as grávidas são consumidoras: produtos para bebês, para gestantes”, explica Lucie Ronfaut.
Investigações na imprensa, nos jornais The Washington Post, ou no The Wall Street Journal, acusaram alguns aplicativos de vender informações das usuárias para fins publicitários, ou até mesmo para empregadores!
ONGs, como a Privacy International, ou o coletivo brasileiro Coding Rights, criticam a complexidade e até mesmo a opacidade da política de confidencialidade desses aplicativos.
“Os dados de saúde são os mais sensíveis. Seria de se esperar que fossem tratados com cuidado, mas não. São compartilhados com o Facebook”, diz a Privacy International, que aponta o aplicativo Maya como exemplo, com cinco milhões de downloads.
“Se terceiros não autorizados acessarem nossos dados de saúde, podem nos rejeitar um empréstimo, a evolução no nível profissional. Os riscos de discriminação aumentam”, avisa Nathalie Devillier, professora de direito digital da École de Management, de Grenoble.
O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), em vigor na Europa, exige o consentimento expresso do usuário.
Na realidade, porém, um clique nas condições gerais de uso pode ser suficiente, sem que os utilizadores tenham “consciência do risco que correm, pois o que pretendem é entrar rapidamente no serviço”, explica.