Em junho passado, a Daslu, templo do consumo de luxo no Brasil, o paraíso de compras dos ricos, abria as portas de suas novas instalações. Construída no bairro da Vila Olímpia, região nobre de São Paulo, a superloja, três vezes maior que o endereço anterior, na Vila Nova Conceição, parecia fazer parte de um conto de fadas. Tudo grandioso, de primeiríssima qualidade e belo. Setenta grifes internacionais, helicóptero pendurado no teto, loja de barcos, restaurantes e bares, a um custo estimado de R$ 200 milhões. A julgar pela trajetória da grife, o sucesso era certo. Passados quatro meses, há cautela. Lojistas reclamam das vendas em baixa e consumidores dizem que as prateleiras carecem de lançamentos. A empresa demitiu mais de 180 pessoas. Uma operação da Polícia Federal levou a companhia às páginas de crimes de sonegação. Nesse meio tempo, o CEO da Daslu, Rubens Panelli, deixou o comando da butique em meio a rumores de que a Bloomingdale?s americana e a Harrod?s britânica estariam comprando a loja paulistana. Até mesmo o nome de Betty Lagardère, herdeira do poderoso grupo francês de armas, aviação e editoras, apareceu como possível sócia de Eliana Tranchesi, a mandachuva do lugar. ?Sempre somos sondados por gente interessada?, diz Eliana, a dona da marca. ?Mas nunca quisemos vender nem um pedaço e nem todo o negócio? .

É possível que a venda não ocorra agora, mas existe dentro da Daslu intensa movimentação de modo a reestruturá-la. O comando da operação está com a consultoria Íntegra, responsável também pela reestruturação da Parmalat. O homem no centro da história é o executivo Raul Rosenthal, nascido em Santos há 57 anos e torcedor do Palmeiras. Ele tem excelente reputação no mercado. Já presidiu a American Express e é membro do Conselho de Administração de empresas como a Copebrás e a Bell Canadá. Indagado a respeito da possível transação, Rosenthal responde com voz calma e pausada. ?Não há interesse em vender a Daslu?, diz. ?E, mesmo se tivéssemos, não poderia fazer essa revelação?. A missão, agora, é profissionalizar por completo a gestão da marca, deixando para trás o tom familiar do negócio. DINHEIRO conversou com especialistas em administração empresarial, marketing e imagem para definir os quatro pecados capitais do shopping classe A:

OSTENTAÇÃO – A Daslu é um caso de sucesso mundial. Se estivesse em Londres poderia ser comparada à Harrod?s. O problema é que ela está no Brasil, país com uma das piores distribuições de renda do planeta. Da construção à decoração, tudo é grandioso. ?A Daslu passou do ponto?, diz José Roberto Martins, consultor especializado em gestão de marcas. ?Apostaram na ostentação ostensiva?. Como alguns chegaram a dizer na época do lançamento, havia um certo ?daslumbramento?.

ESTRATÉGIA – Consultores acreditam que, ao mudar para um local imenso, que ocupa um quarteirão inteiro, a Daslu deveria ter facilitado a entrada de novos clientes. Não se tratava mais do acesso restrito imposto à sede anterior, na Vila Nova Conceição. O estacionamento atual custa R$ 30. Uma empresa que pretende crescer não
pode restringir o acesso dessa maneira, entendem
esses analistas. ?O prédio novo é gerenciado como se fosse a casa antiga, de forma amadora?, revela a representante de uma grife internacional incomodada
com a postura de hoje.

COMUNICAÇÃO – A inauguração foi, de certa forma, um tiro no pé. A começar pela campanha publicitária estampada em jornais nacionais de grande circulação com frases em inglês como ?Welcome to Daslu?, quando bastaria apenas um ?bem-vindo?. Afinal, a loja é brasileira. ?Isso soou como arrogância?, diz Edson Zogbi, consultor especializado em marketing de varejo. ?Quem aspirava ser um cliente Daslu, passou a rejeitá-la?. Rosenthal responde: ?Era para ser apenas mais um charme?.

PROBLEMAS COM A JUSTIÇA – A operação Narciso, comandada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, em julho, que culminou em uma pirotécnica invasão da loja com mais de 250 policiais, causou sérios problemas para a grife. A Daslu foi acusada de sonegar impostos, embora o caso ainda esteja em tramitação. Até hoje os advogados da marca não receberam uma notificação formal da Justiça. ?Estamos esperando a acusação para provarmos a inocência?, diz Fernando Luiz Lobo d?Eça, advogado especializado em direito tributário.?A questão é que esse escândalo afugentou parte do público masculino?, diz um outro representante de uma grife internacional também presente na Daslu. ?Psicologicamente, os homens tendem a não comprar em lojas com problemas fiscais, ainda que pareça bobagem?, arrisca.

É inquestionável, contudo, que os efeitos foram nocivos para a saúde da butique. Rosenthal observa esses percalços com muito cuidado. ?A nova Daslu ainda está em fase de maturação?, diz o executivo, referindo-se ao pouco tempo de casa nova. ?Os detalhes estão sendo acertados aos poucos?. Trata-se de uma tarefa que a Íntegra tem realizado junto aos proprietários e grifes parceiras no projeto há mais de 1 ano. Para começar, a consultoria indicou a contratação de seis executivos de nível sênior para atuar tanto na contabilidade como na relação com os parceiros. Há, de certa forma, uma insatisfação entre algumas marcas que embarcaram na Daslu. Explica-se: muitas empresas acreditavam que a loja seria um imã da população de alta renda e apostaram em um desempenho acima da média. ?As vendas estão fracas?, diz um lojista. Já no shopping Iguatemi, o principal concorrente da Daslu, as vendas da mesma grife são 30% maiores. É bom salientar, porém, que o Iguatemi, pousado na tradicional região da avenida Faria Lima, na Zona Sul de São Paulo, existe há 40 anos. ?Só podemos fazer uma análise do desempenho quando o empreendimento completar um ano?, diz Rosenthal. Por enquanto, ele brinda a chegada de 15 mil novos clientes ativos e o aumento das vendas de roupas com a etiqueta Daslu. De acordo com o executivo, houve um incremento de 25% com a grife própria desde a chegada no atual prédio.

Outra ponta de atuação da marca é a exportação. Hoje, as vendas para mais de 35 países representam R$ 10 milhões. Para 2006, a previsão é dobrar o número. Para isso, a Daslu, que já organiza show rooms em Paris, pretende fazer o mesmo em Nova York. Paralelamente a esse projeto, tenta resolver um outro imbróglio: a falta de lançamentos. A loja, acostumada a se antecipar às tendências e ter todas as coleções internacionais, viu suas prateleiras se esvaziarem. ?Desde a inauguração, eles estão com as mesmas peças?, diz um profissional ligado ao dia-a-dia da empresa. ?A polícia levou toda a documentação?, alega Rosenthal. ?Houve um interregno entre as importações, mas tudo está sendo resolvido?. Aos poucos, o dia-a-dia da empresa retoma a normalidade. Especialistas em avaliação de marca arriscam dizer que o resgate da imagem da Daslu é questão de tempo. Afinal, uma marca construída ao longo de décadas não desmorona tão facilmente.

?Já passei por coisa muito pior na vida?

A empresária Eliana Tranchesi, a dona da Daslu, fala pela primeira vez sobre a reestruturação da empresa, a cuidados da consultoria Íntegra, a respeito da venda da marca e sobre a operação Narciso, comandada pela Polícia Federal.

DINHEIRO ? Como a senhora observa o processo de reestruturação?
ELIANA TRANCHESI ? Quando resolvemos mudar para a Vila Olímpia, decidimos montar um empreendimento muito maior e mais diversificado. Para que essa transição ocorresse sem problemas, contratamos a Íntegra, que é excelente.

A parceria tem dado certo?
Como a senhora se sentiu com a ação da Polícia Federal?
Focamos no nosso negócio e eles nos orientam na gestão do empreendimento. Essa divisão de trabalho está indo muito bem mesmo.

Já passei por coisa pior na vida. Sou uma pessoa positiva, não fico parada diante da dificuldade. A loja não parou de funcionar um minuto e nem eu.

A Daslu está à venda?
Não. Sempre somos sondadas por gente interessada, mas isso é assim há muito tempo, há anos.

Nem interesse em sociedade?
Nunca quisemos vender nem um pedaço, nem todo o negócio.

Por quê?
Não tenho planos de parar de trabalhar.